
O grupo que está a levar a cabo desde domingo a ‘Missão País’ no concelho Vila do Bispo é composto por 58 universitários do Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa, estudantes provenientes de vários pontos do país, um da Universidade do Algarve (UAlg), oriundo do concelho de Santarém, e pelo padre Diogo Maleitas Correia, pároco de Peniche, que está a acompanhá-los.

Cerca de metade está a realizar a sua primeira ‘Missão País’, incluindo o próprio sacerdote assistente, que não obstante já ter recebido nos últimos três anos a iniciativa na sua paróquia, vive agora a experiência acompanhar um dos grupos missionários.

A ‘Missão País’ é um projeto católico criado em 2003 a partir do Movimento Apostólico de Schoenstatt (embora hoje seja independente) que organiza e desenvolve missões universitárias a partir de várias faculdades de Portugal. São semanas de apostolado e de ação social que decorrem durante três anos consecutivos no período de interrupção de aulas entre o primeiro e o segundo semestres, divididas em três dimensões complementares – externa, interna e pessoal – em que o primeiro ano consiste no “acolhimento”, o segundo na “transformação e o terceiro no “envio”. O lema da ‘Missão País’ deste ano é “E se conhecesses o dom de Deus?” (Jo 4).

Este ano são 55 missões a decorrer no país durante este mês, três das quais no Algarve. Para além do concelho de Vila do Bispo, o IST está a desenvolver outra missão em Monchique, que também teve início no domingo, e, em Castro Marim, a Faculdade de Arquitetura de Lisboa concluirá o trabalho iniciado naquele concelho em 2017 e que foi retomado no passado sábado. Na missão do IST em Monchique participa também uma jovem do Algarve, estudante na Universidade do Algarve.

António Narciso, o chefe geral da missão no concelho de Vila do Bispo, juntamente com Beatriz Silva, explicou ao Folha do Domingo que a escolha daquela zona do Algarve surgiu na sequência da missão de Aljezur, terminada no ano passado. “Por causa de Aljezur sabíamos que havia alguma necessidade de missões no Algarve e falámos com o padre Nuno [Coelho, pároco de Aljezur e, até agosto passado, também de Sagres e Vila do Bispo] e ele é que nos sugeriu Sagres”, contou, acrescentando que o grupo, para além dos oito chefes de serviço, é composto em Sagres pelas comunidades do contacto porta a porta, da visita à escola do primeiro ciclo e do trabalho no lar da Santa Casa da Misericórdia onde estão todos alojados. Em Vila do Bispo, os missionários dividem-se pelas comunidades do contacto porta a porta, da visita à escola e do trabalho no lar da Misericórdia (Budens) e no centro de dia (Raposeira). A estas, acresce ainda a comunidade do teatro apresentado esta manhã em Sagres e esta tarde em Vila do Bispo.

António Narciso contou que a visita às escolas visa o contacto individualizado com os membros de toda a comunidade escolar. “A primeira abordagem é para conhecer e criar relação e depois tentar explicar o que é que estamos aqui a fazer. Mais do que falar, nós queremos muito ouvir as pessoas”, testemunhou, acrescentando que os missionários colaboram também no apoio dos alunos ao estudo, caso os professores entendam.

O Agrupamento de Escolas de Vila do Bispo pediu-lhes que não falassem diretamente de Deus aos alunos no espaço escolar e, por isso, os missionários fizeram chegar uma autorização aos pais para um encontro na escola com os seus filhos em que pudessem “falar declaradamente de Jesus” e que decorreu ontem. Para além disso, amanhã à tarde, a partir das 15h, vão realizar um arraial que será também uma oportunidade para poderem falar com liberdade com as famílias. “Sempre que vou à escola falar um bocadinho com os professores para perceber como está a correr, só recebo feedback positivo. Os alunos estão super felizes de ter lá os missionários”, testemunhou Beatriz Silva.

