
O padre José da Cunha Duarte explicou no passado sábado em Tavira que o presépio só nasceu depois de a devoção ao Menino Jesus chegar ao povo, o que veio apenas a acontecer no século XVIII. Até aí, e desde que fora difundida no século XIII, a devoção estava apenas confinada às igrejas, conventos e mosteiros, explicou o sacerdote que, para além de pároco das paróquias de São Brás de Alportel e de Santa Catarina da Fonte do Bispo, é também investigador.
Na sua palestra no Museu Municipal de Tavira – Palácio da Galeria, sob o tema “Presépio algarvio: raízes medievais”, o sacerdote começou por lembrar que a primeira imagem do presépio até hoje conhecida data do século II e foi encontrada nas catacumbas de Santa Priscila, em Roma. Na pintura, a Virgem Maria é representada com Jesus ao colo.
O padre Cunha Duarte lembrou que do século IV ao VII, o presépio é armado em altar e que até ao século XII a festa do nascimento de Jesus é apenas litúrgica, tendo sido São Bernardo (1090-1153), o precursor da festa popular do Natal ao iniciar a pregação de que Jesus é o filho de Deus. “Foi o primeiro a falar da humanidade de Cristo”, destacou o orador, lembrando os cerca de 500 sermões deixados por aquele “dinamizador da escola da humanidade de Cristo”. “Nossa Senhora começa a ter muitos títulos devido à pregação de São Bernardo sobre a parte humana de Jesus”, afirmou, lembrando também o aparecimento das festas de Nosso Senhor dos Passos, das Chagas ou da Santa Cruz.
O sacerdote explicou que São Francisco de Assis (1182-1226) ficou de tal modo marcado pela “catequese de São Bernardo” que pediu licença ao papa para representar a cena do Natal, uma vez que a representação popular era proibida e requeria autorização da Igreja. “Houve um pequeno teatro sobre a cena do Natal”, contou, advertindo que Francisco “nunca fez presépio nenhum”.
Segundo o investigador, outro que se impressionou com São Bernardo foi São Domingos (1170-1221), tendo criado a ordem religiosa dos Dominicanos que “teve por fundamento pregar a devoção ao Menino Jesus”.

O padre José Cunha Duarte disse ainda que um papel igualmente relevante na devoção do presépio foi o de Santa Brígida (1302-1362). “Vai descrever, no século XIV, o nascimento de Jesus à maneira popular. Imagina como seria a pobreza daquela época e isso encantou as pessoas porque o povo tinha fome de saber novidades acerca do nascimento”, explicou.
Segundo o sacerdote, o seu continuador vai ser São Bernardino de Sena (1380-1444) que divulga, de terra em terra, a devoção ao Menino Jesus.
O padre Cunha Duarte explicou que nos séculos XV e XVI surge a devoção ao Menino da capela Ara Coeli (altar do céu), em Roma, em que Jesus é representado pela primeira vez como rei. “O Menino Jesus, à moda oriental, tem uma estrela no peito, coroa real, vai de coche”, relatou, explicando que nessa altura os conventos acolhem a devoção ao Menino Jesus e a Ordem de Santiago, nas visitações às paróquias, solicita o mesmo culto.
O sacerdote explicou que o cardeal Bérulle (1575-1629), em Avignon (França) continua essa devoção, introduzindo a tradição de colocar, junto à imagem de Jesus, pequenos pratos com cereais germinados e frutas para que o Salvador faça com que haja “boas sementeiras para não haver fome” e “abençoe as árvores de fruto”. O orador sublinhou que em 1643, o Convento de Beaune (França) confeciona imagens em cera de “Cristo, Senhor e Rei do Universo” vestido à maneira real, e que a partir daí os conventos começam a reproduzir essas imagens com papel machê, madeira, terracota, gesso, vidro, entre outros materiais.
O padre Cunha Duarte destacou posteriormente o surgimento do presépio napolitano feito por escultores e pintores para as pessoas da aristocracia. “Este presépio não chegou às igrejas nem ao povo, era só para as pessoas ricas”, constatou, lembrando que o novo estilo abandonou o simbolismo medieval, nascendo o presépio moderno. O investigador, que lembrou existir no Algarve um presépio napolitano no Museu Paroquial de Moncarapacho, explicou que em 1554 o oratório de Santa Maria della Staletta (Itália), com figuras em madeira, vestidas segundo o costume da época, difundiu-se pelas igrejas e mosteiros de Nápoles.
O sacerdote acrescentou que outro grande contributo para a devoção ao Menino Jesus entre o povo foi do papa Inocêncio XIII (1721) ao instituir a festa do Santo Nome de Jesus. “Toda a gente passa a fazer presépios porque já está a devoção no coração”, afirmou o padre Cunha Duarte, lembrando que no século XVII apenas alguns artesãos (imaginários) têm licença do bispo para fazerem as imagens religiosas para as catedrais e igrejas. “Os imaginários alimentam e desenvolvem a devoção ao Menino Jesus e ao presépio”, afirmou, sustentando que “o povo dá azo à criatividade”.
O sacerdote explicou que a Revolução Francesa (1789), com a consequente proibição da festa do Natal e recolha das tradições religiosas, rejeita o Cristo Rei do presépio medieval. “É impensável os republicanos admitirem o presépio real. O trono desaparece e surge o presépio republicano”, afirmou, lembrando que o presépio tradicional é ridicularizado, sendo nele acrescentadas “figuras provocatórias”, ideia que acabou por ser aproveitada, acrescentando-se imagens das diferentes profissões e condições sociais.
A terminar, o orador explicou que no século XIX, no Algarve, proliferam os “pinta santos”, abegões que durante o inverno esculpem e pintam as imagens do Menino Jesus. Segundo o padre José Cunha Duarte, José da Murteira é o “mais importante” desses artesãos.
O sacerdote destacou que o presépio tradicional algarvio conserva as raízes medievais: um trono ou altar armado em escadaria com laranjas e searinhas germinadas e o Menino Jesus no seu cimo e verdura e ramos de laranjeira à volta.