Entre os cerca de 4 mil sacerdotes (e também os 125 cardeais e 400 bispos) que concelebraram a Missa exequial do Papa emérito, que esta manhã reuniu milhares de pessoas na Praça de São Pedro, no Vaticano, um deles acabou por representar toda a Igreja algarvia. O padre Pedro Manuel, sacerdote da Diocese do Algarve, esteve presente como resultado de um impulso interior que conta ter sentido mal soube da morte de Bento XVI.
Num testemunho escrito para o Folha do Domingo, o sacerdote conta como decorreram e o que representaram as últimas 24 horas vividas no coração da Igreja que se despediu de um Papa que deixa uma herança espiritual de enorme valia.
“Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz”
Foi com estas palavras que o Santo Padre, o Papa Francisco, concluiu a homilia das exéquias do Papa Emérito, Bento XVI.
O dia 31 de dezembro amanheceu triste não só pelo peso do ano que findava mas também pela notícia da morte do Papa Emérito Bento XVI. Ao ler a notícia, ainda sem confirmação oficial pelos meios habituais da Igreja, decidi que iria tentar deslocar-me a Roma! Sem saber a data do funeral fiz um cálculo… 5/6 dias… Assim pensando, comprei de imediato uma viagem de ida e volta sem saber as datas. Se os meus cálculos estivessem errados não perdia muito pois a viagem foi barata, se estivessem certos, seria uma oportunidade certamente inolvidável.
Creio que jamais esquecerei as últimas 24h. Chegado a Roma após uma viagem dura, busquei o motivo que me trazia cá – rezar in loco pelo Santo Padre, o Papa Emérito, que partira para o céu. Os últimos dias tinham sido de memórias e, quiçá, alguma síntese relativamente a este pontificado. Eu próprio recordei as vezes que tive a graça de estar perto de sua santidade antes e depois da minha ordenação. Recordei palavras, gestos e acontecimentos, e quando aterrei em Roma tive a oportunidade de iniciar uma verdadeira peregrinação. Procurei a fila que me conduziria à Basílica de São Pedro, esperei, caminhei e rezei. O objetivo dos últimos dias estava semi-alcançado. Iria conseguir rezar diante dos restos mortais do Papa que tanto admirava… e no dia seguinte (hoje) iria concelebrar na missa do seu funeral.
Tudo isto me fazia sentido… a percepção da missão daquele pontificado aparentemente tão curto, a mensagem da humildade na sua resignação (e o seu silêncio nestes dez anos de clausura) e o anúncio dos seus dias finais pelo Papa Francisco no passado dia 28/12. Tudo isto me pareceu enquadrado.
A entrada na basílica de São Pedro, revestiu-se de um caráter muito particular. Creio que não vi mais nada nem contemplei muito mais que o corpo morto de Bento XVI, como expressão de uma vida cheia de imortalidade e de um testemunho até ao fim de Fé e fidelidade à Igreja. Diante dos seus restos mortais emocionei-me agradecido pelo dom de ter acompanhado este pontificado, esta resignação e até o silêncio dos últimos anos tão pouco interrompido por alguma palavra de profecia e de fundamento! Em silêncio, creio que como tantos que ali estavam, disse muitas vezes obrigado a Deus por este seu servo e por me permitir assistir e viver estas coisas todas. Rezando pelo Papa que foi, rezei pelo Papa Francisco, que está, e que hoje na celebração da eucaristia nos oferecia a tristeza do seu olhar porque o nosso “avô” comum tinha partido.
Hoje, às 7h da manhã, hora italiana, eu estava na praça, a sentar-me para concelebrar na eucaristia. Éramos muitos. Estava frio e estava silêncio, mas sobretudo estava a Igreja. Tantos, tão diferentes e talvez por isso nos sentíssemos “Todos”, de todo o mundo, ali, no coração da Igreja.
Uma celebração imensa e uma manifestação de Fé expressiva. Um Papa presidia ao funeral de outro Papa. Coisa inédita…
Poderia destacar muitas coisas, o título desta partilha já é um destaque. Sublinho, no entanto, a citação que o Papa Francisco fez do seu antecessor: “apascentar significa amar, e amar quer dizer também estar prontos para sofrer. Amar significa dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença”.
Obrigado Papa Bento por nos ter deixado esta forma tão linda de servir a Igreja! Palavras e frases para descrever o homem, o cristão e o pastor, encontraríamos tantas e tão profundas que talvez nem conseguíssemos transmitir em plenitude a profundidade do seu significado. Deixo uma, talvez a que mais tem marcado o meu sacerdócio: “Deus é a única riqueza que o mundo espera encontrar no sacerdote” (16.03.2009).
Em jeito de conclusão partilho ainda o emocionante momento da despedida do féretro do Santo Padre. A multidão irrompeu numa salva de palmas e os gritos de “Santo Subito” do passado, voltaram a ecoar na praça. Talvez não seja tão súbito quanto isso, no entanto, a santidade da humildade e do silêncio já lhe são francamente reconhecidas.
– Que por amor a Jesus, sejam sabiamente imitadas!
Muito obrigado, Santo Padre e que descanse em Paz.