Parte das peças pertencentes à antiga decoração da igreja de São Francisco em Loulé, descobertas em abril de 2019 num anexo em obras da igreja, já regressou ao seu local de origem, depois de um trabalho de limpeza, conservação e consolidação.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O altar do Santíssimo Sacramento em talha dourada com tons de azul foi reconstituído e devolvido ao seu espaço original no lado direito da igreja, assim como os dez nichos de madeira entalhada, dourada e policromada, que acolhiam as imagens que saíam na Procissão das Cinzas, intercaladas com as oito telas pintadas, também já foram repostos de ambos os lados da nave central.

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Essas imagens estão neste momento estão a ser restauradas. “Algumas delas, até pela importância do autor, da época e até do significado e pela beleza também das próprias imagens – sobretudo uma de Nossa Senhora da Conceição e outra de São Salvador, Cristo Ressuscitado -, virão para a igreja”, assegurou o pároco ao Folha do Domingo acerca das imagens de roca ou de vestir, da procissão que se realizava anualmente na quarta-feira que inicia a Quaresma.

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Segundo o cónego Carlos de Aquino, o restauro e restituição das peças só foi possível graças à comparticipação da Câmara de Loulé que “desde logo se prontificou” a assumir a sua recuperação como “contributo à cultura e ao património da igreja”. O trabalho de restauro começou cerca de um ano e meio depois das peças terem sido descobertas. “Primeiro houve um trabalho de limpeza de todas as peças, de catalogação e inventariação. Só depois foi conversado com a Câmara a possibilidade e a ajuda na comparticipação para este restauro”, conta o sacerdote.

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O cónego Carlos de Aquino adianta que o valor dos trabalhos, realizado na talha e nas telas por uma empresa de Braga e comparticipado pela autarquia, ascende a mais de 80 mil euros e realça que toda a intervenção feita na igreja de São Francisco, custeada pela paróquia, que inclui as salas, as sacristias e a casa para o pároco, é de mais de 300 mil euros.

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“Ainda nos faltam três altares que futuramente serão também restaurados e depois verificar-se-á a sua colocação, atendendo a que se forem colocados no sítio onde estavam na igreja, isso empobrece um pouco a participação da comunidade devido ao espaço que é pequeno”, explicou o sacerdote, acrescentando que, ainda assim, o seu restauro deverá ser feito “nem que seja para ficar num espaço de museu” porque se trata de “um património que importa recuperar”.

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A igreja de São Francisco é a igreja paroquial de São Sebastião, uma das duas paróquias da cidade, e acolhe a participação de muitos paroquianos nas eucaristias, entre muitas outras celebrações da vida paroquial. Se o seu recheio decorativo fosse todo devolvido aos espaços de origem, a igreja veria a sua capacidade de acolhimento ser substancialmente reduzida.

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O pároco de Loulé refere que as peças que não puderem ser ali colocadas ficarão num museu no espaço que será criado nas salas laterais da igreja de São Francisco e na igreja matriz. “Quando reabrir a igreja matriz [em obras] vamos criar um circuito aqui da cidade de visita às igrejas que são várias e estão todas restauradas”, anunciou, explicando que as entradas serão feitas com um ingresso único. “Em princípio as pessoas darão algo simbólico porque precisamos, não só de fazer a manutenção dos espaços e do património, mas também garantir a empregabilidade de alguém que possa estar nas igrejas com elas abertas e também fazer a explicação cultural a quem visita”, sustentou, acrescentando que do percurso poderão fazer parte as igrejas matriz, das Portas do Céu, de Santa Luzia, de São Francisco, da Senhora da Conceição e o santuário da Mãe Soberana.

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O sacerdote lamenta que muita coisa tenha desaparecido. “Temos algumas indicações de documentos que foram deixadas pelos anteriores párocos, mas não temos esses objetos nem sabemos qual foi o seu destino”, observa.

A igreja de São Francisco foi apenas encerrada uma semana para os trabalhos finais com a recolocação dos nichos e do altar . O prior conta que os paroquianos “tem elogiado imenso a recuperação da igreja e do espaço”. “As pessoas mais idosas dizem que se lembram agora de verem aqui na igreja estes altares”, acrescenta.

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Um estudo do especialista em talha Francisco Lameira, que deverá ser futuramente publicado, descreve que “cada nicho, de formato retangular, inscreve-se entre duas pilastras integralmente revestidas com flores e rematadas por fénix, sobressaindo, em cada uma, um menino em alto-relevo e no remate uma cabecinha de serafim”. “Nas ilhargas há cortinas repuxadas lateralmente por putti. Sobre a cornija evidenciam-se expressivos enrolamentos acânticos ladeando uma concha central”, acrescenta sobre a obra encomendada pela Confraria de São Sebastião, fazendo também referência às imagens da procissão das Cinzas.

“Entre os nichos há oito telas pintadas, quatro de cada lado, inscritas num emolduramento retangular interrompido nos vértices por sucessivos ressaltos, representando santos e beatos da devoção dos terceiros franciscanos. Excetuando São Roque, os restantes foram virtuosos seguidores da doutrina de São Francisco, na qual predominam a disciplina e os cilícios”, prossegue o historiador, enumerando os retratados: “anónimo cónego cardeal, bem-aventurado Bartolo, bem-aventurado Jacob, são Conrado, São Roque, Santa Catarina de Bolonha, Santa Isabel, rainha da Hungria e Santa Margarida de Cortona”.

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Francisco Lameira refere ainda que “o principal interveniente na obra de entalhe dos nichos dos santos da Ordem Terceira de São Francisco, em Loulé”, que ficou pronta em 1745, foi João Amado, responsável por uma das mais reputadas oficinas algarvias na primeira metade do século XVIII”, autor entre outras obras da feitura do retábulo-mor da mesma igreja, do retábulo da capela das almas e do retábulo-mor com sua tribuna e trono para a igreja matriz de São Clemente de Loulé.

Na década de 1960, eventualmente, por apresentarem alguma degradação, os nichos e as imagens que acolhiam, assim como as telas pintadas e os retábulos dos altares em falta foram arrecadados num compartimento anexo à igreja. Mantiveram-se secretamente nesse local até à data da sua descoberta, quando o atual pároco promoveu obras com o objetivo de adaptar essa e outra sala a capelas mortuárias. Depois de arranjadas, ainda antes da pandemia, chegaram a servir para esse fim, mas por serem espaços exíguos, agora têm outra função.

«Tesouro» patrimonial do século XVIII descoberto em obras na igreja de S. Francisco de Loulé