Foto © Samuel Mendonça
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A mais recente publicação da autoria do padre José da Cunha Duarte, que analisa a origem, expansão e evolução ao longo dos séculos da festa do Corpo e Sangue de Cristo, popularmente conhecida como Corpo de Deus, foi apresentada na passada sexta-feira em São Brás de Alportel, onde é pároco.

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Na apresentação, que teve lugar no Museu do Traje, o investigador explicou que a publicação, intitulada “Corpo de Deus – Festa do Triunfo Eucarístico”, pretende dar a conhecer a “tradição mais antiga da Idade Média” que se impunha como uma “festa majestosa e triunfal”. “Este livro vai procurar analisar como era a festa na Europa toda e em Portugal, sobretudo a partir do reinado de D. João V”, explicou o autor, considerando que as procissões do Corpo de Deus que hoje se realizam são “uma réstia da verdade que já existiu”.

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Acrescentando que a obra pretende ajudar na recuperação daquela tradição, o padre Cunha Duarte lamentou que o restauro das raízes tradicionais tenha começado pela “parte profana”. “Em Portugal chegou agora a moda. Quem tem um castelo ou ruínas faz festas medievais. Isto em Espanha já está tudo ultrapassado. Esta tendência de recuperar as tradições medievais acabou, já está gasta”, assegurou, acrescentando que várias zonas de Espanha se juntaram para restaurar a procissão do Corpo de Deus com vista a ser reconhecida como património mundial. “Em Portugal temos também várias zonas que estão a restaurar o Corpo de Deus”, regozijou-se, lamentando que diversas localidades vizinhas do país não se associem para promover uma “procissão monumental” que possa também vir a ser reconhecida como património mundial.

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O investigador garantiu que na Idade Média a procissão era participada por “milhares de monges, frades, seculares e religiosos”. “Há procissões na Europa com 7, 10 ou 12 mil pessoas. Era um colosso visual que alimentava a fé”, considerou, lembrando que a festa do Corpo de Deus “vai servir de modelo para todas as festas”, inclusivamente para a da Páscoa.

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O padre Cunha Duarte lembrou que a festa instituída em 1264 pelo papa Urbano IV, que “começou simples”, tornou-se “monumental” no século XIV com a introdução dos grupos de mesteres. Na obra, o sacerdote recorda que o Concílio de Trento decreta a obrigatoriedade da procissão e procura eliminar os desvios.

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O investigador adiantou que – depois de o papa Paulo III ter estipulado em 1539 que as confrarias do Santíssimo Sacramento, responsáveis pela festa, teriam de ter aprovação canónica e adotar os estatutos, pedindo a oficialização a Roma –, a primeira localidade portuguesa a oficializar a sua confraria foi Braga, em maio de 1540, seguida de Penafiel, em Julho do mesmo ano. No Algarve as primeiras confrarias foram oficializadas em Loulé e Salir em 1550, seguindo-se São Brás de Alportel em 1554. “Depois da criação da confraria, São Brás esteve 37 anos sem sacrário porque a igreja não tinha segurança. A primeira procissão com o Santíssimo Sacramento em São Brás foi em 1731, 140 anos depois de ter o sacrário”, acrescentou o sacerdote.

O autor explicou ainda que a preocupação com os mais pobres estava presente no cortejo. “Na procissão vai lá um ou dois bois. Era para se matar para dar de comer aos pobres. Mais tarde, como o boi custava dinheiro, passou a desfilar apenas, sublinhando-se o sentido de que Cristo veio substituir o sacrifício dos animais”, afirmou, lembrando também a incorporação de “quadros bíblicos”. “Nesta procissão fazia-se catequese”, explicou, acrescentando que “todas as classes sociais tinham de participar”.

O padre Cunha Duarte destacou que só em 1674 é que o bispo do Algarve pediu que se fizesse a procissão da Páscoa e do Corpo de Deus, embora sem seguimento porque não havia muitas confrarias oficializadas.

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O autor lembra ainda que Penafiel, de cujo concelho é natural, foi a localidade portuguesa que mais conservou a tradição medieval desta procissão.

Na sessão de apresentação do livro em São Brás de Alportel, o vigário geral da Diocese do Algarve, cónego Carlos César Chantre, agradeceu ao autor pelo estímulo no conhecimento de uma das “componentes fundamentais” do povo português.

Custódia Reis, da Câmara Municipal, considerou que o conhecimento sobre esta área “interessa, cada vez mais, a todos”. “A religião fez parte do dia-a-dia dos nossos antepassados e é muito interessante termos um livro sobre uma festa tão importante”, disse.

Para além desta obra de 417 páginas com edição da Casa da Cultura António Bentes – Museu do Traje, que foi lançada no dia 26 de maio deste ano em Penafiel e se encontra à venda nas paróquias de São Brás de Alportel e de Santa Catarina da Fonte do Bispo e nos Serviços de Pastoral da Diocese do Algarve, o padre Cunha Duarte é autor de “Natal no Algarve – Raízes medievais”, “Natal no Algarve II – Teatro” e “Páscoa no Algarve – Procissão das Tochas Floridas”.