Procurando demonstrar como João de Deus é “leitor da Escritura”, o padre António Martins referiu-se à sua “exaltação da mulher a partir do livro dos Provérbios”, salientando que o poeta “respeita a dimensão literária do texto da escritura”. O orador afirmou ainda que, ao traduzir os salmos, “João de Deus apresenta o problema do mal no mundo como força organizada” e que o escritor algarvio “traduz e adapta o livro mais belo da Escritura que é o Cântico dos Cânticos”.
A terminar, o padre António Martins lembrou que João de Deus oferece “uma leitura nova de beleza pelo corpo, de exaltação da mulher, da dimensão positiva do amor, do encantamento do amor em relação à natureza”. “Para mim foi uma surpresa este reencontro de João de Deus com a palavra da escritura, lida, reinterpretada, actualizada e recriada”, conheceu.
Também António Carlos Carvalho, antigo jornalista, reconheceu que o poeta de Messines é o “verdadeiro fiel do amor”. “João de Deus tinha uma visão amorosa da vida, da natureza e da criação”, afirmou, lamentando que o poeta tenha vindo a ser esquecido. “Conhecemos melhor as poesias do Walt Whitman do que do João de Deus”, criticou.
Já Carlos Aurélio, artista plástico, defendeu que “João de Deus adquiriu a santidade pela via do amor e do matrimónio”. Colocando o poeta entre outros portugueses “de grandeza universal” como Camões, José Régio, Teixeira de Pascoaes ou Fernando Pessoa, o orador defendeu que João de Deus se enquadra numa “forma de santidade portuguesa”.
Carlos Aurélio advogou que o espanhol “São João da Cruz representa a ligação entre a língua espanhola e a santidade”, enquanto “João de Deus faz a ligação entre Portugal e o Judaísmo, pela via do matrimónio,” através daquela que considerou ser uma “síntese superior entre o Judaísmo e o Cristianismo”.
O orador considerou ainda na iniciativa que contou com cerca de 100 participantes, que, enquanto Fernando Pessoa deu continuidade a Camões “pelo seu lado epopeico”, João de Deus fez o mesmo pelo “lado mais edílico, pastoral e ligado à poesia lírica”. “João de Deus fala com a graça que é uma expressão do Espírito Santo”, concluiu.
Elisabete Francisco, historiadora, apresentou o João de Deus, cuja “humildade como pessoa passaria despercebida enquanto poeta”, não tivesse o algarvio sido “socialista”, “fruto de um tempo histórico, em finais do século XIX, em que popularizava a laicização e o anticlericalismo”. “Companheiro da revolucionária geração de 70 de Antero [de Quental], Guerra Junqueiro, Oliveira Martins ou Eça de Queiroz, João de Deus soube, com toda a dignidade de poeta, falar de Deus. Chegou a colaborar no jornal católico ‘A Voz do Operário’ e dele se ouviu dizer: «é socialista porque é cristão, é socialista porque ama os seus semelhantes»”, complementou, salientando que a sua ideologia se exprime “claramente” na sua poesia. “A poesia de João de Deus insere-se na esfera existencialista onde sempre encontrou Deus”, acrescentou.
A oradora sublinhou que o escritor “foi considerado por muitos como o poeta do amor, mas esse amor tem um fundo místico”. “Toda a poesia de João de Deus encontra um sentido na espiritualidade”, explicou, considerando a obra de João de Deus dividida em três grandes temas: Amor, Natureza e Deus. Neste sentido, explicou que “os dois primeiros encontram a sua essência no terceiro”. “A beleza que João de Deus vê na mulher criou reflexo da criação de Deus. A natureza adquire para o poeta uma essência divina, manifestação do Criador”, justificou.
Elisabete Francisco frisou que “os poemas de João de Deus tornam-se autênticas preces”. “João de Deus imaginou Deus como um artista, criador do sol, da lua, dos vales, da luz, do mar”.
O seminário contou ainda com outras intervenções que sublinharam a relação do poeta algarvio com Teixeira de Pascoaes, Raul Xavier e António Telmo. À tarde foram ainda abordadas a dimensão pedagógica do poeta, sobretudo no que respeita à didáctica da sua Cartilha Maternal. Entre os diversos oradores contaram-se António Ponces de Carvalho e Manuel Ferreira Patrício.