Ambos os chefes gerais realçam o bom acolhimento que tem sido proporcionado ao grupo. “As comunidades que chegam e contam as histórias do [contacto] porta a porta também dizem que as pessoas no início estranham um bocadinho, mas depois, quando começam a conhecer os missionários começam a abrir-se e a aceitar-nos mais. Está a acontecer alguma coisa”, conta Beatriz Silva.
Rodrigo Soares, o estudante da UAlg no curso de Turismo, que “tinha um grande desejo de entrar” na ‘Missão País’ desde que a conheceu há três na sua paróquia de origem – Alcanede (concelho de Santarém) –, está no grupo que contacta porta a porta, confirma o bom acolhimento e explica que as pessoas perdem o receio inicial quando percebem que a intenção dos missionários é genuína. “As pessoas, apesar da desconfiança inicial, recebem-nos na maior parte dos casos com muito carinho e com vontade de falar um bocadinho mais”, conta ao Folha do Domingo, sublinhando “histórias muito fortes” de “pessoas que já sofreram muito”, mas que mantêm a fé, não obstante ser “uma fé que não sai das suas casas”. “Falta um bocadinho aquele espírito de comunidade que nós também tentamos trazer”, constata aquele jovem que, quando veio estudar para o Algarve, se integrou na paróquia de São Pedro de Faro.

“Em cada casa descobrimos uma realidade, uma história e pessoas que sentem falta, às vezes, de uma palavra amiga, de um sorriso”, prossegue, acrescentado que os missionários se oferecem para “alguma ajuda” que as pessoas precisem. “Houve colegas que já ajudaram na jardinagem”, conta, explicando que Sagres é “um meio pequeno em que a população também é muito envelhecida”, com uma “grande percentagem de pessoas que vieram de outros pontos do país” e “uma comunidade de muitos turistas residentes e outros que circulam” que se têm manifestado favoráveis àquela iniciativa, não obstante “ninguém” conhecer a ‘Missão País’.

Outros destinatários daquela experiência são os da mesma geração dos missionários. “Existem jovens, mas tem sido difícil encontrá-los”, reconhece Rodrigo Soares, explicando que alguns “têm vivências católicas”, pois “fizeram parte de grupos e já estiverem em dinâmicas quase como esta”, mas “com o passar dos tempos afastaram-se um pouco”. “Isto também é um momento para eles repensarem. A nossa ideia é também contagiarmo-los, inspirá-los e convencê-los a participar mais”, referiu, explicando que este objetivo vai ao encontro do que o papa Francisco pediu aos jovens o mês passado na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Panamá.

O missionário, que integrou o grupo do Algarve que participou naquele encontro mundial, considera mesmo que “não havia melhor forma” de dar continuidade àquela “experiência inesquecível”. “Trata-se de pôr um pouco em prática aquilo que trouxe de lá, um pouco do que o papa nos transmitiu, que somos a Igreja de hoje e também que nós, jovens, temos o poder, se acreditarmos, de inspirar outros como nós e podemos mudar qualquer coisa”, sustentou.

Também o vigário geral da Diocese do Algarve, que visitou o grupo missionário na última quarta-feira, destacou a importância daquela missão se realizar após a JMJ. “Depois de uma grande Jornada da Juventude no Panamá, eis senão quando a ‘Missão País’ resolve continuar a aprofundar a sua visão de revisitação evangélica nas universidades. Bem hajam por isso”, afirmou o cónego Carlos César Chantre que presidiu naquele dia à eucaristia diária dos missionários. “Depois do Panamá, macro, agora, micro. Depois do Panamá, agora cada um na sua área ponha em prática a onda maravilhosa da juventude que veio de lá”, prosseguiu.

No contexto desta relação que se aprofunda com a comunidade, os missionários promoveram ontem à noite uma vigília de oração e para hoje lançaram o desafio de serem recebidos, em grupos de dois ou três, em casa dos moradores para jantar. “É dos pontos mais altos da semana. É o culminar de uma relação que se foi criando e é sempre muito positivo”, explica Beatriz Silva, acrescentando António Narciso que “os missionários vêm sempre com muitas histórias” e “de coração cheio”. “É algo que levamos sempre connosco”, assegura.


O padre Diogo Maleitas Correia explicou ao Folha do Domingo que o levou a querer acompanhar um grupo daquele projeto missionário foi, por um lado, a experiência de ter recebido uma ‘Missão País’ na sua paróquia de Peniche e, por outro, a dificuldade constatada em conseguirem padres para acompanhar os grupos durante uma semana. “Há muito poucos sacerdotes que não sejam párocos e os párocos estão muito ocupados e têm muita dificuldade”, justificou, acrescentando que o seu bispo, o cardeal-patriarca D. Manuel Clemente, “incentiva muito os padres a acompanhar estas missões porque percebe em Lisboa, e já a nível nacional, a importância que têm”. “Então este ano eu decidi dar um bocadinho do meu tempo”, complementou, explicando ter um coadjutor que ficou a assegurar o trabalho paroquial.

