Uma tertúlia, promovida no passado dia 27 de abril pelo Instituto Piaget de Silves, realçou a necessidade de a Escola e a Igreja caminharem juntas na reflexão de temas importantes para a sociedade.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O encontro, subordinado ao tema “A Igreja – o problema atual e soluções”, teve lugar no edifício da própria instituição académica e contou com a participação do pároco de Silves, o padre Rafael Rocha, o capelão da Universidade do Algarve (UAlg), o padre António de Freitas, a socióloga Ana Cristina Guerreiro e a professora da Escola Secundária de Silves Carla Rosete.

Ao Folha do Domingo, o pároco de Silves explicou que a iniciativa resultou do desafio lançado por si ao diretor daquela instituição académica para ali se “poder começar uma Pastoral Universitária”. O padre Rafael Rocha acrescenta que o interlocutor anuiu prontamente à proposta.

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“Não estamos aqui para catequizar ninguém. Viemos aqui para dialogar convosco”, clarificou o sacerdote na tertúlia que decorreu no auditório com a participação de cerca de 60 estudantes que por ali passaram. Ao longo de quase duas horas de conversa foram abordados temas como o celibato dos padres, os abusos sexuais de menores ou o aborto. “É necessário que possamos dialogar sobre os assuntos, sermos capazes, com palavras simples, de explicar o nosso ponto de vista e o porquê da nossa posição”, considerou, lamentando o “receio” da Igreja do questionamento “sobre determinados assuntos”.

O padre Rafael Rocha alertou, por outro lado, que “no dia em que a Igreja deixar de ser fiel à Palavra de Deus, perde-se por completo”, considerando que tem sido essa fidelidade que a tem sustentado ao longo de dois mil anos de existência. “No dia em quisermos distorcer o que lá está, vai desmoronar-se tudo”, sustentou.

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O padre António de Freitas também considerou que “há coisas que são imutáveis, tendo em conta aquilo que são os valores do Evangelho” e defendeu que “a Igreja tem de se reconstruir numa maior fidelidade a Cristo”. “Passa por aqui o ponto-chave de uma renovação da Igreja. Se não houver coerência nesta relação com Cristo e com o Evangelho, então também não estamos a servir bem a sociedade e não estamos a ser a Igreja que devemos ser”, advertiu, acrescentando que os desvios do Evangelho levam a cair em “erros e fragilidades”. “Se há coisas que a Igreja tem de repensar? Certamente. Mas também há coisas que nunca podem mudar”, vincou, acrescentando que “a Igreja é sempre este lugar onde há espaço para o diálogo, o debate, para a criatividade” e para se pensar “de modo novo”.

O sacerdote considerou, por isso, que a Igreja não está parada no tempo, ainda que o andamento “possa ser um bocadinho mais lento do que a sociedade quereria”, e alertou que as “altas velocidades” são muitas vezes a causa de acidentes.

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Ana Cristina Guerreiro, que pertence à paróquia de Silves, reforçou a ideia de que a Igreja não está parada. “A nossa fé é um caminho, não é estanque. Sobretudo quando se trabalha com jovens temos de estar em busca e em movimento porque eles põem em questão muita coisa”, testemunhou, acrescentando que trabalhar com a juventude é “uma lufada de ar fresco” que também a ajudou a descobrir o seu “caminho na fé de outra forma”.

Aquela socióloga destaca, por outro lado, que, apesar de alguns períodos de maior afastamento da paróquia, foi “sempre muito bem acolhida e sentia sempre muito calor de todas as pessoas da comunidade” quando regressava. “Quando o meu filho nasceu vinha praticamente só à Missa, mas nunca perdi o vínculo”, contou, explicando que chegou depois a ser “coordenadora da catequese durante 13 anos”.

