
O seminário, promovido na passada quinta-feira pelo núcleo do Algarve da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores em parceria com o IAPMEI e o Credit Suisse, deixou clara a ideia de que é urgente voltar a colocar a pessoa no centro da economia, um princípio há muito defendido pela Igreja Católica.

Na iniciativa, sob o tema “Ética, Economia e Mercados: Tendências e Desafios para 2016”, que teve lugar no auditório do IAPMEI com a presença de cerca de 40 empresários e gestores, Gonçalo Maleitas Correia sublinhou a premência de não se prescindir da “centralidade da pessoa”. Aquele responsável do Credit Suisse em Portugal, que apresentou o tema “A ética ao serviço do homem – que valores ou regulamentos?”, defendeu uma “mudança cultural de mentalidade”, considerando que “o que é preciso educar é o coração do homem”.

“A fonte primária dos valores e da ética não é um qualquer regulamento ou decreto mas o coração homem. E é precisamente aqui, para operar aquilo que deve ser uma mudança cultural de mentalidade, que o papel de organizações como a ACEGE é fundamental e insubstituível. É necessário regressar ao essencial e é isso que procuramos todos os dias fazer no Credit Suisse em Portugal. Procuramos colocar a pessoa, o cliente e também os colegas no centro de tudo. Ter relações pautadas pela proximidade, pela integridade, sem conflitos de interesse, pela transparência, que possam ser de verdadeira parceria duradoura. É que não podemos dispensar-nos de ser bons, diria mesmo, de querer ser santos”, afirmou aquele responsável que procurou contestar duas “ideias-chave” que disse serem hoje “dadas como adquiridas”: a “diabolização dos bancos” e a “fé na regulamentação”.

Maleitas Correia criticou a “hiper-regulamentação” da economia “como solução para todos os problemas porque, na verdade, não há regras nem regulamentos que possam dispensar os valores e a ética”. Defendendo que “a atividade empresarial sem risco é inútil ou inconsequente, mas sem ética é uma vergonha”, lembrou que “a ética é o amor à verdade”. “O risco é saudável, gera inovação, iniciativa e puxa pelo engenho. E a inovação e a iniciativa geram investimento e o investimento gera riqueza e bem-estar. Tudo isto, devemos entendê-lo como uma força motriz e não apenas numa perspetiva negativa de algo que tem de ser só gerido e controlado, às vezes, obcessivamente”, afirmou. “É preciso lembrar que a atividade financeira está entre as mais regulamentadas de todas as atividades da economia”, advertiu, lamentando o que considerou ser um “clima de desconfiança e de suspeição generalizados” e de uma “enorme obsessão pelo controlo” que se procura resolver através do “dogma” ou da “fé cega na regulamentação”.

O conferencista disse que “esta tendência tem custos elevadíssimos” e “efeitos perversos que, muitas vezes, traduzem-se em obstáculos à inovação e à transformação positiva e criativa das empresas, dificultam a eficiência operacional, limitam o crescimento e rentabilidade” e “conduzem a uma, cada vez maior, desumanização da própria atividade e a uma desresponsabilização dos agentes, deixando nos controlos, nas leis e nas regulamentações o cuidado que deviam eles próprios ter”. “Neste contexto, os bancos e as empresas tendem, cada vez mais, a descentrar-se nos clientes e concentrar as suas preocupações nos controlos de regulação”, acrescentou.

Maleitas Correia lamentou que a opção pela regulamentação não tenha sido “capaz de impedir grandes problemas e até colapsos, seja na banca, seja noutros setores”. “Muitas vezes procura-se regular com um detalhe microscópico certos aspetos das atividades, mas deixa-se, ao mesmo tempo, passar as megafraudes”, criticou. “Parece que a regulamentação não serviu para nada, uma vez que foi tão radical e tão vasto aquilo que aconteceu, concretamente em Portugal em vários setores. O que parece é que a regulamentação pouco interveio no sentido de mitigar, evitar ou prevenir o que aconteceu”, sustentou.

“Não devemos acentuar demasiada expetativa no potencial da regulamentação para resolver problemas desta natureza, embora ela seja necessária segundo uma lógica de razoabilidade e no respeito do princípio de subsidiariedade”, prosseguiu, sublinhando o “princípio tão bem enunciado pela Doutrina Social da Igreja”.

“O que precisamos é de pessoas decentes”, defendeu, lamentando que no mundo ocidental, ao longo dos últimos anos, as sociedades tenham deixado “decair um conjunto de valores e de comportamentos” por “razões de individualismo e bem-estar”.

O seminário ficou ainda marcado pela intervenção de Luís Barreto Xavier, especialista na análise económica e de mercados do Credit Suisse, que apresentou as perspetivas macroeconómicas para 2016 e tentou “integrar a ética na economia dos mercados”. Aquele responsável, que apresentou diversos indicadores do ranking da competitividade do Banco Mundial, disse que “o sentimento económico está a melhorar”. “O sentimento geral é de otimismo e esse otimismo está a revelar-se positivo para o crescimento da economia europeia”, afirmou.

Barreto Xavier defendeu que em Portugal, não obstante a economia ter começado a recuperar desde 2013 e até se perspetivar um “crescimento acima da média europeia para o ano de 2016”, existe um “desafio que continua por resolver”: o “contributo para esse crescimento económico continua a ser do consumo privado”.

O conferencista adiantou que a nível de ética corporativa Portugal ocupava, em 2006, o 30º lugar do ranking mundial de 150 países e atualmente está em 42º. “Em termos de corrupção das empresas Portugal passou 23º para 39º”, acrescentou, afirmando que, no índice de eficiência no mercado de trabalho, o país está 83º lugar, “ao nível de um país menos desenvolvido”. “Nenhum país europeu tem um índice de eficiência laboral tão baixo como Portugal. Há aqui um trabalho a fazer que é muito difícil”, considerou.

O seminário teve início com a apresentação de Paulo Lopes, do núcleo do Algarve da ACEGE, da identidade e dos principais projetos da organização e terminou com o apelo de Jorge Líbano Monteiro, secretário-geral da associação, aos empresários e gestores para que sejam os “agentes da mudança”.
