A ‘Semana da Vida’ 2023 — iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, promovida através do Departamento Nacional da Pastoral Familiar, e que termina este domingo, dia 21 de maio — tem como tema ‘Levanta-te! A tua vida é um dom’.

No caso do cónego Joaquim Nunes, de 68 anos — que recebeu aos 46 anos um diagnóstico de esclerose múltipla que veio justificar um quadro de sintomas de cansaço, dores e espasmos que começou na altura a acentuar-se e que o tem empurrado progressivamente para uma cadeira elétrica — a resposta àquele imperativo ganha um sentido simbólico muito forte.

Tudo começou quando deu “conta de que havia qualquer coisa que não estava bem”. “Não era capaz de dar uma corrida decente, o pé começou a ficar pendente”, recorda, explicando que começou na altura a “fazer fisioterapia”, mas os espasmos não passaram. Aquelas queixas, que já o tinham impelido a consultar um ortopedista em Faro que na altura o aconselhou a ser visto por um neurologista, levaram-no a aceitar a sugestão de uma amiga que o convenceu a ir à consulta de uma prima, especialista daquela área no Centro de Reabilitação e Medicina de Alcoitão.

“Fez-me um exame neurológico e vi logo que havia ali coisa. Fez-me um teste com um diapasão. Tocava com ele na testa e eu era capaz de identificar a nota. Tocou-me na omoplata e à medida que ia descendo eu ia sentindo menos a vibração. Quando tocou no joelho só senti que estava frio”, conta o sacerdote, explicando que a médica contactou logo uma colega no Hospital Egas Moniz para que também o visse. Naquela unidade hospitalar voltou a fazer o mesmo exame e sugeriram-lhe também uma ressonância magnética que identificou uma doença desmielinizante (do sistema nervoso), o que acabou por descartar a possibilidade de tumor.

Quando, em maio de 2001, recebeu o resultado com a possibilidade de se tratar de esclerose múltipla pensava que, para além de ser progressivamente incapacitante, teria uma esperança de vida máxima de cinco anos. Ao regressar de Lisboa, parando na estrada para rezar a oração de vésperas, encarou a nova realidade com serenidade. “A única ideia que eu tinha era o que ouvia dizer acerca da esclerose lateral amiotrófica porque naquela altura havia uma confusão grande entre as duas doenças. Fui pesquisar nas enciclopédias que havia no Seminário e confirmei que a esclerose múltipla tinha a ver com os sintomas que tinha”, conta, acrescentando que naquele mesmo mês, uma utente do lar das Missionárias da Caridade com aquela doença teve “uma crise muito forte” e as religiosas, que assistia, pediram-lhe para ir administrar-lhe o sacramento da Santa Unção. “Vi que ela tinha o mesmo tipo de espasmo que eu, embora muito mais violento”, constatou.

O diagnóstico final confirmou a suspeita de esclerose múltipla. Atrapalhado para o anunciar, o médico perguntou-lhe se já tinha ouvido falar da doença. “Com um ar tranquilo, disse-lhe: «já e acho que é isso que tenho», respondeu o sacerdote, que agora ri ao recordar o episódio. “Fiz aquilo que não é suposto: o doente dar o diagnóstico”, reconhece, acrescentando que o neurologista ficou mais descansado ao ver a sua reação. “Nunca fiquei preocupado”, garante.

O sacerdote explica que a doença se manifesta de duas formas. Na primária progressiva, a doença progride através dos patamares sem surtos, ao contrário da secundária progressiva, que evolui com duas variantes, sendo que, na mais vulgar destas, a passagem ao patamar seguinte é marcada por uma crise. No seu caso, a manifestação da doença é a primária progressiva. “Só há uns três anos é que passou a haver medicamento específico, mas nessa altura eu já estava num patamar em que o medicamento já não era eficaz”, lamenta, acrescentando que todos os tratamentos que fez são apenas “eficazes no retardar dos surtos” da secundária progressiva.

O cónego Joaquim Nunes explica ter-se dado conta no último ano de uma progressão que o levou a transferir-se do Seminário de Faro, onde viveu nas últimas décadas, para o Centro Paroquial de Paderne, onde agora reside. “Faz hoje um ano, ao celebrar a missa do aniversário [de sacerdócio], tive a noção interior que no ano seguinte já não estaria ali. Tive a noção de que aquela seria a última vez porque aumentou a dependência, o que tornou difícil continuar lá. Os cuidados que eram necessários tornaram-se incompatíveis com o estar lá”, testemunhou, explicando que “já tinha dificuldade em sair da cadeira elétrica para a cama”.

O ano passado ainda conseguia levantar-se e dar uns passos, o que agora já não é possível.

Na semana seguinte ao Natal de 2021, pediu ao pároco de Paderne para passar aqueles dias no Centro Paroquial e, após mais um fim de semana em que ali esteve, começou a definir-se que o seu futuro passaria por aquela instituição, o que veio a concretizar-se definitivamente em agosto daquele ano.

A sua missão agora passa muito por apoiar espiritualmente que ali vive e quem por ali passa. “É uma presença aqui no meio das pessoas. A assistência espiritual passou a ser diferente. É uma troca de vida que vai acontecendo. Há conversas pessoais com algumas pessoas e o ponto mais importante tem que ver a celebração diária da Missa”, conta o sacerdote, explicando que anteriormente a Eucaristia era celebrada apenas à sexta-feira pelo pároco, o que ainda acontece. “Dos que cá estão há gente em situações muito diferentes”, acrescenta.

O cónego Joaquim Nunes refere que “aceitou sempre bem, sereno, tranquilo” a condição em que ficou e que essa aceitação da doença foi sempre a mesma desde o início. “Vivo bem. No meio disto tudo, nunca me senti um homem infeliz. Antes pelo contrário”, garante, acrescentando: “A graça maior é que nunca fiquei numa situação de desespero ou perturbação interior”.

O sacerdote recorda que até quando foi internado com Covid-19 num período ainda de muitas dúvidas acerca da pandemia esse sentimento de tranquilidade permaneceu. “Quando soube não fiquei perturbado. Foi surpreendente ir para o hospital e aquelas proteções e aquilo tudo. Depois de lá estar também nunca fiquei pensando que iria ficar mal”, conta.

O sacerdote testemunha assim que “viver a vida como um dom é qualquer coisa que tem a ver com cada uma e todas as circunstâncias próprias da vida”. “Dizermos que a vida é um dom só é possível a partir da fé. Numa perspetiva meramente filosófica não faz sentido. A vida é um dom porque Deus existe e porque Deus nos ama. E o amor de Deus manifesta-se em todas e quaisquer circunstâncias. Se Deus me ama — e Deus ama-me — ama-me na saúde, na doença, na alegria, na tristeza. Até na depressão e no abandono completo”, realça.

O cónego Joaquim Nunes acrescenta que “o amor de Deus revela-se sempre”. “Por isso, não é diferente reconhecer a vida como um dom quando somos jovens, quando somos idosos, quando estamos de boa saúde ou quando estamos doentes, quando temos a plenitude das capacidades ou a diminuição progressiva das capacidades”, remata.