A psicóloga Carla Tomás alerta que a presença de crianças, cada vez mais jovens, nas redes sociais “tem vindo a desenvolver um conjunto de dificuldades, nomeadamente em termos de autoestima”.

Em declarações ao Folha do Domingo, aquela especialista explica que o problema, percecionado por via da sua prática profissional em contexto escolar, “tem a ver com o facto de que nas redes sociais aquilo que é publicado é só aquilo que é positivo”. “Inclusivamente em termos de autoimagem, a maior parte dos jovens quando publica nas redes sociais não publica uma fotografia que não esteja editada”, observa, alertando que o que é publicado “são ideais de beleza que não são verdadeiros” e que “têm impacto nalguns jovens e adolescentes e crianças em termos da sua autoimagem porque acham-se sempre insuficientes”.

A psicóloga diz ser “um fenómeno que se percebe mais nas raparigas do que nos rapazes”, mas que também ocorre nestes. Carla Tomás diz ser um “inconformismo com aquilo que eles são na realidade, como se tivessem de ter um corpo perfeito”. “As redes sociais também ajudam a potenciar esta ideia, através da manipulação das fotos de que as pessoas são todas ideais. E não são, de facto”, prossegue.

Carla Tomás adverte que isso “pode levar, por exemplo, a perturbações do comportamento alimentar porque têm de ser mais magros ou à sensação de menos valia” e também a outras mais relacionadas com ansiedade e depressão.

A especialista admitiu que nalguns casos possam conduzir a quadros graves. “Por exemplo, uma perturbação de comportamento alimentar que não seja detetada numa fase precoce pode levar a situações muito graves como a anorexia ou a bulimia, que podem levar inclusivamente a internamentos porque, às vezes, as jovens atingem situações em que tudo é uma caloria, inclusivamente a água, e já não ingerem nada”, explicou.

A psicóloga elucidou ainda que aquele tipo de perturbações conduz também a uma deturpação da própria realidade. “Elas estão extremamente magras, mas quando se olham ao espelho encontram sempre «gordura» extra para eliminar”, referiu, explicando que aquele comportamento de restrição alimentar acaba muitas vezes por ganhar “caráter aditivo como qualquer outra adição”. “Elas, às vezes, até já sabem que já não deviam proceder assim, mas já não conseguem evitar”, lamentou.

A psicóloga Carla Tomás – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A especialista alerta para a necessidade de alterar a abordagem àquela problemática. “Infelizmente no nosso país, também pela falta de recursos, temos muito a opção de reparar o estrago e o importante era prevenir. Que desde pequenos os miúdos tivessem a possibilidade de ter programas de competências socioemocionais, que se debatesse esta questão da Internet e da adição e que os próprios pais também tivessem disponibilidade para ir desmistificando isto com os filhos. Isso seria preventivo”, sugere.

Carla Tomás considera que a intervenção preventiva na escola é a mais indicada. “É mais fácil até para miúdos que têm famílias mais desestruturadas. Se o fizermos fora do contexto escolar arriscamo-nos a que estes meninos não tenham esta resposta. Portanto, o mais fácil é articularmos isso dentro do contexto escolar. Já alguma preocupação e algumas coisas já vão sendo feitas, mas depende sempre de recursos e alguns recursos são colocados limitados no tempo. São contratos anuais que são renovados anualmente ou não. Se deixarmos de ter estes recursos, obviamente que vai ser muito mais difícil dar resposta”, alerta.

Do ponto de vista da intervenção terapêutica a psicóloga lembra que implica sempre “um acompanhamento, nestas questões da perturbação do comportamento alimentar, da nutrição”, mas também “da psicologia e da psiquiatria” e no geral, “na depressão e na ansiedade, um acompanhamento psicológico”, que lamenta ser “difícil” na nossa realidade do Algarve. “Em termos de Serviço Nacional de Saúde só temos um pedopsiquiatra no hospital de Faro, que não atende no barlavento. Se eu tiver alguma urgência do barlavento que precise de pedopsiquiatria têm de ir à [unidade hospitalar da] Estefânia”, explicou, garantindo que “não há resposta no barlavento algarvio” de profissionais de psicologia para pessoas entre os entre os 13 e os 18 anos e que “a situação pandémica agravou” esta realidade.