Entre os compositores de música popular portuguesa que desenvolveram as suas carreiras durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, poucos foram os que alcançaram um êxito comparável ao de Alberto Janes.
Nascido no dia 13 de Março de 1909, na bonita vila alentejana de Reguengos de Monsaraz, Alberto Janes licenciou-se em farmácia na Faculdade de Farmácia do Porto em 1934, tendo de seguida regressado à sua terra natal onde se estabeleceu como farmacêutico.
Foi na faculdade que o jovem alentejano revelou um talento inato para escrever canções, mas por motivos profissionais e familiares as suas ambições musicais tiveram de ser adiadas durante quase duas décadas.
Incentivado pelos amigos, o farmacêutico que era musico e compositor amador nas horas livres, decidiu um belo dia deslocar-se a Lisboa com o objectivo de oferecer as suas canções a Amália Rodrigues. Estávamos no início dos anos 50 e Amália era já uma artista consagrada, reconhecida internacionalmente como a maior intérprete do Fado. Ao chegar a casa de Amália, Janes explicou-lhe que era formado em Farmácia mas escrevia canções nos tempos livre, porque a sua paixão era a música e o seu sonho ser artista. Amália ouviu-o atentamente e reconheceu-lhe um talento invulgar, decidindo naquele mesmo instante comprar uma das suas músicas, o célebre “Foi Deus”, que viria a ser gravado em Londres, nas históricas sessões de Abbey Road, transformando-se num êxito imediato em 1953.
“Foi Deus” tornou-se rapidamente indissociável da personalidade musical de Amália, de tal modo que este clássico absoluto do fado foi recentemente escolhido pelo projecto musical “Amália Hoje”, para segundo single do álbum de homenagem àquela que foi a maior cantora portuguesa de todos os tempos.
Em 1957, Amália grava dois novos temas da autoria de Alberto Janes, nomeadamente: “As Rosas do Meu Caminho”e “ Fadista Louco”, que ajudaram a consolidar a reputação do compositor alentejano.
Abertas as portas do sucesso, Janes vendeu a sua farmácia em Reguengos de Monsaraz e mudou-se para Oeiras. No início da década de 1960 assinou algumas canções que foram gravadas por cantores populares como Francisco José e Hermínia Silva, e exerceu simultaneamente o cargo de director da Farmácia Estácio em Lisboa.
A carreira musical de Alberto Janes decorria sem grandes surpresas, até que em 1967, Amália volta a gravar um tema do compositor, nomeadamente: “Um Fado Nasce”, para o álbum “Fados 67”, mais conhecido por “Maldição”.
No ano seguinte a cantora volta a seleccionar um trabalho de Janes, desta vez para lançar como single. A canção intitulava-se “Vou Dar de Beber à Dor”, e foi escrita como uma homenagem ao célebre “A Casa da Mariquinhas” de Alfredo Marceneiro, tornando-se rapidamente num fenómeno de popularidade em Portugal e no estrangeiro, levando Amália a gravar versões deste tema em espanhol, italiano e francês.
Em 1970, a maior intérprete da música popular portuguesa conquista de novo os tops nacionais com uma inspirada composição de Alberto Janes. Desta vez seria o tema “É ou Não É?” a fazer as delicias do público português com a sua melodia contagiante e o tipo de letra bem-humorada que caracterizou uma parte significativa da obra deste compositor, transformando-se na sua imagem de marca.
Com o êxito estrondoso de “Vou Dar de Beber à Dor”, Janes afirmou-se definitivamente como um dos principais compositores amalianos, merecendo da Diva do Fado a honra de ver lançado em Abril de 1970 o EP “É ou Não É”, constituído inteiramente por composições da sua autoria, nomeadamente o já citado “È ou Não É” e os temas “A Rita Yé, Yé”, “ Vai de Roda Agora” e “Lá na Minha Aldeia”, que durante a década de setenta fizeram parte do repertório de Amália nas suas inúmeras actuações ao vivo em Portugal e no estrangeiro.
A colaboração entre Amália Rodrigues e Alberto Janes continuaria no ano seguinte com a gravação do tema “Oiça Lá Ó Senhor Vinho”, editado em formato EP e escolhido para dar o nome ao álbum de 1971 com o mesmo nome, disco para o qual o compositor contribuiu ainda com os temas “Ao Poeta Perguntei” e os êxitos do ano anterior: “É ou Não É “, “Vai de Roda Agora” e “Lá na Minha Aldeia”. De referir que o tema “Oiça Lá Ó Senhor Vinho” é hoje considerado um clássico da música popular portuguesa, tendo sido gravado por Mariza para o seu álbum de estreia, “Fado em Mim”, que curiosamente foi produzido por Jorge Fernando, um dos músicos que acompanhou Amália na fase final da sua carreira.
Infelizmente Alberto Janes viria a falecer no dia 21 de Outubro de 1971, três meses após o lançamento do álbum “Oiça Lá Ò Senhor Vinho”, mas a sua contribuição para o legado discográfico de Amália Rodrigues ainda não havia terminado.
É sabido que logo que atingiu o estatuto de vedeta, Amália adoptou como prática a aquisição de pacotes de canções assinadas pelos seus compositores favoritos ou mesmo por colaboradores pontuais, seleccionando apenas uma pequena parte destes temas para as suas sessões de gravação. Por esse motivo, foi sem grande surpresa que vários anos depois da morte de Janes, a cantora ofereceu ao público português a sua derradeira colaboração com o autor de alguns dos seus maiores êxitos; o single “Caldeirada”, uma interessante composição que podemos classificar como o primeiro fado ecologista, editado no dia 31 de Janeiro de 1977 pela editora Valentim de Carvalho.
No entanto o contributo de Alberto Janes para a música popular portuguesa continuaria a revelar-se durante os anos 80, sendo a sua influência perceptível no trabalho de uma nova geração de compositores que escreveram para Amália alguns temas bem-humorados, claramente reminiscentes do estilo desenvolvido por Janes, nomeadamente: “O Carapau e a Sardinha” de António Avelar Pinho e Nuno Rodrigues, editado em 1980 e “O Senhor Extra-Terrestre” de Carlos Paião, editado em 1982, sem esquecer “Perlimpimpim”, um divertido tema de 1983, composto por Carlos Gonçalvez com letra da própria Amália Rodrigues.
Em 2010 assinalam-se os 80 anos do nascimento de Amália Rodrigues com um conjunto de incitativas culturais que dão seguimento às celebrações do décimo aniversário da sua morte e visam não só homenagear esta grande artista mas contribuir igualmente para a redescoberta do seu importante legado musical. É por isso da mais elementar justiça que se recordem também os músicos e compositores que tanto contribuíram para o fabuloso património artístico que Amália nos deixou. Entre os seus colaboradores mais importantes encontrava-se Alberto Janes, um músico e compositor natural de Reguengos de Monsaraz, que caso fosse vivo, teria festejado este ano o seu centésimo aniversário.