O padre Francisco García alertou hoje o clero das dioceses do sul para a necessidade de “pensar teologicamente”.
Na atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que está a decorrer em Albufeira desde segunda-feira com a participação de 77 elementos entre entre bispos, padres, diáconos e alguns dos seminaristas em final de formação, aquele sacerdote da Diocese de Zamora (Espanha) refletiu sobre o tema “A formação teológica/intelectual do pastor”, considerando que esta dimensão é um dos “espaços mortos” do ministério sacerdotal.
“Todos temos zonas mortas no nosso ministério. O tema que me coube é um desses espaços mortos do ministério que não nos afeta individualmente, mas culturalmente”, afirmou, acrescentando: “nós, padres, não lemos nem estudamos e não nos damos conta de que assim seja e que isso não é bom”.
Aquele professor da Universidade Pontifícia de Salamanca (Espanha) apresentou a sua reflexão como “denúncia de uma situação que não está bem”. Neste sentido, alertou que “não há pastoral sem teologia e não há teologia sem formação teológica”. “Não basta uma teologia de conteúdos, mas é necessário um pensar teológico vivo e contínuo. Se não sairmos dos primeiros estudos com esta sensibilidade do pensar teológico, se em vez de ter conteúdos teológicos não se aprendeu a pensar teologicamente, a teologia está morta”, advertiu.
Lembrando que o exercício do ministério acontece “entre a graça e a competência”, o orador considerou “licito e necessário falar hoje de profissionalismo do sacerdote”. “Muitas vezes dizemos que nós, sacerdotes, como temos um trabalho vocacional, não somos funcionários. Mas isto é uma armadilha porque a primeira coisa que é preciso fazer é ser um bom funcionário. A dimensão extrovertida do ministério leva consigo uma necessidade acentuada de cuidar do profissionalismo do presbítero”, defendeu, acrescentando: “é verdade que trabalhamos confiando na graça de Deus, mas isto não significa que possamos desprezar a questão da competência”.
Por outro lado, o sacerdote alertou que “o Cristianismo vive na diáspora”. “Significa que a Igreja foi expropriada não só do seu espaço tradicional de relevância social. Já não temos relevância e domínio sobre os movimentos sociais. Não temos espaço na cosmovisão dos cidadãos, os cidadãos já não pensam cristãmente”, constatou, alertando que, num certo sentido, a Igreja foi remetida para o metaverso (submundo virtual no qual se entra como um personagem). “Como a Igreja não conseguiu reestruturar a sua vivência de base a partir desta nova cosmovisão, continua com uma linguagem dependente de outra cosmovisão”, prosseguiu.
O formador considerou que, “neste contexto, os ministros são chamados a fazerem esta mediação entre cultura e fé”. “É necessário que a nova cultura, através de nós, se vincule à fé, tornando-nos, por vezes em certo sentido, estranhos para os cristãos que nos observam. A novidade que descobrimos ao formar a nossa fé na nova cultura é o que pode fazer com que as nossas comunidades avancem e tenha uma fé profissionalizante. Ao contrário, converter-nos-emos em cegos que guiam outros cegos”, alertou.
“Não nos podemos conformar em transmitir os conteúdos da fé. Isto já não funciona. É necessário oferecer as raízes mistagógicas desses conteúdos”, advertiu, sublinhando que “não se compreende os conteúdos da fé sem o enraizamento em Deus”e defendendo que se deve “pensar a fé como uma cosmovisão que estrutura a vida”.

O padre Francisco García defendeu ainda que “os centros teológicos têm de deixar a ideia de que existem para a formação” para passar a ser “centros de reflexão pastoral”. “A formação permanente não depende fundamentalmente da diocese, não se pode identificar com as ações que as dioceses organizam. É uma responsabilidade do próprio ministério e vai muito além daquilo que a diocese oferece”, referiu.
Entre os “elementos transversais que são necessários para a formação intelectual”, o sacerdote começou por enumerar a criação de “espaços de atenção, de percepção da realidade”. Referiu também a necessidade da leitura. “Quando entramos na leitura deixamos de ser o centro”, justificou, aludindo à importância de “redescobrir a realidade distante da vida que vivemos, fazendo um desvio para que vejamos o que somos”.
Por fim, defendeu a criação de “espaços de reflexão e formação oferecidos, sejam diocesanos ou não”. “As ofertas de formação permanente nos planos diocesanos não devem ser simplesmente teóricas. Têm de ir ao ritmo da praxis pastoral da diocese para que se faça da formação permanente um âmbito de discernimento pessoal e comunitário”, desafiou.
A terminar abordou entre os “âmbitos de formação permanente” “o conhecimento pessoal crente à luz do Evangelho” como uma formação espiritual que “ajuda a reconhecer a vida concreta como vida que pode expressar o Evangelho”. Também a “interpretação da Escritura”. “Temos de adquirir a competência de leitura da Escritura. Esta competência vem do estudo contínuo, o que a tradição chama de lectio divina e do acompanhamento dos professores espirituais da leitura bíblica”, afirmou, sugerindo ao clero a criação de uma “biblioteca ministerial”.