Diretor considerou a visita “sinal de esperança, de força, de alento” para reclusos “encontrarem um novo rumo quando regressarem à sociedade”

Os símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) visitaram ontem de manhã o Estabelecimento Prisional de Silves que acolhe atualmente 63 reclusos, de várias nacionalidades, provenientes das comarcas judiciais do barlavento algarvio: Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Lagos e Portimão.


Após terem carregado a cruz e o ícone mariano da carrinha que os transportou, os cerca de 50 detidos que quiseram estar presentes foram convidados a um momento de oração em que cantaram, escutaram a Palavra de Deus e meditaram.
O momento mais alto foi quando cada um foi convidado a ir junto daqueles objetos simbólicos, tocar-lhes e fazer a sua oração pessoal, pedindo a Deus “aquilo que neste momento mais necessita”. “Será um momento de oração, um momento vosso, de intimidade que todos vamos acompanhar em silêncio orante”, introduziu o padre Nelson Rodrigues, membro da equipa do Setor da Pastoral Prisional da Diocese do Algarve responsável por acompanhar aquela comunidade prisional.

Seguiram-se momentos de veneração e oração, com sentido de respeito e emoção, da parte de quase todos os participantes.
O padre Nelson Rodrigues, que chegou acompanhado de um colaborador e dos dois responsáveis pelo transporte dos símbolos pelas paróquias da vigararia de Loulé, explicou que os mesmos “foram confiados aos jovens do mundo por um santo que, quando viveu, foi Papa da Igreja: João Paulo II”. “Confiou estes símbolos aos jovens para que fossem sinais do amor que Deus nos tem, sinais da paz e da unidade”, realçou.
“A grande alegria do nosso Deus é quando um dos seus filhos muda da vida, reconhece que aquilo que trouxe no seu coração até aos dias de hoje não lhe trouxe a felicidade e que há uma felicidade nova que deve ser acolhida. E só assim é que compreendemos porque é que o Papa João Paulo II apresenta uma cruz e uma Mulher como símbolos da paz, do amor e da unidade”, desenvolveu.
Nesse sentido, o padre Nelson Rodrigues alertou que o complexo de inferioridade é algo que impede a felicidade. “Quando isso acontece sabem qual o perigo que nos traz? Procuramos ao máximo, com todos os meios, ser superiores aos outros. Ora a felicidade só nos vem de uma coisa: é quando nos sentimos iguais. Eu não sou menos do que ninguém, mas também não sou mais do que ninguém. Sou igual a todos os outros”, frisou.
“Pelo facto de estarem neste estabelecimento prisional vocês não são menos do que os que estão lá fora. Mas também não se convençam de que são mais. Nem menos, nem mais. Somos iguais”, prosseguiu, apelando à conversão de vida. “O sistema colocou-nos aqui. Estamos aqui a cumprir uma pena ou à espera de a conhecer, mas aos olhos de Deus sou um filho tão amado como qualquer outro. Não sou menos amado do que o padre. Também não sou mais amado do que o padre. Sou igualmente amado. E quando descobrimos este amor na nossa vida temos as forças necessárias para nos transformarmos. Posso fazer um upgrade à minha vida, ser muito mais, elevar-me a um nível que ninguém acredita, porque Deus acredita em mim”, afirmou.

Reconhecendo-se igual aos demais, confessou que a sua história é a “de alguém que, usando mal a sua liberdade, tentou a felicidade a todo o custo nos sítios errados”. “Mas um dia percebi que fui amado por Deus desde sempre e resolvi mudar a minha vida”, completou.
Referiu-se “àqueles que estão privados da sua liberdade, mas procuram uma liberdade maior que é a liberdade interior, a liberdade da vida”, pediu-lhes que “rezem o terço diariamente”. “Seja a vossa companhia na vossa cela aqui nesta casa. Não se ocupem apenas com coisas inúteis. Peçam muito ao Senhor que vos ajude a ser pessoas melhores, como eu procuro também pedir a cada dia”, desafiou.

O assistente lembrou que alguns reclusos já conseguirão participar na próxima JMJ. “Preparem-se espiritualmente para esse encontro. Seria muito bom podermos acolher o convite do Senhor a uma vida transformada e depois celebrá-la com o Papa em Lisboa em 2023”, aconselhou.
Ao Folha do Domingo, o diretor daquele estabelecimento prisional considerou que a visita dos símbolos procurou ser para os reclusos “um sinal de esperança, de força, de alento para encontrarem um novo rumo quando regressarem à sociedade”. “É uma mensagem que nós também tentamos transmitir-lhe no dia a dia. Todos eles têm direito a uma oportunidade. Para regressarem à sociedade têm de encontrar um novo rumo para as vidas deles”, afirmou Ricardo Torrão, garantindo que o que mais o entristece e à sua equipa é ver “duas vezes a mesma cara entrar pela porta”.
O padre Nelson Rodrigues, que é pároco de Silves, visita aquela penitenciária semanalmente para um “encontro de catequese com todos” na primeira terça-feira do mês e nas restantes para atendimentos pessoais: confissões, direção espiritual, etc. Aos sábados, os reclusos são ainda visitados por uma equipa da paróquia.
Ricardo Torrão disse que esse apoio espiritual “é fundamental” para os detidos. “É alguém que vem de fora, com um olhar diferente, menos julgador do que foi a conduta do recluso”, referiu.
A Igreja Evangélica também presta apoio naquele estabelecimento, embora não o tenha ainda retomado desde o fim do confinamento.

Os símbolos da JMJ estão a percorrer o Algarve até ao dia 27 de novembro, segundo um itinerário que já contemplou a visita aos três estabelecimentos prisionais da região. Naquele dia serão levados até Mértola, onde serão entregues aos representantes da vizinha Diocese de Beja.
A Cruz da JMJ foi entregue pelo Papa João Paulo II aos jovens em abril de 1984 e marcou o início de uma peregrinação da juventude de todo o mundo; em 2000, o mesmo pontífice confiou aos jovens uma cópia do ícone de Nossa Senhora ‘Maria Salus Populi Romani’.