Um «tesouro» patrimonial do século XVIII foi descoberto em meados do mês de abril, no início das obras de recuperação de um anexo da igreja de São Francisco, em pleno centro de Loulé.
As peças, que pertencem à antiga decoração daquela igreja da paróquia de São Sebastião, estavam guardadas numa desconhecida divisão anexa ao espaço que ia começar a ser recuperado para funcionar como capela mortuária.
Quando iniciaram os trabalhos para desobstruir aquela área – cedida gratuitamente durante vários anos a um carpinteiro para o exercício da sua atividade profissional cessada há cerca de duas décadas –, os trabalhadores deparam-se com um taipal ao fundo da sala que escondia a entrada da divisão interior onde estava o material.
“O responsável da obra telefona-me e diz que tem um grande problema porque foram começar a tirar lixo e viram aqui um taipal e quando abrem o taipal viram muitas imagens e muitos altares lá dentro e não sabem o que hão de fazer”, contou entusiasmado ao Folha do Domingo Armando Semedo, membro do Conselho Económico paroquial, testemunhando a surpresa que teve quando chegou ao local com o pároco de Loulé, o padre Carlos de Aquino. “Ficámos completamente espantados”, recordou.
Na divisão desconhecida – completamente lotada, cheia de pó e pouco iluminada pela pequena janela, visível apenas do quintal interior de uma casa particular contígua – estavam elementos de retábulos e nichos de talha dourada, imagens, caixas com paramentaria, algumas alfaias litúrgicas, documentos vários, alguns da primeira década do século XX, entre muitos outros objetos.
Os nichos vermelhos e dourados encontrados são, segundo o especialista em talha Francisco Lameira, do segundo do quartel do século XVIII, período do reinado de D. João V. Aquele historiador, convidado pelo padre Carlos de Aquino para ver o achado, refere que os nichos barrocos em talha estariam colocados nas paredes laterais, “provavelmente da capela-mor, onde estariam as imagens”, também encontradas.
De acordo com Francisco Lameira, as imagens, a maioria de roca, fariam parte da antiga Procissão das Cinzas. Entre elas foram descobertas esculturas de Cristo ressuscitado, de Nossa Senhora da Assunção, de São Francisco, para além de uma do Senhor dos Passos, de maior dimensão.
O historiador destaca ainda um outro retábulo de talha dourada com tons de azul, resultante de uma segunda campanha de obras, datada da segunda metade do século XVIII. Com elementos do período rococó, o retábulo parece ser o do antigo altar do Santíssimo Sacramento, por incluir o respetivo sacrário.
Os achados estavam em relativo bom estado de conservação, como confirmou Francisco Lameira, não obstante estarem agora a ser sujeitos a um processo de limpeza, desinfestação, consolidação e de completa inventariação. Talvez isso possa ser explicado pelo facto de a sala que os acolheu, com teto de abóbada sem infiltrações, não ter níveis elevados de humidade e a ventilação ter sido garantida pela janela para o exterior com vedação de rede metálica.
Ao Folha do Domingo, o padre Carlos de Aquino adiantou que “os altares que se considerar estarem perfeitas condições serão reconstruídos”. “Os outros altares, que exijam alguma reparação ou restauro maior – temos que fazer esse estudo – ficarão para o museu que também se vai construir”, completou o pároco, acrescentando que “algumas imagens já não estarão em condições de regressar ao culto”, mas “serão peças do museu”.
O património ter permanecido até hoje desconhecido das atuais gerações explica-se pelo facto de as pessoas acreditarem que tinha sido destruído. “A população pensava que tinha ficado tudo partido e que tinham deitado tudo para o lixo. O que quer dizer que as pessoas se habituaram a aceitar essa desgraça como verdade”, justificou Armando Semedo. Aquele responsável realça ainda que os proprietários do quintal contíguo (mais tarde adquirido pela paróquia) sabiam que havia ali uma janela, mas “pensavam que era para uma cave e nunca se importaram com isso”.
A datação da retirada dos retábulos permanece inconclusiva. Sabe-se apenas que em 1958 ainda permaneciam na igreja, segundo um inventário do espólio existente realizado pelo pároco de então, padre Luís Celato, dehoniano italiano, chegado à paróquia de São Sebastião um ano antes. O documento refere, por exemplo, no corpo da igreja a existência de “cinco nichos de cada lado onde se colocavam imagens da Procissão dos Terceiros” “já retiradas” e, “entre eles, cinco pinturas a óleo à direita de santos franciscanos e à esquerda de santas carmelitas”. Objetos encontrados com data da década de 1960 provam que o acesso à sala, que serviu como arrecadação, terá ocorrido pelo menos até àquela altura.

O padre Carlos de Aquino considera que quem guardou todo o material “teve a sabedoria de as coisas não serem vendidas, perdidas, queimadas, ao deixar para memória futura aquilo que era o espólio e a riqueza da igreja”. “Isto é maravilhoso, é um património incalculável”, considerou. O padre Carlos de Aquino garante ainda que o sucessor do padre Celato, o padre José Nobre Duarte, falecido em 2015 – que foi pároco de Loulé durante 39 anos (de 1967 a 2006) e viveu na cidade durante 47 – nunca fez referência nem àquele espaço, nem ao espólio que ele continha, nem sequer à igreja com a talha.

O sacerdote assegura que o antigo pároco apenas indicou que algumas peças retiradas da igreja se encontravam guardadas nas salas incluídas na primeira fase de obras concluídas há cerca de um ano. “Dessas salas tirou-se os quadros da via-sacra e telas, andores e imagens que já estão na igreja”, contou o padre Carlos de Aquino, acrescentando que aquelas salas, entretanto recuperadas, destinam-se agora para atendimento, reuniões e para uso da Ordem Franciscana Secular.
