CONHECI este meu amigo Noël Viron na circunstância de ele Mestre e eu aluno, no início dos anos sessenta do século passado. Frequentávamos, na época, uma tertúlia, num dos mais antigos cafés da Europa (1686), o Procope, na rua da L’Ancienne Comédie, no burgo medieval cidade de Paris.
O Professor Viron dedicava uma amizade especial aos seus alunos. Ele e sua mulher, uma polaca que conhecera em Leipzig, em 1942, ambos prisioneiros num campo de concentração nazi, de Wistznitz. Assim No e sua mulher Maria, e nós alunos-trabalhadores, na maioria, haveríamos de construir uma família e uma vivência em que as ideias foram alicerçadas na poesia, filosofia, teatro, humanismo, sendo a liberdade uma componente máxima desses encontros extra académicos.
Mestre Viron e Maria, para quem a minha amizade fora muito especial, numa cumplicidade, num respeito e admiração recíprocas, pelo homem e mulher, e professores; Pais, de todos nós, pelos filhos que não tiveram. Viron respeitando todas as crenças, sendo ele um agnóstico, convivendo e partilhando a vida de casal com uma católica, dividindo-se nas aulas, no convívio, nas tertúlias com gente da Argélia, da Tunísia, de Marrocos, franceses, portugueses, italianos, polacos, etc.
Mestre Viron sempre mostrou essa universalidade do homem perante a multiplicidade das culturas política, religiosa, cultural e etnológica.
Naquele dia de Natal de 1970, o casal, então residindo e trabalhando em Varsóvia, entra-me em casa numa cumplicidade reconhecida. Maria e um bouquet de belas rosas brancas, jogando as flores de Natal para o regaço de minha mulher, perfumando a casa em cheiros conquistados…
Lembras-te? Era a pergunta à memória contada, quando nos atirou, em aula, um livro de Henry Milion de Montherlant, no título La Reine Morte (A Rainha Morta), como leitura. O drama teatral da história trágica dos amores de Pedro 1 e Inês de Castro.
Então, ali mesmo, cada um, com o exemplar de Montherlant, fez a leitura nas suas línguas de origem, a tragédia que o renascentista António Ferreira, no século XVI, haveria de passar os amores trágicos de Pedro e Inês para o conhecimento da Europa culta, passado ao teatro, à ópera, ao poema sinfónico, ao bailado, à história trágica.
Viron e Maria contaram como todos os prisioneiros se uniram no campo de concentração de Wistnitz para representar os amores de Pedro e de Inês nas barbas dos guardas nazis, nessa fraternidade para ganhar a esperança da Liberdade. Depois, ali mesmo, nessa noite que era de Natal, colheram na neve, as belas e selvagens rosas chamadas de Noël (Natal), que Noël feito Pedro ofereceu à sua Maria feita Inês.
Assim foi naquele Natal de 1970, na cidade negra de Saint-Etienne, e coberta por um manto imenso e branco de neve, que Noël e Maria nos trouxeram as campestres e perfumadas Roses de Noël.
E uma sublime recordação, à distância do século XX para o XXI, num dia de Natal, de há 40 anos. Num desejo e vontade.., que não sei se possível, de Feliz Natal , para os leitores da "Folha do Domingo".