(Nota: as palavras em “itálico” são expressões de Fernando Pessoa ou de outra “pessoa”, e seu heterónimo)
Alguém clamaria assim: «Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer… Éramos aquela paisagem esfumada em consciência de si própria… E assim como ela era duas _ de realidade que era, a ilusão _ assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não ele próprio, se o incerto outro viveria…» («Na Floresta do Alheamento», 1913, “Fernando Pessoa” in “A Águia” e também do «L. do D.» ainda com o “outro nome”: “Vicente Guedes”)
O semi-heterónimo “Bernardo Soares” e ainda com “outro nome”; “Vicente Guedes”, por sua vez, neste jogo “trialéctico” e heteronímico sob forte influência de “A. de Campos”, declamaria ainda; «A ideia de viajar seduz-me por translação, como se fosse a ideia própria para seduzir alguém que eu não fosse. (…) E como as viagens as leituras, e como as leituras tudo… Sonho uma vida erudita, entre o convívio mudo dos antigos e dos modernos, (…) Levei dum lado para o outro, de norte para sul… de leste para oeste o cansaço de ter tido um passado, o desassossego de estar vivendo o presente, e o tédio de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço que fico todo no presente matando dentro de mim o passado e o futuro. (…)» (Vicente Guedes, Bernardo Soares, Fernando Pessoa, «Livro do Desassossego»)
Numa carta em resposta a Casais Monteiro de 1935, acha-se o “homo Viator” (“Homem viajante”) plenamente “Moderno” e “Futurista” em Fernando Pessoa, ao atestar, e pela “existência dos heterónimos”, a seguinte teorização; “Vou mudando de personalidade, vou (aqui é que pode haver evolução) enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades novas, novos tipos de fingir que compreendo o mundo… ”, sem não antes o Mestre confirmar; “O fenómeno da minha despersonalização instintiva, (…) conduz naturalmente a essa definição. Sendo assim, não evoluo, VIAJO.” (T. 99, «Teoria da Heteronímia», Fernando Cabral Martins e Richard Zenith) O “erro” tipográfico da palavra “VIAJO” em letra maiúscula, (registado ao premir inadvertidamente uma tecla da sua máquina de escrever), constitui outra “blague” do Poeta e referência inserida na mesma carta. A palavra “VIAJO”, institui uma propositada declamação mas, descrita como um erro de impressão, interligando a “paisagem” e, igualmente, com o “estado de alma” ou a “personalidade”.
O poeta “Sensacionista”, “Luminista” e também “Futurista”; Mário de Sá-Carneiro, emigrado na cidade “Luz” (Paris) e “viajando” também pelo “Tempo” absoluto, por outra vez, responderia de forma contranitente mas, saudosista; «Pois tudo passa, esvoa tão rápido como o tempo. E sofremos da saudade: da saudade do que foi, a menos cruel porque já passou, da saudade do futuro _ que desconhecemos _ da saudade do presente, (…)» ( Sá-Carneiro, “O Fixador de Instantes”, in «Céu em Fogo») Se o “Eu” egotista é Sá-Carneiro, Fernando Pessoa seria heteronimicamente o “Outro” (Sá-Carneiro, in poema «7»).
A “Trialéctica”, de ideias ou pensamentos filosóficos, também se acha no heterónimo “Pêro Botelho”, “outro” Filósofo por mim só agora descoberto na obra; «Teoria da Heteronímia» e dos incansáveis pesquisadores: Fernando Cabral Martins, Richard Zenith. Para além do conhecido “António Mora”, filósofo moderno e futurista já atrás referido nesta crítica, este “novo” mas mais antigo “nome”, concluiria acerca da análise temática “Espaço – Tempo”, e agora proclamado por “P. Botelho” deste modo ; «Foi então que eu compreendi que as noções de tempo e espaço não tinham ainda sido suficientemente analisadas. Reanalisei-as. Comecei por ver que o nosso conceito de espaço era mais abstracto do que o de tempo, sem dúvida porque a nossa análise do espaço objectivo, é o mais fácil. Vou explicar. Na nossa noção de espaço cabem três ordens de coisas: o espaço, o lugar e o movimento.» (“Prof. Serzedas”, in «O Vencedor do Tempo», Pêro Botelho, Fernando Pessoa) Deste modo científico e einsteiniano mas, sempre antinómico, o Mestre tornar-se-ia ainda mais criativo ao conceber o “terceiro” parâmetro do “Futurismo”; o “movimento” mas, através de “P. Botelho”. E engendrando outro moderno “homo viator” no séc. XX, e aludindo à “paisagem” através do termo “lugar”, e por meio deste “outro nome” (“P. Botelho”), talvez, ainda antes do ano de 1913.
