Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O padre Mário de Sousa afirmou na terça-feira ao clero do sul do país que, a partir do “ângulo da antropologia cristã, a dignidade do ser humano fundamenta-se no facto de ser imagem e semelhança de Deus”.

Segundo o sacerdote, esta ideia “ganha uma nova dimensão no enquadramento da filiação divina em Cristo, ou seja, numa dimensão objetiva mas também metafísica, que as ciências não aceitam e que a mentalidade hodierna enviou para o exílio”.

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Na formação anual dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, que está a decorrer em Albufeira e que este ano tem no centro a reflexão sobre o homem, o biblista lembrou que a dignidade, que é um “valor objetivo” para os cristãos, tem, no entanto, “enquadramentos muito relativos e subjetivos”, considerando que o “caminho do diálogo” passa, sobretudo, pela “questão do sentido da vida”.

“Se eu não me interessar pelo sentido da minha vida, do meu agir, não quero saber das outras questões para nada. É a questão do mistério do meu viver e do meu ser que faz despertar em mim a vontade e o diálogo de perceber, não apenas os factos, mas o sentido, o seu fundamento e a sua finalidade”, afirmou aos cerca de 120 participantes o orador, na sua reflexão sobre o tema “O Homem: imagem e semelhança de Deus, e em Cristo, filho no Filho. Tópicos para uma reflexão bíblica sobre o Homem”.

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O orador – que lamentou vivermos num contexto em que “aquilo que antes se considerava absoluto se dilui no relativo” e “o que era considerado verdade objetiva cedeu lugar ao primado do subjetivo” – advertiu que para se alcançar a “compreensão plena” é preciso mais do que apenas a visão científica. “A própria ciência vai reconhecer que é insuficiente para explicar e entender o mistério do homem porque a ciência debruça-se muito sobre o como dos fenómenos, mas falta-lhe o seu sentido profundo – o porquê – e, por isso, o fundamento e a finalidade”, observou.

Na evidência desta complementaridade com a dimensão científica para a compreensão plena da vida, o sacerdote sublinhou ser a ciência que “dá sentido ao trabalho e à técnica”. “Sem ciência, sem sentido, o trabalho torna-se alienante, como um fim em si mesmo, que não passa de ações repetidas que destroem o homem”, advertiu.

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Na reflexão antropológica cristã que apresentou, o padre Mário de Sousa sublinhou que a Teoria da Evolução, “de alguma forma, já tem a sua base no próprio texto bíblico”. “O mundo não aparece num momento, vai aparecendo”, constatou, lembrando que “o cume desta criação é um ser humano”.

O conferencista realçou que “a criação do género humano é descrita com uma diferença essencial em relação ao resto dos outros seres vivos”. “Todos os outros seres, diz o texto, foram criados segundo as suas espécies. O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, o que confere a todos os homens, sem exceção, uma dignidade única”, destacou, acrescentando que “não há espécies humanas como nos animais e nas plantas, mas há uma única humanidade”, “um único género humano” que não deixa “lugar para racismos, ódios ou nacionalismos” e que “a vida humana é participação na própria vida de Deus”.

“O homem não é nem um Deus, nem um simples produto da evolução da matéria, mas uma criatura espiritual no coração da matéria. Assim, o ser humano é a presença da imagem de Deus na Criação, na medida em que apenas ele tem em si a própria vida divina. Isto significa que a vida não lhe pertence, mas é participação na vida d’Aquele que é o único que tem a vida em si mesmo”, complementou, observando que “a vida humana apenas pertence a Deus, n’Ele tem origem e fim” e que “entre Deus e o homem há uma relação particular que tem repercussões decisivas na orientação da vida”. “A vida humana é participação na vida de Deus e é na relação com Ele que o homem descobre o significado da sua vida e o sentido primeiro e último do seu viver”, acrescentou.

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Neste contexto, o sacerdote explicou que o Antigo Testamento “apresenta direitos concretos que são entendidos como essenciais”, sendo o primeiro deles o “direito do homem ao respeito pela sua vida”. “É difícil precisar no que é que se baseia e o que é que significa este conceito de dignidade humana, mas o seu sentido geral é perceptível na Bíblia: é o valor objetivo e radical que Deus dá a cada ser humano”, explicou.

Evidenciando que a constatação de Deus de que “não é bom que o homem esteja só” “não encontra resposta em nenhum dos animais criados” e que o próprio homem também “não reconheceu em nenhum, alguém semelhante a si”, o formador realçou que a criação da mulher – que “tem a mesma dignidade do homem”, embora “diferentes no género” – expressa a necessidade das relações interpessoais, do confronto e partilha com um ‘tu’ que se transforma num ‘nós’”. Neste sentido, acrescentou que quando “o amor do homem e da mulher transborda”, tendo como consequência os filhos, torna-se “participante” do ato criador de Deus.

O orador concluiu então que a compreensão da vida passa “por uma responsável aceitação dos limites e da diferença”, em relação à terra, aos animais, a Deus, aos pais, ao sexo. “É neste contexto de diferenciação que se constrói a relação com Deus e com os outros”, considerou, acrescentando que esse confronto ajuda o homem a “descobrir-se a si mesmo” e “o reforça na sua identidade”.

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O sacerdote alertou que a “tentação do ser humano” consiste precisamente em querer “tornar a moral subjetiva”, querendo “decidir o que é bem e o que é mau”. “Quando isto acontece, acontece também a desarmonia e a perversão das relações, não apenas do homem com Deus, mas dos seres humanos entre si, e, inclusivamente, com a própria Criação”, advertiu, lembrando que “a possibilidade de participação na vida eterna é uma consequência da fé em Jesus”. “A missão que o Pai entregou a Jesus é transportar o ser humano do reino da morte para o reino da vida divina. Só unidos a Jesus podemos participar da restauração plena deste projeto que Deus tem para a humanidade toda e que é a comunhão para sempre com Ele numa vida que tem início, mas que não tem fim”, concluiu.