O secretário-geral do Sínodo dos Bispos disse esta manhã ao clero das dioceses do sul do país que o sensus fidei (instinto de fé), que está subjacente àquela iniciativa, torna-se um “desafio pastoral” para a Igreja contemporânea.

O cardeal Mario Grech afirmou aos bispos, padres, diáconos e seminaristas das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal — reunidos desde ontem em Albufeira para quatro dias de atualização sobre o tema “Igreja Sinodal, uma Igreja atenta aos Sinais dos Tempos”— que “a nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados” e que os fiéis são chamados “a assumirem corajosamente um perfil profético e testemunhante, sem subcontratar o trabalho de evangelização apenas aos pastores, e pedindo a estes que não se considerem detentores exclusivos da verdade a proclamar aos homens, cedendo à tentação do clericalismo, repetidamente apontado pelo Papa Francisco”.

“Quantas assembleias diocesanas e nacionais, quantos planos pastorais falharam precisamente porque as conclusões já estavam escritas a priori! Ouvir o Povo de Deus é realmente ouvir o que o Espírito está a dizer à Igreja”, lamentou, refletindo sobre o tema “Sinodalidade e Participação. Escutar a Voz de Deus e as vozes do Mundo”.

Considerando que “o pontificado do Papa Francisco está em grande parte a contribuir para o renascimento da antiga doutrina do sensus fidei”, aquele responsável frisou que “o conhecimento da verdade revelada não é prerrogativa exclusiva daqueles que pertencem à hierarquia eclesiástica através do ministério ordenado”. “Em virtude desta co-naturalidade com os mistérios divinos, possibilitados pelo Espírito Santo conferido pelo batismo (e pela confirmação), todos os cristãos contribuem para aprofundar o seu conhecimento do mistério de Cristo e da sua vontade de salvação”, complementou, garantindo:“em todos os batizados, do primeiro ao último, o poder santificante do Espírito que nos impele a evangelizar está a trabalhar”.

O orador advertiu que a “infalibilidade” do sensus fidei, que “não institui um magistério competitivo com o dos pastores”, “não tem necessariamente a ver com o nível cultural e a preparação teológica, mas manifesta-se numa intuição e numa coincidência com os mistérios divinos que conferem ao Povo uma «sabedoria» especial”.

Realçando o pensamento do Papa Francisco, afirmou que “seria inadequado pensar num esquema de evangelização realizado por atores qualificados em que o resto dos fiéis apenas estavam recetivos às suas ações”. “Faz-nos bem lembrar que a Igreja não é uma elite de padres, consagrados, bispos, mas que todos formam o santo fiel Povo de Deus. Esquecer isto implica vários riscos e distorções na nossa própria experiência, tanto pessoal como comunitário, do ministério que a Igreja nos confiou”, alertou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Neste sentido, sublinhou que “os fiéis leigos não são os destinatários passivos das decisões tomadas, mas cooperam com os pastores no traçar dos caminhos da missão da Igreja”. No entanto, salvaguardou parecer “impróprio falar de um «magistério dos fiéis», mas disse ser verdade que entre o povo de Deus e os seus pastores ”não há parede intransponível, mas uma profunda circularidade”. ”Esta é a grande intuição do Papa Francisco, que tem no seu centro o conceito simples e eficaz de «ouvir»”, referiu, acrescentando que “numa Igreja de escuta, sensus fidei e magistério apoiam-se mutuamente, não se justapõem uns aos outros como compartimentos estanques”.

O secretário-geral do Sínodo dos Bispos prosseguiu explicando que se pede aos pastores “que ouçam atenta e sinceramente Povo de Deus, um povo de mil rostos, composto por bispos, sacerdotes, diáconos, leigos e mulheres, homens e mulheres consagrados, ricos e pobres, dotados e ignorantes”. “É, portanto, claro porque, segundo Francisco, os pastores não só devem andar diante do rebanho, mas, se necessário, devem também saber colocar-se no meio dele, de modo a perceber o seu «nariz», e, às vezes, até atrás dele, para poderem seguir esse próprio «nariz»”, sustentou.

Neste contexto, afirmou que “os bispos, e com eles todos os outros ministros ordenados, devem representar num certo sentido as «antenas» do Povo de Deus: estando entre os fiéis, são chamados a «intercetar» o que o Espírito Santo sugere à Igreja nesta hora precisa da história”.

O cardeal maltês advertiu que esta escuta “não pode ser confundida com uma investigação sociológica, destinada a identificar as opiniões da maioria, e que não coincide com a opinião pública, mas requer um discernimento cuidadoso para perceber, entre as muitas vozes muitas vezes dissonantes, o que o Espírito realmente revela”.

Aquele responsável pela iniciativa sinodal afirmou que os bispos envolvidos “são convidados a exercer o «ministério da boca» e, também neste caso, o ainda mais difícil «ministério do ouvido», procurando um consenso que não sai da lógica humana (de tipo parlamentar, por exemplo), mas do reconhecimento e submissão comuns à vontade de Deus para a sua Igreja neste momento particular da história”. “Embora na sua composição esteja configurado como um organismo essencialmente episcopal, o Sínodo não vive separado do resto dos fiéis. Pelo contrário, é um instrumento adequado para dar voz a todo o Povo de Deus precisamente através dos Bispos, que são constituídos por Deus como “autênticos guardiões, intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja”, concluiu.

O cardeal Mario Grech proferiu ainda na segunda parte da manhã uma terceira intervenção sobre o tema “Sinodalidade e Missão. A Igreja existe para evangelizar”.