“A nossa pastoral, enquanto se dirigir a ideais de pessoas, nunca vai ser eficaz porque as nossas vidas não são ideais”. O aviso foi deixado pelo Francisco Ferreira de Campos na sua reflexão sobre os desafios do atual tempo pandémico para a Igreja, no passado sábado na Assembleia Diocesana da Igreja algarvia para apresentação do Programa Pastoral deste ano 2020/2021.

“Não sei se são as pessoas que estão desfasadas do que nós propomos ou se o que nós propomos é desfasado da vida das pessoas. Esquecemo-nos do fim da nossa pastoral e fixamo-nos muito nos meios. De tal maneira absolutizamos os meios que queremos que eles sirvam um ideal das pessoas que queremos ter à frente”, prosseguiu o sacerdote da comunidade jesuíta a trabalhar no Algarve no encontro que teve lugar na igreja de São Pedro do Mar, em Quarteira, com participação presencial reduzida a cerca de 70 responsáveis por causa da pandemia de Covid-19 e transmissão em direto na página do jornal Folha do Domingo na rede social Facebook.

“Parece-me que, inconscientemente, estamos completamente presos a modelos e linguagens que estão ultrapassadas e que já não são suficientes respostas para os tempos que hoje vivemos. Estamos tão modelados a olhar para a nossa fé e para o modo como a vivemos que é difícil sair deste modelo”, prosseguiu, explicando tratar-se de uma tensão sobre o dilema entre o “sempre se fez assim” e o ousar “fazer uma coisa completamente diferente”.

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“Não podemos encher tudo daquilo que já se fez porque assim não cabe nada de inovador”, advertiu, desafiando a “uma fidelidade criativa ou uma criatividade fiel que não pode deixar de estar presente”. “A grande tensão que vivemos com a criatividade é o ter de responder à pessoa concreta que está à nossa frente com a vida, que se calhar não é perfeita, contra a imagem que eu tenho do que é uma vida perfeita”, prosseguiu, exortando a não “ter medo de experimentar e falhar” e a “ter lideranças estimuladas a serem criativas”.

“Esquecemos que o fim de toda a nossa pastoral é só um: a salvação das almas”, lamentou, acrescentando o que o objetivo do trabalho é claro: “querer, verdadeiramente, salvar quem está à nossa frente”.

“Somos pouco arrojados na maneira como propomos Jesus na vida das pessoas. Isto tem a ver com o que acreditamos profundamente que Jesus é nas nossas vidas. Se as pessoas não aceitam Jesus nas suas vidas, provavelmente é culpa minha que não o sei apresentar”, prosseguiu, lamentando existir uma “timidez pastoral” e um “medo paralisante” a par de uma “loucura inconsciente” que impedem a mudança.

“Parece que não acreditamos em Jesus e que Ele é o melhor que nos pode acontecer”, referiu, acrescentando que “a resposta que tem de ser dada é simples: falar d’Ele com a vida, mais do que com as palavras”. “E, por isso, é-nos exigida uma certa coerência, virtude de vida, que nos permite, em tudo o que fazemos, ser imitação de Cristo”, completou.

Acrescentando assim que “este tempo de crise é um tempo de perigos, mas também de muitas oportunidades”, evidenciou que, “na crise, as pessoas estão abertas àquilo que pode responder às suas ansiedades”, considerando que “esta pandemia pode ser uma grande oportunidade para mudar alguma coisa”.

O orador, que enumerou “seis desafios transversais” à análise do padre Frederico de Lemos à situação atual, exortou ao “arrojo e segurança” no que é realizado. “Não podemos deixar de transmitir uma imagem de segurança às pessoas que estão à nossa volta. Temos de ser arrojados, mas sempre com cuidado e responsabilidade”, sustentou, exortando ainda a uma “vida de fé para lá dos sacramentos” e à “esperança”. “A esperança tem de ser a virtude teologal que tem de estar sempre presente no nosso coração e no nosso rosto, tem de ser a marca do rosto cristão porque há um futuro que se abre diante de nós. Temos de ser rostos de esperança porque a crise não é o fim. O fim é Jesus”, concluiu.