Depois, em 1917, “Álvaro de Campos” arremataria acerca dos “heterónimos”, como uma “dissolução absoluta da personalidade” e de que; “Nenhum artista deverá ter só uma personalidade. Deverá ter várias, organisando cada uma por reunião concretizada de estados de alma similhantes, dissipando assim a ficção grosseira de que é uno e indivisível”. E acrescentaria o principal heterónimo pessoano, finalmente, que; “em Arte” deveria existir; a “Substituição da expressão de uma epocha por trinta ou quarenta poetas, por a sua expressão por (por ex.), dois poetas cada um com quinze ou vinte personalidades, cada uma das quaes seja uma Media entre correntes sociaes do momento.” Enfim, um “Superhomem”, ao “escrever em mais generos com mais contradicções e dissimilhanças” e, por fim, proclamando-o bem alto da “Europa” e, “saudando abstractamente o Infinito.” (1917, “ULTIMATUM de Álvaro de Campos”)
Lançados os postulados do “Futurismo” literário lusitano em 1917, com a publicação do magnífico e sempre actual; “ULTIMATUM de Álvaro de Campos” (para além do «Ultimatum futurista às gerações portuguezas do Século XX» de Almada-Negreiros) e da revista; «PORTUGAL FUTURISTA», este manifesto artístico pictórico e literário não teria sido indiferente ao seu Director-Fundador : Carlos Filipe Porfírio. E seria da responsabilidade deste grande Pintor-poeta de Faro a expressão poética; “MOVIMENTO – Beleza” (envolvendo ainda uma enigmática ligação com a “Dança”). O nascimento de muitos “outros” e “vários” heterónimos publicados em «O HERALDO» do Algarve, através da rúbrica; “Gente-Nova-Futurismo”, de que foi principal obreiro (segundo Nuno Júdice), “le danceur” Carlos Porfírio, também juntou “outros nomes”, lançando-se dessa feita para a ribalta poética nacional e internacional. Num total de cerca de “3” dezenas de “pseudónimos”, “epónimos”, “semi-heterónimos”, “homónimos”… e ainda que todos poetas “Heterónimos” e, arrojando-se a algumas “outras” personalidades femininas, “heterónimas”, desafiando os postulados antifeministas de Marinetti, e em vez dos “6” únicos e conhecidos “ortónimos”, essas colunas literárias de «O HERALDO» de Faro, foram organizadas graficamente por Carlos Porfírio (N. Júdice). Mas, também como principal obreiro de muita poesia inserta nas colunas; “Futurismo”, reinventando outros “poetas heterónimos” e, para além de se constituir “outro” Pintor precursor do Futurismo. Mestre Porfírio foi também criador e fundador de importantes poemas, contribuindo desse modo ecléctico para o “Movimento Futurista” e “Literário Moderno” em Portugal. Cabe-lhe, paralelamente, a sua quota-parte na invenção de alguns dos muitos “heterónimos” ficcionados in “Gente-nova-Futurismo”, para além de ter inaugurado em Faro junto a Jorge Barradas a “Grande Exposição de Pintura”, com alguns quadros, e patenteando o “Futurismo” na galeria de Arte do “Teatro Lethes” no ano de 1917.
