O espólio documental e material de uma paróquia é o retrato da sua comunidade; o mesmo é dizer, da sua fundante missão e ação evangelizadora. Com efeito, “as fontes históricas ligam a Igreja num ininterrupto regime de continuidade”, que, partindo da mensagem de Jesus, “passa através dos escritos da primeira comunidade apostólica e de todas as comunidades eclesiais, chegando até nós num proliferar de imagens que documentam o processo de evangelização de cada Igreja particular e da Igreja universal”1.

Desde a construção de templos, seu adorno artístico, espólio e alfaias, até à memoria documental que vai fixando o seu percurso, tudo tende, “por natureza, a exprimir de algum modo, nas obras saídas das mãos do homem, a infinita beleza de Deus” e, assim também, a função de conduzir “o espírito do homem até Deus”2.

Justifica-se pois, que este manancial de vida atraente e edificante, “grande rio da traditio ecclesiae” como apelidou João Paulo II3, seja conhecido, apreciado, preservado e difundido. A Igreja pede-nos tudo isto desde sempre, através dos seus órgãos de atuação e comunhão, tais como os Concílios, Sínodos e pontuais documentos pontifícios e diocesanos, evidenciando-se de sobremaneira a sua Lei Geral, que é o Código de Direito Canónico. Aí, no conjunto das disposições destinadas a regular a vida cristã e a catolicidade da Igreja, se alicerça também o corpo das prescrições que hão-de inspirar em toda a Igreja, tudo o que à arte sacra, arquivos e demais património, diz respeito.

Celebrar estes 325 anos, é também oportunidade para evocar a memória do Bispo D. Simão da Gama que, correspondendo aos anseios da comunidade piscatória, elevou a paróquia, um lugar que era um ajuntamento em que “só haviaõ huas palhotas em que viviaõ”, desanexando-a, por Provisão de 10 de Julho de 1695, da sua afastada Matriz de S. Sebastião de Quelfes.

“Á custa dos homens do mar deste povo”, permitiu-lhes o afetuoso pastor a construção de um amplo e alargado templo, moldado no coevo e caprichoso estilo barroco, suficientemente capaz de abrigar a comunidade de então e de acompanhá-la e vigiá-la do alto da sua torre e através do olhal do seu farolim.

Continuou o Bispo a colocar a comunidade sob a proteção da Virgem Maria com o título de Nossa Senhora do Rosário, como que em diálogo sequencial com a já aqui existente ermida evocativa das Dores da Mãe, desde há muito a acompanhar os riscos e perigos dos seus aflitos “filhos de Olhão”.

A solicitude pastoral de D. Simão da Gama, Bispo particularmente atento às muitas manchas de pobreza do seu rebanho, dispersas por todo o Algarve, foi particularmente sensível ao clamor da comunidade olhanense.

Ele, que já criara na sua Sé, em Faro, uma capela dedicada à Virgem do Rosário, levanta-Lhe em Olhão uma nova paróquia com um título que, vindo de longe na espiritualidade da Igreja, ainda proximamente, fora particularmente lembrado por toda a comunidade católica. De facto, em 7 de Outubro de 1571, aquando as águas do Mediterrâneo eram sulcadas pelos Otomanos, a intercessão do rosário pedida pelo Papa Pio V, garantiu vitória perante tão eminente perigo avassalador.

Agora, os heroicos “guerreiros do mar” de Olhão, encontravam na sua padroeira, apoiado incentivo para nela confiarem e perseverarem, agarrados, também eles, à vitória do seu rosário.

Em boa hora, nas comemorações dos 325 anos da criação da paróquia de Olhão, uma comissão interparoquial local, com particular empenho do respetivo Município, decidiu-se por fixar esta efeméride, dignificando, valorizando e dando a conhecer, as gratas memórias dos seus Bens Culturais.

A iniciativa corresponde e sintoniza o exposto pensamento geral da Igreja; pelo que a Diocese do Algarve, na pessoa do seu Bispo e seus órgãos de atuação e comunhão, se regozija com tão elevado projeto, ao mesmo tempo que incentiva a comunidade eclesial e concelhia a se reencontrar com o seu fecundo passado e, assim, recolher dele as suas próprias raízes e incentivos futuros.

Cónego José Pedro de Jesus Martins,
diretor do arquivo da Diocese do Algarve

1 cf. João Paulo II, Carta Circular, A função pastoral dos arquivos eclesiásticos, 2 de Fevereiro de 1997
2 Sacrosanctum Concilium nº122
3 Discurso de João Paulo II aos participantes na Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja, a 31-03-2000, nº4