O sacerdote destacou que o efeito da ‘Missão País’ nas paróquias encerra uma “mensagem de esperança” que os jovens deixam com a sua “presença entusiasta de fé e de alegria”. “Ver dezenas de jovens que dão generosamente do seu tempo, que abdicam de um tempo de férias depois dos exames, das comodidades da sua casa, para se desinstalarem e virem testemunhar a fé, também com o serviço da caridade, àqueles que mais precisam, é sempre um testemunho. Só pelo testemunho, quando é entendido nas comunidades, já tem um impacto forte”, realçou, considerando o exemplo “um sinal de esperança nestes tempos em que se diz tanto que a juventude já não se motiva”.

“Há até, às vezes, quase uma perspetiva negativa da juventude que é absolutamente errada”, prosseguiu, considerando que “os jovens estão, mais do que nunca, disponíveis para a sociedade, para darem de si e, sobretudo a nível da fé, para testemunhar com alegria a sua fé e a sua pertença cristã”. Isto, já de si, é um marco extraordinário”, realçou, explicando que o grupo que acompanha é “heterogéneo com caminhadas diversas na fé” e está a “dar cumprimento àquele desígnio que João Paulo II lançou da evangelização dos jovens pelos jovens”. “O padre está aqui só para acompanhar, mas de modo a que não tire o protagonismo aos jovens que vão também testemunhando a fé e anunciando o evangelho aos outros colegas que têm caminhadas diferentes”, desenvolveu. Nesse caminho, feito de tempos e de ritmos distintos, há lugar para todos, com mais ou menos dúvidas. Algumas delas puderam ser esclarecidas na quarta-feira à noite num espaço criado para o efeito.

O vigário geral também destacou a importância da evangelização da sociedade pelos jovens e considerou que aqueles universitários estão a estão a desenvolver um “trabalho de formiga” no contexto universitário. “Não tenham medo porque o Espírito de Deus jamais vos abandonará”, pediu na eucaristia o cónego César Chantre, considerando que “a universidade tem de regressar à sua missão” de “respeito pela cultura do seu povo” e de “aprofundamento do Cristianismo sem complexos”. “Se os universitários cristãos conseguirem esta vitória, a Europa poderá ser salva”, sustentou, considerando que a ‘Missão País’ “está a querer dizer que é possível resgatar este tema”. “Dou-vos os meus parabéns e agradeço-vos penhoradamente este vosso trabalho, no Algarve em particular: Sagres, Monchique e Castro Marim”, agradeceu, apresentando também a “saudação muito especial” do bispo do Algarve. “Ele queria muito estar presente, mas não conseguiu”, justificou.

O pároco de Sagres e Vila do Bispo, que assumiu em agosto do ano passado aquelas paróquias, diz sentir que as comunidades “têm alguma necessidade de estímulo” e considera que a ‘Missão País’ ajudará a colmatar a lacuna. “Será um marco [ao longo dos três anos] e já este ano está a ser. Já se começa a ver que as pessoas estão a sentir que é positivo. As pessoas estão contentes com a presença dos jovens”, afirmou o padre José Chula, acrescentando ter recebido já “grandes elogios” pela forma como são abordadas pelos missionários. “Nos próximos anos já serão conhecidos e espero que a recetividade seja ainda melhor do que este ano”, sustentou.

Por outro lado, o sacerdote manifesta a esperança de que este acontecimento possa motivar um maior compromisso da juventude local com a Igreja. “Acredito que um ou outro jovem aproximar-se-á”, afirmou.

Também o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, que acolhe desde domingo os missionários e se regozija com a sua vinda, teve oportunidade de lhes dizer isso na passada quarta-feira ao jantar. “Já a meio desta semana [quero] dizer-vos que estou a notar que vocês estão a mexer com as gentes do nosso concelho. O feedback dos nossos idosos é incrível, vocês estão a trazer energia positiva e alegria para dentro desta casa e isso é muito positivo. Vocês são diferentes, estão a trazer uma energia cristã de força a esta terra. Por isso, muito obrigado”, afirmou Armindo Vicente.
Aquele responsável, que é simultaneamente vereador da Câmara de Vila do Bispo, desejou ainda “que esta semente que veio para o Algarve seja transformada”. “Vamos também nós tentar pegar nela e multiplicar estes jovens pelo Algarve”, prometeu.