A “Arte Luz” (“Futurismo”, “Luminismo”, “Sensacionismo”, “Interseccionismo”…) teve um longo alcance. “Um” foi a “chama”, o “Outro” o conjunto óptico dum grande “Farol”. Santa Rita Pintor, esse “intermédio” “pilar”, também não foi esquecido ao ser registado em 1º lugar na capa de «PORTUGAL FUTURISTA», e por ter sido detectado logo no início da derradeira epístola de Mestre Pessoa para Sá-Carneiro. Almada-Negreiros, esse “outro” Poeta e enorme Pintor… ainda seria, talvez, muito “novo” mas, mencionado está na 2ª posição… pelo 3º nome referenciado na capa, achamos o grande Pintor Souza-Cardoso, e que não pôde ser celebrizado em «ORPHEU» “Nº3” (1915) por falta de apoio mecenático para a revista que, por esse facto, não fora entretanto editada. E todos estes “3” Pintores, em ordem de preferência, são anunciados, ou melhor, proclamados com letra redonda, moderna, a vermelho e, sobressaindo da capa branca desta revista internacional. Todos constituem, contudo, parte do conjunto de “lentes” de um “farol”, e propagador da tal “Luz” Futurista. Amadeo de Souza-Cardoso, depois, teria tido finalmente eco pictórico na revista-manifesto «PORTUGAL FUTURISTA», com a reprodução infeliz (por ser a preto e branco) dos seus originalíssimos quadros, tal como Santa-Rita. E com todos estes nomes reunidos, constituiu-se a face da célebre revista do «Movimento Moderno». O farense Carlos Porfírio, responsável pelo arranjo gráfico e, pela sua publicação, iria propagandear tudo e todos. E esse outro “Director-Fundador” inserido está, na primeira página do edital, formando parte da plêiade de pelo menos “6” verdadeiros artistas mas, de forma ecléctica pela “Pintura” junto com a “Poesia”. E faltarão muitos “outros nomes” ligados à “Música” (Luís de Freitas Branco), à “Dança” (António Ferro), ao “Teatro”… contribuindo para a irmanação entre “Literatura”, “Pintura”, e para o “Ecletismo” do «Movimento».
Os axiomas mais atrás descritos nesta dissertação mas, também as frases axiomáticas dos artigos anteriores a esta «Folha do Domingo», e insertos no «L. do Desassossego.» ou no estridente “ULTIMATUM de Álvaro de Campos”, fariam renascer de modo ficcionado várias “personalidades”, mas que pertenceram a “Um” só criativo Poeta e Mestre deles todos; “Fernando Pessoa” e, outrossim, ortónimo.
Carlos Porfírio, por sua vez, seria para além do Pintor o “único” Poeta que recriou alguns heterónimos mas, através de vários “nomes” ficcionados e insertos em «O HERALDO»; o “Nesso” de Faro (“nome de um fantástico centauro”), e em simultâneo com o “Vivino” do Porto, e depois a “Miss Edith” de Lisboa (“nomes de personagens teatrais da revista «Palmadinha nos carecas – Tudo Futurismo» exibida em Faro). Nas colunas de «Gente-Nova-Futurismo», igualmente, nascera; a “Neblina” de Faro (“nome de tema pictórico luminista e, recorrentemente lema poético “Futurista”), e apenas nos referimos a este conjunto de “3” nomes (“Trialéctica”), perfazendo uma verdadeira assemblage de poemas estruturados à maneira do Manifesto Literário Futurista; o “ULTIMATUM”. E “personalidades” “outras” com vidas ou estéticas muito próprias que se enquadram nos mesmos cânones do «Heteronimismo pessoano». E raras são as personalidades femininas… que as houve, também, e várias…
Não devemos ainda esquecer, irmãmente, de outras duas “personalidades” marcantes; o “Pedro de Meneses” (Alfrefo Pedro Guisado), ou a “Violante de Cysneiros” (Armando Côrtes-Rodrigues), que publicaram in «ORPHEU» de 1915, inaugurando este último poeta uma vocação também no género feminino e, “navegando” pela sensibilidade feminil (o “6º sentido” com alguém disse). O primeiro poeta (“P. de Meneses”) teria escrito em “galego” e, obedecendo também à diversidade linguística tal como Mestre Pessoa. São ambos amigos pessoais do Poeta mor, com vária e marcante correspondência crítica epistolar trocada. Estes autores, também seriam os “outros” “dois poetas”, e vibrantes “nomes” mais conhecidos da primeira geração modernista, e que em literatura se apoiaram na ideia de desmultiplicação, da pluralidade pessoal, dos estados de Alma, de geminações, das despersonalizações, enfim da alegada “Outragem” … e, até com, pelo menos, uma “personalidade” feminina.
(continua)
Vítor Cantinho