VIII 16 novembro 1908
«Meu Deus… meu Deus… Como hei-de
suportar esta luz sem fim _ …»
(«A Grande Sombra», M. Sá-Carneiro
in “CÉU EM FOGO”, 1914)
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Á Musa Loira


« … Aqui está a razão porque eu, tendo-a visto, uma vez, numa saudosa noite de festa, me converti à religião do fogo e fiquei para sempre, _ não sei se devido ao esplendor dos belos olhos de Maria, se ao grande brilho da fogueira que a vestia de luar, _ um dos mais fanáticos adoradores do lume! »
Fogueiras», Carlos A. Lyster Franco in “Belas Artes” «O HERALDO» Nº365, 1917)

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A prosa poética “Luminista”, consagrada “religiosamente” a outro tema central do “Futurismo algarvio”; «ELA», denuncia um antecipado convertido futuro-expressionista: “KernoK” do Porto, e “pseudo-heterónimo” do também pintor Carlos Augusto Lyster Franco. Este lírico literato, ao refundir «O HERALDO» em Faro a 10 de abril de 1912 (jornal antes fundado em Tavira), através de constante prosa inserta na 2ª página do semanário desde 1913, foi também o incentivador e patrocinador “oficial” da inúmera poesia ou de prosa poética modernas.

Desenvolvidas muito depois em “verso-livre” e nas colunas “Gente Nova – Futurismo”, primeiramente em novembro de 1916, seriam por fim caracterizadas de “Arte Futura” a partir de 4 fevereiro do ano 1917. Este “Outro” farense, e célebre Pintor-prosador do Algarve, fica para a história do Futurismo enquanto “Movimento” artístico português, por ter sido o mais compreensivo patrono e, seu principal mecenas. «O Futurismo oficializou-se em Faro com “O HERALDO”»(9) bem defendeu Teodomiro Neto, e este jornal literário deu sem dúvida um «contributo para o estudo do Futurismo no Algarve»(10), concluiria também João Vargues. Vilhena Mesquita, num dos Congressos algarvios, também apresentou uma importante dissertação elogiosa do pintor. Para comprovar essa importância, existe no explorado espólio do “universal” baú pessoano, ainda uma cópia da carta de Fernando Pessoa dirigida ao Director do jornal algarvio “O Heraldo”.

A antecipadora prosa poética “lumino-futurista” de Carlos Lyster Franco, e em epígrafe assinalada, é paradigma da principal intersecção entre Religião Cristã e Arte Futura e que vimos defendendo agora neste jornal(11), numa relação paralela com os poetas Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, com José de Almada-Negreiros à parte, e que a desenvolveriam ainda mais excepcionalmente.

Específica e religiosamente dedicada à “Mulher” («Ela»), tal como o jornal “Democrático” «O HERALDO» preconiza em muitas páginas, e patenteando muita admiração pela “Arte Luz” de Mário de Sá-Carneiro, teve em Carlos Filipe Porfírio (“Nesso”, “Vivino”…) “Outro” seguidor, e em desejos de emancipação artística mas, numa relação vibrante “neo-pagã” e com o ancestral culto festivo dedicado a “Santa Maria” em Faro. A «Noite» (tema e poema de João Saraiva desde 1913, “Nº90”) tal como a «Morte», constituem outras fortes motivações futuristas, e são expressiva e vincadamente junto com o «Luar», temáticas simbólicas preferenciais dos “jovens bardos” e poetas. Paralelamente, os pintores também se associam à celebrizada “Arte Futura” algarvia, e é nessa ligação estilística lumino-técnica-literária, que se descobre o «LUMINISMO» futurista de Carlos Filipe Porfírio, e seu principal “guia” pictórico, quer através da literatura, quer por meio de múltiplas estilizações de pinturas em aguarelas, pasteis e óleos. Na pintura, é exageradamente acentuado e detectável pelo variado cromatismo, quase “berrante”, e que os mestres pintores Souza-Cardoso, Santa-Rita e Almada-Negreiros tanto salientaram ao seu género. Na poesia, são dedicadas imensas linhas enfatizando os efeitos “realistas” da nova “Luz” numa relação estilística evolutiva mas, artificial, ligada também ao tema do «Sonho» (“surrealista”) e, evolutivamente, junto ao conhecido “Impressionismo”. Este último estilo do século XIX, naturalista, constitui seu equivalente estético mas, é mais antigo, em paralelismo estilístico pictórico, depois justaposto de forma evolutiva hodierna à “nova era” do século XX, e do princípio da iluminação pública eléctrica das paisagens de «cidades».

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« as cidades sonhadas é que eram reais »
(«A Morte do Príncipe», Fernando Pessoa,
191?)

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O artificialismo ou o artificioso efeito gerado pela nova visão poética “neo-romântica”, logo após os primeiros ensaios picturais, está também patenteado na brumosa névoa de importantes e primitivas revelações fotográficas a cores, mostrando-se a par de uma nova palete cromática através da pintura. E ainda através da antiga fase de inovações sensoriais luminescentes, e de experimentações coloridas mas, também nebulosas, cheias de “movimento” e beleza cinemática gerada pela “máquina”, e resultante da “velocidade”. E por indução criativa das ciências e inventos, que elegem a imagética produzida a partir das novas tecnologias: a novidade da electricidade, a incandescente iluminação pública, as originais projecções no “cinematógrafo”, o primitivo “raio-X”, o estridente e primário automóvel, a ainda desarticulada bicicleta, o avião e o “zeppelin”, os fantasmagóricos navios e comboios a vapor, e sobretudo as experiências sensoriais de múltiplas e sequenciais fotografias, ensaios sonoros e musicais, etc., etc. . São em tudo “novas” visões tridimensionais, “uma Arte com força centrífuga” diria Sá-Carneiro, em «Asas» (novela futurista), a par de múltiplas sensações florescentes, rítmicas, musicais, e até de odorantes novidades perfumadas. De Paris e de Lisboa mas, já em Faro muitas delas experienciadas ou vividas pelos “cavaleiros de Luar” (pintores e poetas). Recorde-se, ainda, que o casal de pintores franceses Delaunay, com permanência no nosso país em Vila do Conde até 1918 e fugido da I guerra mundial, constitui o máximo representante do “Orfismo” (12), tendo Sonia-Delaunay participado na revista «PORTUGAL FUTURISTA», e ajudado duma forma poética e profética à sua projecção internacional, tal como fora o “Orpheu”, e na relação com a «Europa». E esta referência geográfica constitui outro tema capital do Futurismo português mas, com foco em «Paris», e outro mote subjacente.

(9) Título do seu opúsculo, e tese defendida no Museu Arqueológico de Faro.
(10) Título da monografia, junto com o sub-título "O caso da coluna de poesia, Gente Nova – Futurismo", e dissertação defendida na Universidade do Algarve, Gambelas.
(11) Curiosamente, a actual direcção, redacção, composição e impressão da "folha de Domingo" era o antigo local da Escola de Desenho "Pedro Nunes" que, em 1917, teve como Director o pintor Carlos Lyster Franco, como Secretário Raul Marques Carneiro, como aluno Mário Lyster Franco e, anteriormente, a frequência do próprio pintor Carlos Filipe Porfírio.
(12) Movimento artístico em que formas e cores devem organizar-se a partir de ritmos semelhantes aos da música.