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O padre António de Freitas aludiu ao atual momento de reconstrução da Igreja. “Como é que se reconstrói neste contexto uma imagem de Igreja que corresponda mais àquilo que deve ser a verdade da Igreja? A primeira parte passa por uma comunicação capaz com a sociedade”, acrescentou, considerando que a incapacidade de o fazer “foi um dos problemas nos últimos meses”. O sacerdote exortou a Igreja a “comunicar com verdade e transparência, sem ter medo de assumir as falhas”. Mas também a comunicar com “uma linguagem que seja percetível por todos”.

O padre António de Freitas lembrou ainda que, pelo “facto de haver falhas e quem falhe, não significa que todos e que toda a Igreja seja assim”. “Que há fragilidades e coisas e pessoas menos boas, há. É evidente. Mas a experiência que eu tenho é que há muita gente boa, quer para a Igreja, quer para a sociedade em que está empenhada”, sustentou.

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Carla Rosete, por sua vez, explicou que não vai à igreja “por causa das pessoas que lá estão”. “Vou à igreja porque está lá Jesus”, certificou, acrescentando: “a comunidade faz parte de ser Igreja com os seus defeitos porque somos todos imperfeitos”. “Há muitas imperfeições, muitas diferenças, mas isso é o que faz de nós comunidade”, concluiu aquela professora que substituiu Ana Cristina Guerreiro na coordenação da catequese da paróquia de Silves.

Concretamente sobre o tema dos abusos, o padre António de Freitas lembrou que “o passo importante” de constituição de uma comissão independente para o estudo da “gravidade do que nas últimas décadas terá acontecido” foi dado pela própria Igreja. “Isto é enfrentar a verdade e expor com transparência as fragilidades”, considerou, acrescentando ser preciso não esquecer “que há coisas boas que não podem ficar apagadas podendo pensar-se que na Igreja é só aquilo que acontece”.

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Sobre o tema do celibato dos sacerdotes, que tantas vezes surge associado ao anterior, o padre Rafael Rocha considerou que “a pergunta que se tem de fazer a um padre não é se ele quer casar, é se ele é feliz com a sua decisão e a sua escolha”. “Há pessoas que não querem uma relação porque querem abraçar a sua vida profissional ao ponto de se dedicarem plenamente à sua profissão porque querem atingir objetivos grandes e ninguém as questiona”, evidenciou o pároco de Silves, considerando que o questionamento no caso dos sacerdotes acontece pela sua opção de vida que garantiu ser “uma escolha pessoal e uma escolha de amor”.

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Questionados pelos alunos relativamente à temática do aborto, os intervenientes lembraram que a Igreja defende sempre a vida, independentemente das circunstâncias em que ela surja. “A Igreja não vê quem nasce como uma coisa que pode ser jogada fora. Vê um ser com o dom de vida, alguém que tem tanto direito à vida como qualquer um de nós. Independentemente das circunstâncias como foi concebido é um ser humano que vai nascer, que poderá ter uma vida e que, naturalmente, vai gostar tanto da sua vida como eu gosto da minha e como qualquer pessoa que aqui está gosta da sua”, afirmou o padre Rafael Rocha.

O padre António de Freitas acrescentou que “a perspetiva da Igreja é a da fidelidade à Palavra de Deus” e defendeu que “assim como pode ficar a marca difícil de pensar que aquele filho é fruto de uma situação má”, também “a marca que fica por ter abortado é muito complexa”. O sacerdote lembrou que “a Igreja acolhe sempre a pessoa qualquer que seja a circunstância”.

Carla Rosete lembrou que as circunstâncias e os sentimentos em relação às mesmas mudam e que “o que hoje pode parecer um inferno” e algo que “vai atrapalhar a vida para sempre, amanhã pode não ser”. “A criança que aquela mãe pode não querer pode ser muito amada por outra mãe que não tem qualquer hipótese de ter um filho. Porquê descartarmos um ser humano quando ele pode seguramente vir a ser amado por alguém?”, acrescentou.

Por fim, o padre Rafael Rocha disse esperar o convite das restantes escolas da cidade para lá ir debater estes e outros temas como acontecia em Tavira quando estava nas anteriores que tinha a seu cargo.