O Vaticano promove entre hoje e amanhã um inédito Jubileu dos Missionários Digitais e Influenciadores Católicos, iniciativa apresentada como “um marco para a evangelização online”, com participação portuguesa.
Um dos portugueses presentes é o padre Miguel Neto, sacerdote algarvio, responsável também pelo Secretariado das Comunicações Sociais e pelo Gabinete de Comunicação da Diocese do Algarve.
“A minha grande preocupação tem a ver com os discursos de ódio, os posicionamentos incorretos e acho que a Igreja, em vez de estar a usar as ferramentas do digital, o ambiente digital para a sua evangelização, há de evangelizar verdadeiramente o mundo digital”, disse à Agência Ecclesia o sacerdote que está a preparar a defesa de uma tese de doutoramento em comunicação, centrada no clero português e “competências digitais”.
O encontro, no contexto do Ano Santo, reúne mais de mil participantes, vindos de 58 países.
“Quis ver quem são as pessoas de carne e osso que estão por trás dos influencers digitais católicos e tentar perceber como é que a Igreja pode, já não apenas utilizar o mecanismo digital, porque acho que temos de dar um passo em frente, que é evangelizar o mundo digital”, refere o padre Miguel Neto.
Para o sacerdote algarvio, este passo exige “formação e disponibilidade” dos agentes católicos. “Até este momento, demos muita importância à componente técnica, à imagem e é importante. Agora, acho que a Igreja precisa de cuidar da mensagem e do conteúdo”, indica.
O entrevistado sublinha o lema deste evento jubilar, ‘Uma Igreja sem fronteiras’, como forma de superar a “fragmentação” entre os ambientes físico e digital.
O padre Miguel Neto aponta como caminho “menos intensidade, menos concentração de atividades num curto período, mas maior contínuo de evangelização e de comunicação da mensagem do Evangelho”. “Acho que é o maior desafio da Igreja, no mundo digital, é criar uma linha comum de pensamento e de vivência cristã”, acrescenta.
Segundo o Vaticano, este Jubileu é para “todos aqueles que evangelizam no ambiente digital, compartilhando a mensagem do Evangelho em redes sociais, blogs, canais e aplicativos”.
Outro participante algarvio é o padre Paulo Duarte, mas pertencente à Companhia de Jesus (jesuítas). O sacerdote jesuíta, natural de Portimão, refere que “as pessoas estão desejosas de espiritualidade e querem pedir à Igreja: ‘olhem para nós’”, declarou à Agência Ecclesia. “É um outro modo de dizer olhem para nós”, acrescenta.
O sacerdote foi o único português convidado para a promoção do inquérito do Sínodo 2021-2024 nas redes digitais, estando presente nessas plataformas há vários anos, com dezenas de milhares de seguidores.
O padre Paulo Duarte saúda a inclusão, na programação do Ano Santo, de uma celebração dedicada à “realidade nova” do mundo digital, onde “muita gente se manifesta”, na Igreja e na sociedade. “Os dons de Deus estão a ser impostos a render. A tecnologia também é uma evolução do conhecimento”, aponta o entrevistado.
O religioso jesuíta, adjunto do diretor da Rede Mundial de Oração do Papa (RMOP)-Portugal, assume que o “grande boom” da realidade digital, na Igreja, aconteceu a partir da pandemia de Covid-19, em 2020. “As pessoas têm um desejo de Igreja, têm um desejo de comunidade, têm um desejo de se aproximar. A Igreja tem algo a dizer-lhes”, defende.
O padre Paulo Duarte admite que a impressão generalizada é de que “há muita gente a afastar-se da Igreja”, mas vê como contraponto “todas as manifestações ao nível de comunicação e ao nível do digital, que é um meio, é um caminho de encontro”.
A presença online implica desafios, como “lidar com a intensidade das redes” ou a “questão do ego”. “As coisas estão todas aqui, acho que se tem de trabalhar ao nível espiritual também isso”, assume o entrevistado.
Para o sacerdote português, o foco passa pela “criação de relação”, entendendo que “o digital tem de estar em relação com o local”. “Acho que é importante, enquanto Igreja, tomarmos noção de que este é também um meio, como foram a rádio, a televisão, a imprensa, permitindo chegar a mais gente”, acrescenta.
O padre Paulo Duarte indica que, após os primeiros contactos nas redes digitais, as comunidades devem promover o “acompanhamento” das pessoas que chegam, procurando evitar o “imediatismo” e promover a “relação com Deus, uns com os outros”.
O religioso apresenta como “estilo” a publicação de fotografias com texto, assinalando que a necessidade de “tempos de silêncio” têm impactos negativos na lógica do “algoritmo”. “Mesmo que seja uma luta cada vez maior, um remar contra a maré, é preciso promover tempo de silêncio. Que a reflexão seja ajuda ao silêncio”, insiste.
Para o responsável, a presença no digital deve ajudar a “perceber que a relação com Deus não é fogo de artifício”.
Quanto ao encontro no Vaticano, o padre Paulo Duarte espera que o encontro ajuda todos a refletir sobre “as luzes e as sombras, as capacidades e os dons para pôr a render, para ajudar a comunidade”.
O religioso evoca a “muita fragilidade que está escondida atrás de um ecrã”. “Está a aumentar a solidão, estão a aumentar as tensões, às vezes a falta de esperança até o desespero, com tanta informação negativa”, adverte.
O padre Paulo Duarte fala numa “uma grande responsabilidade”, que convida os responsáveis católicos a “pôr os dons a render, mantendo um foco de que o bem tem de ser o bem maior, já não pode ser só o meu bem”. “São milhares de pessoas com as suas dificuldades e nós podemos ajudá-las verdadeiramente de outro modo”, concluiu.
O programa de dois dias inclui conferências, workshops, momentos musicais, painéis de partilha, trabalhos em grupo e várias atividades paralelas.
Após a Missa de abertura, os peregrinos reuniram-se no Auditório da Conciliação para a inauguração do Jubileu, na presença do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, de D. Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, e de Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação.
O arcebispo Fisichella disse aos participantes que “o mundo de hoje não ouve influenciadores, ouve testemunhas, e se ouve influenciadores, é porque são testemunhas”. “Sejam, então, testemunhas, capazes de revelar o valor do silêncio”, recomendou.
Paolo Ruffini, por sua vez, convidou a mudar a relação entre influenciadores e seguidores de acordo com o paradigma de Jesus, procurando “dar um significado profundo à palavra amizade”.
O cardeal Parolin dirigiu-se aos peregrinos para destacar que “falar de missão digital não significa reduzir a evangelização a uma questão técnica ou de comunicação, mas sim reconhecer que o digital faz parte da forma como cada vez mais pessoas pensam, sentem, pesquisam e se relacionam”.
com Agência Ecclesia