A conferência, promovida no último sábado pela Cáritas Diocesana do Algarve e pela paróquia de Vila Real de Santo António no âmbito do VIII Dia Mundial dos Pobres que se assinalou no dia seguinte, indicou que 10% das pessoas que trabalham em Portugal estão numa situação de pobreza e que no Algarve a situação é ainda pior.

A presidente do CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social, a quem coube a intervenção que teve lugar na Biblioteca Municipal de Vila Real de Santo António, explicou que os indicadores consideram pobre uma pessoa que aufere menos de 591 euros por mês e acrescentou que no Algarve o salário médio é mais baixo do que do resto do continente em mais de 180 euros mensais.

Ana Maria Cardoso lembrou que a região tem ainda a particularidade do trabalho sazonal com “muita gente que não trabalha o ano inteiro” e conta com “mais trabalho a tempo parcial do que no resto do país”, com “emprego pouco qualificado” e com “uma taxa de abandono precoce do sistema de ensino mais elevada” do que a média nacional.

“Temos uma elevada taxa de pobreza entre a população trabalhadora porque os nossos próprios salários são baixos”, considerou aquela investigadora especializada na problemática da pobreza, anunciando que, segundo dados de 2022, 17% da população portuguesa está numa “situação de pobreza económica com um rendimento abaixo da linha de pobreza”, medida em função do valor salarial acima indicado.

A socióloga acrescentou que entre licenciados a “probabilidade de ser pobre desce para 5%”. “Isto significa que a educação é uma alavancagem e um fator de proteção à pobreza”, constatou, lembrando que “o insucesso escolar é socialmente seletivo”. “As pessoas que conhecem o insucesso escolar são tendencialmente aquelas que se enquadram em famílias com rendimentos mais baixos e também com níveis de instrução mais baixos. Portanto, há aqui um fator quase reprodutor. Se queremos trabalhar no sentido de combater a pobreza, um dos caminhos mais importantes e essenciais é promover um maior nível de instrução das gerações mais jovens”, alertou.

Aquela especialista acrescentou ainda que “Portugal é dos países da Europa onde a intensidade da pobreza é maior”, o que disse significar que “Portugal é um país muito desigual”. “Mesmo dentro da pobreza há desigualdade. Somos o quarto país da Europa com os índices estatísticos que dão conta da desigualdade mais elevados. Há muito menos gente com rendimentos mais elevados e muito mais gente com rendimentos menos elevados. Esta diferença faz com que haja uma situação de grande desigualdade ao nível da distribuição dos rendimentos”, lamentou, considerando que “não é só por isso que existe pobreza”. “Há países que são desiguais onde a pobreza é menor do que a nossa”, constatou.

No entanto, a oradora frisou que “a desigualdade é um dos principais fatores para haver pobreza, um dos principais fatores para que haja pobres numa situação muito pobre e um dos fatores que fazem com que a intensidade da pobreza seja maior”.

Na conferência que teve como tema “Pobres, rostos e histórias”, Ana Maria Cardoso garantiu que “os rostos da pobreza são múltiplos e bastante variados”. “Mas há um conjunto de situações que nos fazem pensar que há pessoas que são mais vulneráveis à pobreza do que outras”, referiu, acrescentando que “as mulheres são mais vulneráveis do que os homens” porque “ganham menos”. “Não é porque haja leis que discriminem homens de mulheres, é porque as mulheres tendem a desempenhar funções e enquadrarem-se em profissões que são menos valorizadas”, disse.

Por outro lado, explicou que “as crianças são um fator de vulnerabilidade acrescida”, acrescentando ser nos menores de 24 anos que se encontra uma “percentagem de pobreza mais elevada”. “Quando olhamos para a composição das famílias são precisamente as famílias com crianças aquelas onde há também uma maior vulnerabilidade. Isto significa que as crianças são um encargo. Isto é horrível de dizer”, desenvolveu, considerando que esta realidade concorre para haver “uma taxa de natalidade a descer e um desequilíbrio brutal do ponto de vista demográfico” em Portugal.

A investigadora disse ainda que “a pobreza é multidimensional” porque “não significa apenas ter menos dinheiro, mas significa muitas vezes viver em condições das quais as pessoas se envergonham”. Como exemplo deu o caso de uma criança que se envergonha por não poder levar amigos a casa porque a sua habitação não tem condições. “A vergonha que esta criança sente vai com ela durante toda a vida. Nós podemos sair da pobreza, mas depois a pobreza não sai de nós porque estas memórias, absolutamente marcantes e inibidoras de um desenvolvimento harmonioso, ficam e marcam. E isto é um rosto da pobreza. O rosto da pobreza é um rosto marcado pelas dificuldades”, lamentou, garantindo que “a pobreza multidimensional tem esta componente de âmbito psicológico”. “Não é só uma questão social, nem económica. E dentro das condições sociais não é só algo que tem que ver com a educação. Tem que ver com a habitação, com o emprego, muitas vezes com a saúde”, elucidou.

Aquela especialista explicou assim que “a pobreza é sempre uma situação de privação” de recursos económicos, mas também de outra ordem como os de informação, de contactos sociais, entre outros. “Afinal, a pobreza e a exclusão andam de mãos dadas”, evidenciou, garantindo que “estas pessoas que estão numa condição de viverem com muito parcos recursos” são confrontadas também com a “ausência de autonomia”. “Quem está numa situação de grande privação não tem autonomia para, por si próprio, satisfazer as suas necessidades básicas e, neste sentido, a pobreza é um obstáculo à verificação dos direitos humanos”, lamentou.

Referindo-se à “pobreza criada por um conjunto de fenómenos, vários, múltiplos e que se cruzam”, rejeitou que seja opcional e garantiu que “as pessoas pobres não querem viver um estilo determinado de vida”, mas “ser como as outras pessoas”.

Lamentando serem “muitos os preconceitos em relação aos pobres e à própria pobreza”, “que nem sempre facilita o trabalho de quem está no governo para implementar um conjunto de medidas” que a combata, a presidente do CESIS defendeu que “a medida do Complemento Solidário para Idosos e o aumento das pensões têm feito com que os pensionistas sejam hoje menos vulneráveis à pobreza do que há uns anos”.

Por outro lado, Ana Maria Cardoso lembrou que “as pessoas beneficiárias do Rendimento Social de Inserção não chegam a 3% da população nacional” e que o valor médio daquele apoio atribuído a uma família são 200 euros. A oradora disse ainda que “as pessoas imigrantes não vêm roubar postos de trabalho”, mas “ocupar postos de trabalho que as pessoas portuguesas já não querem desempenhar”. “Nós precisamos da população imigrante. Há um balanço positivo entre aquilo que a Segurança Social gasta com a população imigrante e o dinheiro que entra dos impostos e contribuições. Esta imigração mais jovem em idade ativa têm uma outra função que é proporcionar um maior equilíbrio da balança demográfica que está altamente a nosso desfavor”, complementou.

Por fim, a socióloga lamentou que haja “nojo da pobreza”. “Não devíamos ter porque a pobreza pode tocar a todos. Aliás, a crise pandémica e, anteriormente, a crise financeira que se transformou em crise económica e depois em crise social, mostrou bem que a pobreza pode tocar a pessoas que não tinham passado pela pobreza”, alertou, advertindo que “a crise da habitação pode dar origem a uma nova pobreza”.