
“É possível viver a empresa como lugar de misericórdia? Existe espaço de compatibilidade entre as obras de misericórdia e a realidade empresarial?”. Foi com esta interpelação que o presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores iniciou a sua reflexão sobre o tema “Empresa como lugar de misericórdia” que teve lugar na passada quarta-feira no Colégio de Nossa Senhora do Alto, em Faro.
A iniciativa foi promovida pelo núcleo algarvio da ACEGE no âmbito do Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo papa Francisco (dezembro de 2015 a novembro de 2016), tendo início com a celebração da eucaristia na igreja de São Pedro de Faro, seguindo-se o jantar naquele estabelecimento educativo da Diocese do Algarve com a participação de cerca de 30 empresários e gestores.

João Pedro Tavares lamentou que a misericórdia não faça parte dos manuais de economia. “A misericórdia exige gratuidade e a gratuidade não faz parte de nenhum manual de economia. Temos uma cultura utilitarista e temos muita dificuldade em ser gratuitos e, por isso, muita dificuldade em ser misericordiosos”, constatou.
A este problema, aquele responsável acrescentou um outro. “Vivemos em desequilíbrio, em tensão com o outro. E quando vivemos em tensão com o outro não há espaço para a misericórdia”, lamentou, considerando que se trata de um “problema de ambição”. “O que é que mais me alegra, o meu sucesso ou o dos outros? Onde é que estou centrado, nos meus bens ou no bem do outro? Não há misericórdia quando pensamos em nós. Só há misericórdia quando nos esquecemos de nós”, sustentou.

Neste sentido, e considerando que “a misericórdia é um complemento do carácter”, lamentou outro mal. “Estamos disponíveis para amar a Deus, mas não estamos para arriscar amar o próximo”, criticou, lembrando que “a misericórdia não está nas empresas, mas está nas pessoas que estão nas empresas e é vivida através das pessoas”.
João Pedro Tavares indicou assim o modo de se viver a misericórdia na empresa. Estar atento ao próximo, cuidar das suas «feridas», perder tempo com ele, tratá-lo nas suas necessidades, ouvir o que tem para dizer, promover a “cultura do encontro”, a verdade e a humildade foram alguns dos concelhos que deixou.
Aos presentes disse que só é possível viverem a misericórdia se fizerem um “propósito”. “Para vos ajudar, partilhem-no com alguém. Façam o exercício de humildade para perceber se conseguiram atingir ou não o vosso propósito, vivam com humildade e esvaziem-se de vocês mesmos para sustentar os outros. Só assim é que poderemos viver a misericórdia na empresa”, advertiu.

O presidente da ACEGE, que é também vice-presidente de uma empresa multinacional na área da consultoria de gestão, disse querer tratar com os colegas “enquanto pessoas e não enquanto recursos humanos ou profissionais ou ativo empresarial”. “Quero ser livre e quero apresentar-me como pessoa diante dos outros”, acrescentou, evidenciando a importância da “integralidade da pessoa”. “Não posso ser um pai carinhoso e um líder tirano”, concretizou, lembrando que “aos olhos de Deus, os homens nunca fracassam”. “Como é que vou transmitir isso aos outros numa cultura de meritocracia? As pessoas são diferentes umas das outras, mas não significa que haja uns mais dignos e outros menos dignos”, acrescentou, interrogando: “como é que instituo uma cultura de automotivação?”.
Neste sentido, identificou um outro problema. “Temos um pecado mortífero na nossa sociedade que nos impede de ser líderes que é o pecado da vitimização”, lamentou, apontando a importância da confiança. “Temos de viver relações de confiança com os outros à imagem d’Aquele que nos dá a confiança”, defendeu, desafiando os empresários e gestores cristãos a serem “sinal de esperança no mundo”. “Deus espera isso de nós”, concluiu.