
© Sabine Leutenegger
Recentemente[1], trinta mil jovens de todos os países da Europa reuniram-se durante cinco dias em Estrasburgo, França. Foram acolhidos por milhares de famílias da cidade e de pequenas terras situadas dos dois lados da fronteira franco-alemã. Para os jovens cristãos e para os que os acolheram, estes dias de encontros e de escuta mútua revelaram o forte de desejo de que surja uma melhor compreensão entre os povos.
Este Encontro de Estrasburgo, cidade que é símbolo de reconciliação, foi o 36º Encontro Europeu organizado pela nossa Comunidade de Taizé numa grande cidade da Europa. Ao multiplicar estas oportunidades para o estabelecimento de relações pessoais, gostaríamos de ajudar os jovens a adquirirem uma verdadeira consciência europeia. O trabalho das instituições é essencial, mas, sem o encontro das pessoas umas com as outras, não se constrói a Europa.
[dropcap]”[/dropcap]Os jovens que vieram a Estrasburgo gostariam de uma Europa aberta e solidária: solidária entre todos os países europeus e solidária com os povos mais pobres dos outros continentes. Desde logo, aspiram a uma outra organização económica: pedem que à mundialização da economia esteja associada uma mundialização da solidariedade.
É evidente que a Europa conhece um período de paz sem precedentes na sua história. Contudo, mesmo se entre o Oriente e o Ocidente deixou de haver um Muro, permanece o muro nas consciências. Os jovens que vieram a Estrasburgo gostariam de uma Europa aberta e solidária: solidária entre todos os países europeus e solidária com os povos mais pobres dos outros continentes. Desde logo, aspiram a uma outra organização económica: pedem que à mundialização da economia esteja associada uma mundialização da solidariedade. Em primeiro lugar, da parte dos países ricos esperam uma generosidade, que se exprime através de investimentos que sejam verdadeiramente a favor de uma maior justiça nos países em vias de desenvolvimento e por um acolhimento digno e responsável oferecido aos imigrantes destes países.
Estes jovens estão conscientes de que, como cristãos, devem estar na primeira linha para viver a reconciliação e a partilha. As feridas da história deixam frequentemente traços profundos e marcam durante várias gerações as consciências e as mentalidades. Contudo, as humilhações sofridas não conduzem necessariamente à violência, mas podem ser saradas. Para participar neste processo, os jovens têm sempre uma possibilidade: recusar transmitir à próxima geração os rancores e amarguras por vezes ainda vivos. Não se trata de esquecer um passado doloroso, mas de interromper a cadeia que faz perdurar os ressentimentos e, assim, sarar aos poucos a memória através do perdão. Sem perdão não há futuro para as sociedades. O estímulo formidável que esteve na origem da construção europeia nasceu em boa parte desta convicção.
Com os jovens de diversas confissões reunidos em Estrasburgo, recordámo-nos que, quando procuramos a reconciliação entre cristãos, não é para nos fecharmos sobre nós mesmos. Procuramo-la para que ela seja um sinal do Evangelho e para que se torne fermento de aproximação entre os homens e entre os povos. Os cristãos reconciliados farão ouvir a voz do Evangelho de forma mais clara, num mundo que precisa de confiança para preparar um futuro de justiça e de paz.
Actualmente, entre cristãos que estão separados em múltiplas confissões, arriscamo-nos a ficar contentes com uma coexistência tranquila. Como ir mais longe? Em Taizé, surpreendemo-nos ao constatar que os jovens que passam juntos alguns dias na nossa colina, ortodoxos, protestantes e católicos, se sentem profundamente unidos, sem com isso rebaixarem a sua fé a um mínimo denominador comum, nem procederem a um nivelamento dos seus valores. Pelo contrário, eles aprofundam a sua própria fé. A fidelidade à sua origem coabita com uma abertura aos que são diferentes. De onde vem isto? Eles aceitam colocar-se sob o mesmo tecto e voltarem-se juntos para Deus. Se é possível em Taizé, por que não será isso possível noutros lugares?
[dropcap]”[/dropcap]não chegou a hora em que será preciso coragem para nos colocarmos todos sob o mesmo tecto, sem esperarmos que todas as formulações teológicas estejam completamente harmonizadas?
Gostaria, por isso, de encontrar as palavras apropriadas para perguntar aos cristãos das diferentes Igrejas: não chegou a hora em que será preciso coragem para nos colocarmos todos sob o mesmo tecto, sem esperarmos que todas as formulações teológicas estejam completamente harmonizadas? Não será possível expressarmos a nossa unidade em Cristo – Ele não está divido – constatando que as diferenças que permanecem na expressão da fé não nos dividem? Haverá sempre diferenças: elas necessitarão de conversas francas, mas muitas vezes podem também conduzir a um enriquecimento.
Façamos com os cristãos de outras confissões tudo o que é possível fazermos juntos. Não façamos mais nada sem ter em conta os outros. Dou alguns exemplos: rezarmos juntos uma vez por ano, durante a semana para a unidade dos cristãos, pode não ser suficiente; pode mesmo tornar-se numa formalidade. Por isso, por que não rezarmos juntos com mais frequência? Em muitos locais, há colaborações interconfessionais, principalmente na pastoral das prisões e nos hospitais. Por que não multiplicá-las, em vez de trabalharmos em paralelo? Isso poder-se-ia mesmo fazer em domínios sensíveis, como a catequese das crianças ou a pastoral juvenil.
[dropcap]”[/dropcap]Não poderiam todos os cristãos considerar que o bispo de Roma é chamado a apoiar a comunhão entre todos, uma comunhão em Cristo, onde podem permanecer algumas expressões teológicas que comportam diferenças?
Abordo um dos pontos mais delicados. Não poderiam todos os cristãos considerar que o bispo de Roma é chamado a apoiar a comunhão entre todos, uma comunhão em Cristo, onde podem permanecer algumas expressões teológicas que comportam diferenças? Não nos indica o Papa Francisco a direcção, ao apresentar como prioridade para todos o anúncio da misericórdia de Deus? Não falhemos neste momento providencial. Estou consciente de estar a tocar um assunto muito quente e de o fazer de forma talvez deficiente. Contudo, para avançar, parece-me inevitável que procuremos modos de entrar neste caminho de uma diversidade reconciliada.
No final do Encontro de Estrasburgo, muitos jovens regressaram aos seus países decididos a serem portadores de paz e de reconciliação. Sabem que todos podem participar numa civilização marcada não pela desconfiança mas pela confiança. Na história, bastaram por vezes poucas pessoas para fazer pender a balança na direcção da paz.
Irmão Alois, prior de Taizé
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[1] De 28 de Dezembro a 1 de Janeiro.