
A última palestra promovida no passado dia 31 de março pelo núcleo do Algarve da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores no Colégio de Nossa Senhora do Alto, em Faro, deixou claro que um workaholic (trabalhador compulsivo) não pode ser um bom empresário.
“Cedo ou tarde rebenta. Por isso, uma pessoa que não serve para ser um ser humano normal, dificilmente será um bom profissional”, advertiu Madalena Fontoura, diretora do Colégio de São Tomás no Ramalhão, em Sintra, na palestra realizada sobre o tema da conciliação família-trabalho em que deixou claro que o importante a “unidade” da pessoa.

A oradora, católica comprometida, Servita de Nossa Senhora de Fátima desde 1978 e participante no Sínodo sobre a Europa em 1999 a convite do papa João Paulo II, considerou que o mundo se constrói com “pessoas em harmonia pessoal”. “Quando o que queremos das pessoas é mais do que aquilo que faz delas pessoas normais, estamos a rebentar. A maneira como lidamos com a pessoa na nossa empresa há-de ser desejando que ela seja uma pessoa e não só que ela seja um instrumento da engrenagem”, advertiu.
Madalena Fontoura lamentou que exista uma generalizada “visão marxista do trabalho” que consiste em considerar que “o trabalho é uma canseira” e que as pessoas vivem “sob o jugo do trabalho”, lembrando: “um jugo que a gente aguenta porque tem de ser, não se chama trabalho. Chama-se escravatura”. “É verdade que me pagam ao fim do mês, mas eu trabalho e gosto imensíssimo de trabalhar e acho uma sorte ter um trabalho. Neste tempo, em que algumas pessoas não têm trabalho, eu dou, particularmente, graças a Deus pelo meu trabalho e estou mesmo contente de me «estoirar» pelo bem do mundo e de ter uma construção”, prosseguiu.

A oradora considerou assim que “trabalhar é uma coisa maravilhosa”. “Nós somos feitos para construir e se somos feitos para construir, nós, em última análise, trabalhamos porque queremos e se não nos pagassem trabalhávamos na mesma. Queremos mesmo trabalhar. Nós trabalhamos porque fomos feitos para isto. É a nossa semelhança com Deus, é construir. Deus é criador e nós somos feitos à semelhança d’Ele. Portanto, é ótimo trabalhar e pode ser preciso fazer um esticanço”, afirmou, considerando, não obstante, que “as questões salariais são muito importantes para tratar”. “Tratamos delas, mas qualquer relação com o trabalho na base de que o meu patrão é o meu inimigo porque me obriga a trabalhar e que o meu empregado é o meu inimigo porque, em princípio, se quer escapar àquilo que eu lhe mando, parece-me uma coisa completamente marxista, muito triste e mentira”, frisou, concluindo que “o trabalho não se mede pela regra”. “Trabalhar juntos é uma coisa que só se pode fazer olhando para mais além, porque se olhamos uns para os outros só vemos os defeitos”, advertiu.
Questionada sobre a realidade atual em que o “esticanço” é pedido quase diariamente, Madalena Fontoura respondeu ser preciso ter em conta dois aspetos: “a objetividade da pessoa de família que queremos ser e dos trabalhos que existem”. “Penso que não está na sua mão a chave para mudar o liberalismo económico ocidental pelo qual as empresas são como são. Pode tomar uma decisão radical que pode ser desempregar-se, mas tem de ir viver para uma periferia num apartamento pequeno em vez de uma casa mais simpática. Tem de perceber se é isso que quer”, retorquiu, advertindo que “a coisa melhor não é a ideal”. “É a que há e a que há é nossa amiga. Acho que a realidade pode ser amiga, mesmo que seja num campo de refugiados ou mesmo que o marido esteja seis meses no Dubai. Nós não brigamos com a realidade”, acrescentou.

Madalena Fontoura, que também é psicóloga, embora sem exercer, lamentou que os seus colegas tenham metido na cabeça das pessoas “um monte de estupidezes” ao defenderem que cada um precisa de se sentir bem consigo próprio e que deve mudar de vida se não se sente feliz. “Não é nada disto. Quando não nos sentimos bem connosco próprios, em geral, estamos na posição humana justa porque nós não nos bastamos a nós próprios. Portanto, não se sentir bem consigo próprio é uma coisa normal. Em geral, é a coisa mais justa sobre a vida. E por isso, em geral, sentir-se bem consigo próprio é já uma grande ilusão. É mesmo mentira que a felicidade esteja em que a convivência é uma coisa feliz, porque não é. É mesmo muito exigente”, afirmou.
A palestrante desaconselhou mesmo a tentação de tentar resolver as dificuldades do mundo com o voluntarismo. “O que é que acontece com o voluntarismo? Torna-nos insuportáveis uns aos outros. Quando a nossa maneira de estar juntos está baseada em resolver problemas, o que acontece é que a gente olha à nossa volta e a coisa mais certa é uma grande deceção. Em geral a gente quer outra pessoa daquela que a gente tem. A gente quer outro padre, outro bispo, outro colega, outro empregado, outro patrão porque aquele que está próximo há uma «lupa» da proximidade que nos faz ver os seus defeitos. Se temos a tentação de resolver as dificuldades com as nossas forças, isso põe-nos em quezília com os outros porque os outros nos parecem bastante incompetentes e são, aliás como nós, e ficamos num beco sem saída”, concretizou.

Madalena Fontoura concluiu, por isso, que “o homem não tem na sua mão o remédio que cura a ferida que ele traz consigo”. “Nós somos aqueles que sabem que a solução está de fora de nós. É ótimo, mas também um bocadinho assustador porque a gente não a controla. O que é que é esta solução que vem de fora? Os que estamos aqui, acreditamos que é Jesus Cristo”, afirmou, explicando que “a vertigem de um Deus que é concreto” “dá forças para resolver problemas concretos”. “A gente só descobre isso quando o chama pelo nome. Portanto, tem que haver uma relação pessoal”, advertiu, sugerindo aos presentes “uma relação com Cristo concreta, pessoal e intransmissível”, lembrando que “o encontro com Jesus provoca um olhar mais humano sobre si próprio e sobre os outros” e que “o mundo foi mudado, não com pessoas competentes, mas com pessoas convertidas, pessoas a quem o encontro com Jesus fez acontecer uma coisa”.
A oradora advertiu ainda que “nenhuma família se pode entender sem pôr os olhos nos consagrados” porque “o amor deles é sempre modelo de todo o amor”. “Fomos feitos para uma convivência muito íntima que só é possível olhando para os consagrados, porque nos consagrados a gente percebe uma possibilidade de amor que consiste em não estar a pedir ao outro que me satisfaça”, concretizou.

“Parece-me que se trata de viver a dedicação aos outros como se eles fossem meus. Amar os meus como se fossem meus filhos, considerar que eles me pertencem, não como posse mas no sentido em que eu lhes pertenço. Precisamos de entender a família assim”, completou, acrescentando que “a maneira de viver bem casado” consiste em entender o outro como um dom em toda a circunstância. “És um dom mesmo quando és um estafermo”, afirmou para elucidar, considerando tratar-se de um “vínculo objetivo” que une as pessoas. “É feito para sairmos de nos próprios sem pedir retorno. E, espantosamente, é assim que nos sentimos felizes”, justificou, acrescentando que “o homem não foi feito para estar só porque ele veio de uma semelhança com Deus que é três pessoas”. “Parece-me que a família é pensada para ser, talvez, a coisa mais parecida que existe na terra com a Santíssima Trindade”, acrescentou no encontro da ACEGE que teve início com a celebração da eucaristia seguida de jantar.