Foto © Samuel Mendonça
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No VI Encontro dos Centros Sociais Paroquiais e outras instituições sociais da Diocese do Algarve, o padre Domingos da Costa considerou que o principal problema da Igreja e das suas organizações é a separação entre dois cultos – o do “amor de Deus” e o do “amor dos irmãos” –, “tendo os dois entrado em crise, como sempre acontece”.

O sacerdote, que apresentou uma conferência sobre as obras de misericórdia e a ação social da Igreja, intitulada “Da humanização da Misericórdia Divina à divinização da misericórdia humana”, defendeu que isso aconteceu porque a Igreja se foi “desviando do evangelho”, ou seja, de Jesus Cristo. “A Igreja, ao afastar-se da Bíblia, afastou-se de Jesus Cristo, e, por isso, da misericórdia”, afirmou, sublinhando que “a ignorância dos irmãos leva à ignorância de Deus e não ao contrário”. “Ninguém se iluda, imaginando que pode amar a Deus, ficando-se pela prática de deveres religiosos. Se celebrássemos verdadeiramente a liturgia como festa de família, onde tivessem lugar os que, habitualmente, não encontram lugar noutras associações, ela nos levaria não só a amar a Deus, mas, sobretudo, a amar o próximo”, sustentou, lembrando, como disse São João Paulo II, que são os pobres “o verdadeiro lugar teológico: o caminho para Deus e para a Igreja”.

No encontro, que teve lugar na terça-feira no Centro de Bem-Estar Social de Nossa Senhora de Fátima, em Olhão, o sacerdote deixou claro que “ninguém está isento da prática do amor a Deus (celebrado na liturgia) e do amor ao próximo (celebrado na prática da caridade)”. “Jesus nunca desligou os dois cultos. Fica claro que não podemos separar o que Jesus uniu; por outras palavras: que o amor a Deus inclui e supõe o amor ao próximo e que o amor ao próximo inclui e supõe o amor a Deus”, afirmou, considerando que “a eucaristia é, assim, o lugar teológico dos dois amores”. “Se o divórcio entre marido e esposa destrói a família, não nos devemos admirar de que o divórcio entre a liturgia do culto a Deus e a liturgia do culto dos irmãos, esteja na origem da crise e do divórcio que existe entre a Igreja e o mundo”, complementou, salientando, no entanto, que “Jesus prefere a misericórdia à liturgia”. “Se houvesse mais amor ao próximo, o domingo seria mesmo dia do Senhor e as nossas igrejas não estariam tão vazias. As pessoas deixaram de praticar a religião, desde que deixaram de praticar a misericórdia e vice-versa. Ambas se pressupõem mutuamente”, afirmou, interrogando: “de que nos serve saber que há Deus, se não queremos saber dos irmãos?”.

Foto © Samuel Mendonça
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Neste sentido, o orador considerou que a fundação das Misericórdias “provam bem a união dos dois cultos” e que o modelo por que devem reger-se as IPSS católicas é o do “Samaritano, que estava – ou ficou – mais próximo de Deus do que o sacerdote e o levita, mais preocupados com o culto religioso” e “viciados pela religião”. “O que fez a diferença, não foi o ver (porque todos viram o homem meio-morto). A diferença esteve no «encher-se de piedade», no condoer-se, no usar de misericórdia”, considerou, advertindo que “apresentar um Cristianismo sem chagas é o contrário do Cristianismo”. Nesse sentido, apelou à recuperação da “credibilidade do Cristianismo e do evangelho”, lamentando que os cristãos tenham transformado o Cristianismo em “cristandade”. “Precisamos de falar mais de Jesus Cristo e, se calhar, menos da Igreja; é preciso que nos convertamos a Jesus Cristo, que nos levará automaticamente à conversão à Igreja”, defendeu.

O sacerdote disse ainda que a missão de quem trabalha numa Misericórdia ou num Centro Paroquial é precisamente “cuidar de quem sofre” e que esse ato “é o modo mais profundo de amar o próximo”. “Trata-se de um amor que «salva» quem sofre e quem cuida de quem sofre; um amor que «faz bem», não só a quem padece, como a quem se compadece de quem padece”, sustentou, acrescentando que aquelas instituições devem ser “um «lugar teológico», não só do amor aos outros, como também do amor a Deus; um lugar, onde as pessoas – as de dentro e as de fora – possam ver e experimentar a humanidade e a misericórdia de Deus, que deviam ser mais visíveis aí do que, se calhar, até na liturgia do templo”. “Num mundo, em que se estão a perder as referências cristãs, as nossas instituições devem ser «luzes» a brilhar nas trevas, que se vão adensando, numa Europa e num país cada vez mais descristianizados”, completou.

Lembrando assim que o dia-a-dia das IPSS da Igreja passa pelo exercício das obras de misericórdia, o padre Domingos da Costa considerou que “enquanto, para a prática das corporais pode bastar a filantropia de uma ONG,  a prática das espirituais exige «médicos da alma», que sejam capazes não só de as lerem, como de as curarem”. “Os doentes da alma são hoje multidões, como já o eram no tempo de Cristo. Os abatidos e cansados da vida só podem ser curados espiritualmente e não com fármacos. Estes podem curar as feridas do corpo, mas não as da alma. As feridas da alma só podem ser curadas com os dons do Espírito Santo, o principal dos quais é a fé”, afirmou.

Recordando o discurso de Bento XVI no encontro com as organizações da pastoral social da Igreja, em Fátima, em maio de 2010, exortou à “autonomia e independência da política e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns”. “Não podemos abdicar da nossa identidade; não nos podemos vender, a troco dos acordos de cooperação; não podemos admitir que, sob a capa de multas injustas, nos roubem com uma mão a «esmolinha» que nos dão com a outra, eles que tanto criticam a caridade e a «esmolinha» da Igreja. A tentativa é marginalizar-nos, exigindo-nos o que não se exige às instituições do próprio Estado”, afirmou o padre Domingos da Costa, apelando à união das instituições.

A terminar propôs que as instituições realizem um dia de «portas abertas» que promova o contacto com a comunidade.