Afinal, quem paga a crise?
Por estes dias fomos surpreendidos por uma notícia, que tem tanto de estranha como de normal, uma vez que se passa em Portugal. O chefe do Governo Regional dos Açores, Dr. Carlos César, decidiu dar um subsídio suplementar aos funcionários públicos dos Açores que, tal como os funcionários públicos do resto do país, viram os seus vencimentos serem reduzidos devido aos cortes orçamentais de 2011. Ao escutar esta notícia, dentro da minha surpresa, veio-me à memória o prólogo de todas as edições dos livros de Asterix, o gaulês: "Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos… Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor." Aqui podemos dizer: Todos os funcionários públicos portugueses com rendimentos superiores a 1500 euros viram os seus vencimentos reduzidos devido aos cortes orçamentais de 2011. Todos? Não! Um pequeno conjunto de ilhas, algures no oceano atlântico, resiste bravamente a esses cortes salariais devido ao seu bravo e bondoso chefe.
Não tenho nada contra o arquipélago dos Açores, nem contra os açorianos. Alias, até tenho simpatia pelas suas gentes. Os Açores deram a Portugal grandes nomes da literatura portuguesa.
Nos Açores está a freguesia de Rabo de Peixe, infelizmente a mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da Europa. Porém não me parece legítimo que a atitude do Dr. Carlos César seja uma atitude justa por causa dessa pobre vila. Está a usar a compaixão pelos funcionários públicos açorianos claramente com fins eleitorais, quer na sua continuidade à frente do Governo Regional do Açores, quer na futura luta interna dentro do P.S. pela sucessão de José Sócrates daqui a pouco tempo. Se o Dr. Carlos César quisesse verdadeiramente contribuir para atenuar os efeitos da crise económica nos Açores, em vez de dar o referido subsídio aos funcionários públicos, teria usado esse dinheiro para atenuar a dívida de cerca de 2,5 mil milhões de euros do seu Governo Regional. Uma vez que parte dessa dívida é a empresas privadas, estaria assim a contribuir para a sustentabilidade dessas empresas, mantendo e gerando mais empregos em empresas privadas. Outra hipótese era, com o dinheiro do valor total do referido subsídio, criar estruturas, empreendimentos que empregassem mão-de-obra açoriana que estivesse no desemprego há mais de 2 anos. É claro, que estas e outras medidas não tinham a mesma visibilidade, e não contribuiriam para o sucesso eleitoral do Dr. Carlos César, mas certamente aumentariam uma maior e melhor redistribuição do emprego e da qualidade de vida naquele arquipélago.
É que já não é a primeira excepção à crise em Portugal. Primeiro foi aprovada no parlamento uma alteração à norma dos cortes salariais nas empresas públicas com maioria de capital do Estado e entidades públicas empresariais, abrindo a porta a "adaptações" desde que autorizadas e justificadas "pela sua natureza empresarial", ou seja, para evitar uma suposta fuga de quadros, sobretudo da Caixa Geral de Depósitos para os outros Bancos. Agora esta questão do subsídio do Governo Regional dos Açores. Perante, tudo isto, há uma pergunta que se impõe: Afinal quem vai contribui para o fim da crise? Quantas pessoas? Com tantas circunstâncias e excepções devem ser só para aí uma meia dúzia de pessoas! É que se é por uma questão de argumentos, nós, algarvios, também temos motivos fortes para sermos abrangidos por um regime de excepção. Senão vejam! Vivemos numa região com alto índice de desemprego e de trabalho precário. Porém, por ser uma área turística, somos a região do país com o custo de vida mais elevado! Por isso, também os funcionários públicos algarvios deviam receber um subsídio extra por causa da crise. Igualmente, todos os outros trabalhadores algarvios deviam beneficiar de medidas extra, porque moramos cá, não somos turistas, ganhamos o mesmo que a generalidade dos portugueses das outras regiões, mas como residimos no Algarve temos que pagar os preços altos das zonas turísticas.
Mas o Algarve faz parte de Portugal, tal como os Açores. E é com a união de todos, e não com regimes de excepção, que vamos ultrapassar os tempos difíceis que se aproximam.
Um Santo e Feliz Natal. Através do mistério da encarnação, o Senhor quis abarcar e reconciliar todas as realidades do mundo, sobretudo as mais difíceis e as mais injustas.