Em tribunal, a inspetora Sylvie Costa afirmou que as autoridades suspeitavam que as armas se destinavam a "provocar distúrbios", numa marcha protestante que decorre todos os anos na Irlanda, a 12 de julho, a qual é quase sempre marcada por "uma grande confusão".

A inspetora foi ouvida, como testemunha, no Tribunal de Olhão, na segunda sessão do julgamento de dois irlandeses e dois portugueses, acusados de tráfico internacional de armas, grupo desmantelado pela PJ, no Algarve, em julho de 2011.

Em causa está a compra, em Portugal, de pistolas de alarme que foram posteriormente modificadas e que, alegadamente, se destinavam a ser usadas na Irlanda, por uma fação dissidente do IRA.

Ao abrigo da investigação, feita por ambos os países, a pedido das autoridades irlandesas, foram apreendidas no Algarve dez pistolas e um total de 250 munições.

Três dos arguidos – James Rice, Conor Sheehan e Paulo Guerreiro – estão em prisão preventiva, estando o outro português, António Mestre, em liberdade, e um quinto elemento, John McCann, na Irlanda, a aguardar a extradição para Portugal.

Apesar de não ter ficado provado em tribunal que as armas serviriam para ser usadas naquela marcha – conhecida como Marcha de Orange e que assinala a vitória, há três séculos, do rei protestante Guilherme de Orange sobre o rival católico, Jaime II -, Sylvie Costa assumiu que essa era a tese da polícia.

Ainda segundo a inspetora, as autoridades aperceberam-se de uma suposta ligação do grupo a uma fação dissidente do IRA (exército que lutou pela separação da Irlanda do Norte do Reino Unido), em maio de 2011, altura em que o alegado cabecilha, John McCann, veio a Portugal.

Em tribunal, Sylvie Costa relatou que foi intercetado um telefonema de Conor para Paulo, em que o irlandês disse ao português estar num hotel em Albufeira ao lado de um responsável do IRA, pedindo-lhe para ter "isso pronto, o mais depressa possível".

A 05 de julho deu-se o primeiro contacto de Conor com James Rice, que chegou ao Algarve com a mulher e o neto, numa autocaravana, e que assumiu, na primeira sessão do julgamento, que aceitou uma proposta de cerca de três mil euros para levar armas para a Irlanda.

O primeiro encontro de James Rice com Paulo Guerreiro aconteceu pouco depois, sob a vigilância da Judiciária, numa estação de serviço de Almancil, acrescentou a inspetora.

Rice instalou-se depois no Parque de Campismo de Olhão, à porta do qual Paulo Guerreiro lhe entregou uma caixa supostamente com garrafas de vinho, que a polícia veio depois a confirmar, na sequência de uma busca à autocaravana, ter armas no seu interior.

A inspetora admitiu ainda, em tribunal, que a investigação tinha uma dimensão maior, mas que acabou por se cingir ao grupo que está agora a ser julgado.

Os advogados dos portugueses alegadamente envolvidos no caso afirmaram que os seus constituintes são vítimas "colaterais" de outro processo, recusando qualquer ligação com aquele grupo irlandês.

Um dos arguidos portugueses, Paulo Guerreiro, empresário da Construção Civil de 40 anos, está em prisão preventiva, tendo assumido, na primeira sessão do julgamento, no início de novembro, que tinha arranjado armas de alarme que foram modificadas.

O outro português, António Mestre, de 39 anos, cortador de carnes, encontra-se em liberdade e foi ontem ouvido pelo Tribunal de Olhão durante a segunda sessão do julgamento.

Em declarações aos jornalistas, o advogado de Paulo Guerreiro afirmou acreditar que o seu constituinte "foi levado" neste processo, sublinhando que duvida de que o grupo se trate efetivamente de uma organização.

"Penso que esta acusação teria que ver com uma investigação num processo colateral a este", afirmou Fernando Cabrita à margem da sessão, acrescentando que o processo ter-se-á desviado, provocando "vítimas colaterais".

Durante a manhã de ontem, o tribunal ouviu o arguido português que está em liberdade, uma inspetora da PJ que investigou o caso e cinco testemunhas de defesa de Paulo Guerreiro, que foram unânimes em descrever o arguido como uma pessoa bondosa e ingénua.

Também a advogada de António Mestre frisou aos jornalistas que o seu constituinte "não tem absolutamente nada a ver" com o processo, no qual caiu "de paraquedas".

Segundo Manuela Reis, o seu arguido foi envolvido "por coincidência" no processo por ter sido apanhado com armas ilegais, cuja venda lhe rendeu cerca de 600 euros.

"Se há ligação a entidades alegadamente terroristas, não tem nada a ver com o nosso constituinte, que caiu aqui de paraquedas e se viu enredado neste processo", sublinhou.

Lusa