O primeiro trabalho do arquiteto Álvaro Siza Vieira no Algarve é uma capela e foi inaugurada há poucos dias.

A obra é propriedade de particulares e situa-se no interior do concelho de Lagos, no Monte da Charneca, a um quilómetro e meio do Barão de São João, com acesso pela estrada que liga aquela localidade a Espiche.

Estrangeiros e residentes na Suíça, os proprietários da ‘Capela do Monte’ chegaram ao Algarve nos anos 80 do século passado e começaram a sonhar com um projeto de turismo rural com responsabilidade ecológica que implicaria o restauro das várias casas existentes na quinta do Monte da Charneca.

O casal cristão Matthias e Rebecca Stiefel Irvin, respetivamente de origem suíça e americana, quiseram que o templo agora inaugurado fosse um espaço de “encontro com Deus”, a partir do qual tudo o resto será projetado. Além disso, é sua intensão colocar a nova capela ao serviço da comunidade “para ser utilizada por cristãos, clérigos e leigos”, como um lugar “para contemplação silenciosa, para pequenos cultos, para oração e adoração”.

Rebecca Irvin trabalhou de 1982 a 1991 como jornalista em Genebra, Londres e Lisboa para agências de notícias e órgãos de comunicação social como a United Press International, a Reuters, a NBC News ou a Swiss Radio International. Atualmente é diretora-adjunta de uma empresa suíça de relógios e presidente de A Rocha Internacional, organismo que resultou da internacionalização da organização ambientalista cristã criada em 1983 no Algarve por um pastor anglicano e ornitólogo, mas já presente nos cinco continentes do mundo em cerca de 20 países. Mathias Stiefel foi fundador e presidente da Interpeace, uma organização internacional empenhada na construção da paz reconhecida pela ONU, e também presidente de A Rocha Internacional.

A escolha do autor do projeto da ‘Capela do Monte’ recaiu no vencedor do prémio Pritzker por ser um antigo conhecido dos proprietários e pelo facto de o arquiteto nunca ter projetado qualquer obra no Algarve. Silêncio, austeridade, simplicidade, essencial, tranquilidade são expressões que descrevem bem o primeiro trabalho de Siza Vieira no Algarve naquele lugar projetado para servir de acolhimento ao despojamento espiritual. As linhas retas da pequena ‘Capela do Monte’ que não tem eletricidade nem água canalizada, de 65 metros quadrados e 6,7 metros de altura, implantam-se na paisagem exterior, marcando-a, sem a ferir. Da cor do barro, as paredes exteriores são interrompidas apenas por uma porta lateral de acesso ao interior e por uma janela que, vista do interior, fica por trás do altar.

Passando a porta, entra-se num primeiro espaço com painéis de azulejo onde a singeleza do traço do arquiteto desenhou a Sagrada Família, o batismo de Jesus e a pietà. No interior repleto de luz, o desenho de Siza Vieira materializa-se nos elementos litúrgicos presentes na capela: o altar, a cruz, um banco corrido e seis cadeiras.

Após um primeiro momento inaugural no passado dia 29 de março – no qual, para além dos proprietários, esteve presente o próprio Siza Vieira e diversas outras entidades como a diretora regional de Cultura do Algarve, Alexandra Gonçalves, ou a presidente da Câmara de Lagos, Joaquina Matos – realizou-se no passado dia 2 deste mês uma celebração ecuménica de bênção da capela, presidida pelo pastor Maurice Irvin, da Assembleia de Deus, nos Estados Unidos da América, pai de Rebecca.

A celebração contou ainda com a presença, pela Igreja Católica, do padre António de Freitas, vigário episcopal para a Pastoral da Diocese do Algarve, em representação do bispo do Algarve, e dos padres redentoristas Abílio Almeida, António Ferreira e Silvério Rato, párocos católicos do concelho de Lagos, e, pela Igreja Anglicana, do pastor Rob Kean. Presente esteve ainda uma representação do Agrupamento 173 de Lagos do Corpo Nacional de Escutas e um grupo de pessoas da zona.

Antes da bênção, os proprietários introduziram a história do projeto do Monte da Charneca que pretendem assumir a tempo inteiro quando estiverem ambos reformados. Na celebração, o pastor Maurice Irvin apoiou-se nas narrações da construção e inauguração do templo de Jerusalém. “Existem três objetivos que devem sempre ser a razão de ser da construção deste templo: sinal da presença de Deus junto das pessoas desta zona, sinal da dimensão cultual do homem que busca e se volta para Deus e lugar de adoração e oração”, enumerou, acrescentando que aquele lugar deverá “ser aberto a todos para que Deus possa falar ao coração de todos, sem distinção”.

O padre António de Freitas referiu que a Igreja Católica algarvia “alegra-se com a iniciativa desta família cristã de fazer surgir um lugar aberto ao encontro com Deus, ao silêncio e à espiritualidade, no contexto epocal em que tudo isto parece estar mais distante do horizonte humano”. “Ficamos gratos ao abrirem-nos as portas, a todos nós cristãos, para neste espaço podermos rezar, celebrar e contemplar o mistério da presença de Deus no meio da vida dos homens”, acrescentou.

O pastor Maurice Irvin (à esquerda) e o casal Matthias e Rebecca Stiefel Irvin (à direita)

Antes da bênção que foi convidado a realizar, o sacerdote destacou ainda “a felicidade do projeto arquitetónico que respeita a envolvência natural no exterior e as várias sensibilidades cristãs no seu interior”. “O caminho que se faz até entrar no templo assemelha-se ao da manhã da ressurreição, que nos faz entrar no sepulcro vazio, sinal da ressurreição, pleno da luminosidade do ressuscitado”, acrescentou, considerando, por isso, que “não se deve encontrar na nudez, simplicidade e luminosidade do templo um problema, mas um caminho de diálogo com Deus que só nesses contextos pode ser sincero”.

O padre António de Freitas observou ainda que “na grande janela que está no interior da capela se deve perceber que a fé é diálogo de Deus com o coração humano sem excluir o diálogo da fé com o mundo, devendo evitar-se a separação entre interioridade e exterioridade da vida humana”, porque “elas andam a par e passo”.

Por fim, o pastor da Igreja Anglicana foi também convidado a proferir uma oração de bênção e a tarde de inauguração terminou com uma visita guiada pelos proprietários e um momento de convívio.

Foto do Facebook da diretora regional de Cultura do Algarve, Alexandra Gonçalves – https://www.facebook.com/alexandra.rodriguesgoncalves.5