Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A Diocese do Algarve promoveu no passado dia 15 deste mês o IX Encontro dos Centros Sociais Paroquiais e das Santas Casas da Misericórdia que refletiu sobre o tema do empreendedorismo naquela área.

Realizada através do Departamento Diocesano da Pastoral Social, a iniciativa que teve lugar no Centro Pastoral e Social de Ferragudo e cerca de meia centena de participantes, contou com o testemunho do padre Joaquim Samuel Guedes, atual ecónomo da Diocese do Porto, que veio apresentar um projeto criado em contraciclo em plena crise económica no decurso do ano 2011 quando era pároco de Arreigada, Ferreira e Frazão, no concelho de Paços de Ferreira.

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Na reflexão sobre o tema “Iniciativas de empreendedorismo social na gestão das IPSS”, o sacerdote explicou que o surgimento do projeto, criado pelas três comunidades paroquiais através dos respetivos centros paroquiais, “não foi tanto para criar a sustentabilidade das IPSS”.

“O primeiro objetivo era salvar aquelas pessoas, dar-lhes emprego e às suas famílias”, afirmou, acrescentando que “em Paços de Ferreira passou-se fome”. “Tivemos nessa época algumas dificuldades de famílias de bem, grandes industriais que ficaram sem as suas fábricas, sem os seus bens”, contou, lembrando que chegou a ser preciso ir levar alimentos àquelas famílias.

“Comecei a ver os meus colaboradores [paroquiais] mais diretos a ficarem desempregados, pessoas que me deram muito dinheiro para criar os três equipamentos sociais”, recordou, assegurando que aquelas infraestruturas foram construídas “sem um cêntimo do Estado”. “Ali havia dinheiro e, de repente, ficaram sem dinheiro. Não imaginava que me viessem tantas pessoas pedir emprego nessa época da crise”, acrescentou, referindo que os pedidos de trabalho foram na ordem das “muitas centenas”.

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O orador contou que se lançou então na criação da empresa “Engenho dos Paladares” que disse ter acrescentado a “valência do emprego” àquelas IPSS. A empresa, por sua vez, fundou a marca “Paladares Paroquiais”, especializada na produção de queijos. O projeto teve também como objetivos a criação de “sustentabilidade” para que as IPSS que entraram no projeto também tivessem “benefício”, a criação de uma “economia de escala” para a qual contribuiu o facto de as três instituições terem uma direção e trabalhadores comuns, e a participação na economia. “Recebíamos da cooperação, mas também pagávamos os nossos impostos. O projeto, no quarto ou no quinto ano, já estava a mandar para os cofres do Estado de três em três meses 5.000 euros de IVA”, afirmou.

O sacerdote desenvolveu a questão da responsabilidade social para sublinhar que a criação de sustentabilidade para as IPSS não implica a substituição do Estado. “O Estado tem a sua responsabilidade e a sua obrigação de fazer o que é preciso. Mas eu posso é, ao lado daquilo que recebo da cooperação, fazer igual. Isto é, conseguir sustentabilidade com o mesmo valor ou mais daquele que recebo do Estado”, sustentou, considerando que este aspeto confere também “autoridade” na reivindicação de apoios.

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Aproveitando a existência em Paços de Ferreira de um desativado polo de formação do ministério da Agricultura na produção de laticínios “que ensinou muitas gerações a fazer produtos derivados do leite”, o padre Samuel Guedes lançou-se na reabilitação do seu equipamento, mas também do seu pessoal. “Fomos buscar os engenheiros que lá trabalhavam, senhores com 70 anos, que tinham as receitas”, contou, explicando que a autarquia, desejosa da reabilitação do equipamento, achou “muito interessante a ideia” e ofereceu a maquinaria.

“Não queríamos uma fábrica qualquer de produtos”, realçou, explicando que a produção assenta em “métodos tradicionais” e que não inclui aditivos alimentares como corantes, conservantes, antioxidantes, emulsionantes, estabilizadores, espessantes e gelificantes, entre outros. O empreendedor sacerdote destacou assim que o projeto, para além de ser “100% social”, com os lucros da empresa com aplicação naquela área, é também “100% natural”.

O sacerdote explicou que a atividade empresarial começou então em 2011 com um “investimento total de 400.000 euros sem ir à banca”. “O maior investimento foi humano”, considerou, realçando “tantas pessoas que deram o seu melhor, o seu saber, as suas capacidades” para o projeto. “Isso vale muito dinheiro”, constatou, lembrando que após a criação da queijaria, o primeiro queijo foi produzido em 2013. “Tínhamos dois empregados e neste momento a empresa tem 10 funcionários”, observou, lembrando que os promotores foram o PRODER, a Ader-Sousa (associação tem por fins a promoção do desenvolvimento regional e local), o Montepio Geral e o movimento “Mais para Todos” da SIC Esperança.

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Associadas à produção de queijos vieram outras necessidades. “A comunidade começou a pedir-nos que criássemos, ao lado da queijaria, outros produtos. Meti-me no carro e fui por alguns conventos da Europa e algumas religiosas, que se encantaram com o projeto, também ajudaram a criar algumas receitas destas coisas boas que as religiosas sabem fazer”, contou para explicar o início da produção de doces conventuais e bolachas, compotas e licores.

Porque o soro do leite é um produto “altamente poluente” que não pode ser descartado na rede de saneamento básico, veio a necessidade de criação de uma exploração agropecuária que incluísse aquele produto na alimentação animal, o que ajudou a consolidar uma economia circular. Por sua vez, esta produção levou à criação de um serviço de catering que incrementou a sustentabilidade da obra social que fornece mais de 1000 refeições diárias a cerca de 500 utentes.

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O sacerdote explicou que depois começaram a associar-se outras IPSS que vieram pedir os serviços da empresa. “Algumas vieram pedir-nos para abrirem lojas com os nossos produtos. Foi um duplicar do objetivo social”, afirmou, acrescentando que também receberam um convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros para “levar o projeto junto dos emigrantes”. “Neste momento eles mandam queijo para a França, Luxemburgo e Suíça”, completou, explicando que para além de se ter inserido no “mercado da saudade”, o projeto incluiu-se ainda numa “rota turística e de degustação” no âmbito do turismo religioso.

“Ou pensamos em estruturas de sustentabilidade, pegando no nosso património, nos saberes e capacidades para podermos servir mais e melhor e para podermos desenvolver a nossa missão, ou então não vamos conseguir”, advertiu, explicando que o projeto que “está a crescer de dia para dia” em 2017 já tinha uma faturação anual de meio milhão de euros que ressalvou não ser “de lucro”, mas de investimento social.

O orador – que aludiu por um lado à “a sorte de as estruturas de licenciamento se encantarem com o projeto” e por outro ao “caminho jurídico difícil” em que foi preciso reformar os estatutos das IPSS fundadoras – lamentou a falta de legislação para as “empresas sociais”. “Vamos a Inglaterra e temos. Com regras próprias e impostos próprios”, comparou.

Por fim, destacou a importância das parcerias e da preocupação com a comunicação.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O encontro contou ainda com a celebração da eucaristia presidida pelo bispo do Algarve e, após o almoço, o diácono Luís Galante, ecónomo da diocese algarvia e coordenador do Departamento Diocesano da Pastoral Social, referiu-se ao Registo Central do Beneficiário Efetivo.