O teólogo Juan Ambrosio veio ao Algarve defender que um dos maiores problemas do Cristianismo é apresentar a questão da Salvação “amarrada” ao pecado.
O professor da Universidade Católica Portuguesa, que voltou a ser o protagonista das Jornadas de Ação Sociocaritativa da Igreja algarvia que se realizaram no passado sábado no Centro Pastoral e Social de Ferragudo, lamentou que os cristãos continuem a apresentar a questão da Salvação em termos do “salvar de quê” em detrimento do “salvar para quê”. “Salvar-nos de quê é salva-nos do pecado, da condenação. Só tem sentido apresentar a Salvação assim quando as pessoas se consideram pecadoras. Mas há cada vez menos gente a sentir-se pecadora, logo, não sente necessidade desta Salvação”, constatou.
Ambrosio disse não ser “capaz de aceitar toda uma reflexão teológica que foi desenvolvida, ao longo de anos e anos, que olha para o ser humano sempre a partir de uma perspetiva negativa: que é mau, que não presta, que não é capaz e que, por isso, precisa de ser redimido”. O teólogo frisou que uma “leitura teológica e antropológica correta” não permite este tipo de afirmações porque “evangelizar é, primeiro que tudo, humanizar, promover a dignidade e a condição humana”.
O conferencista evidenciou as debilidades deste modo de apresentar a Salvação de Deus. “Como amarrei a Salvação ao pecado, a primeira coisa que tenho de dizer a uma pessoa que não é crente é: «tu não prestas, tu és pecador, é um miserável e precisas de ser salvo». E ele faz-me um gesto à Bordalo Pinheiro e recambia-me para casa porque eu, para lhe anunciar esta Salvação, tive que o amesquinhar, destruir e fazer dele um reles pecador”, criticou.
Neste sentido, o orador lamentou ainda que se insista na questão da perda da noção do pecado e na necessidade de a recuperar para que as pessoas percebam o que é a Salvação. “As pessoas, o que perderam foi a noção de Deus porque o pecado só pode ser compreendido à luz da noção de Deus”, defendeu. “Eu não descubro Deus por causa do pecado, mas descubro-me pecador por causa do amor que Deus me tem. Só à luz do amor é que eu descubro o que são as faltas ao amor. Só se eu amo alguém e me sinto amado por ele, é que percebo que determinado gesto feriu esse amor. Portanto, se eu não tenho esse horizonte de amor, não entendo que aquele gesto possa ter ferido aquele amor”, sustentou, considerando que “insistir tanto na quebra de uma relação – o pecado – quando essa relação não existe, é de todo incompreensível”.
Juan Ambrosio lamentou igualmente que os cristãos continuem a afirmar que “o pecado é próprio do ser humano”, lembrando que “Jesus Cristo fez-se igual ao homem, exceto no pecado, ou seja, exceto naquilo que é próprio do ser humano”, o que pode induzir ao engano de que “a incarnação é um faz-de-conta”. “O pecado não faz parte da condição humana, mas atinge e degrada a condição humana e é por isso que podemos dizer que Jesus foi plenamente humano porque foi aquele que viveu sem pecado. Não é um ET. É, verdadeira e plenamente, humano e esse é o horizonte. Isso é que é a Salvação”, complementou, lembrando que “o pecado é aquilo que destrói a condição humana” e que “um homem salvo é um homem plenamente humano. “Por isso é que Deus nos vem libertar do pecado, para que possamos ser, verdadeiramente, humanos e, nessa medida, divinizados”, completou.
Neste sentido, Ambrosio refere que a “categoria primeira” de toda a reflexão sobre a Salvação deveria ser o amor. “Deus não tem misericórdia de mim por eu ser pecador, Deus tem misericórdia de mim porque me ama. O lugar de destaque tem que ser dado ao amor e não ao pecado. O lugar do pecado é um lugar segundo”, considera, afirmando que pensar que o Cristianismo é necessário para que Deus ame o homem “é o maior dos equívocos”. “Se estamos convencidos de que Deus nos ama porque somos cristãos, estamos redondamente enganados. O amor de Deus não é uma resposta de Deus a algo que eu faça. O amor é à partida e à cabeça e, desse ponto de vista, o Cristianismo é a maior das inutilidades. Mas é a maior das utilidades quando for a capacidade de eu perceber que posso responder a esse amor de Deus. Não é por eu ser cristão que Deus me ama, mas é por ser cristão que lhe posso responder, perceber melhor esse amor e dizê-lo de uma maneira mais densa”, esclareceu.
O orador acrescentou assim que “a Salvação não é a resposta que Deus arranjou para lidar com o pecado”, mas o “desígnio primeiro de Deus” que quis fazer o homem “participar da condição divina”. “Quando Deus criou a Humanidade, criou-a já para a salvar. E, portanto, o primeiro gesto da Salvação é a Criação. A Salvação está presente desde a Criação, o primeiro gesto que Deus fez em relação a mim”, defendeu, lembrando que, apesar de ter havido o pecado, “Deus não muda o desígnio primeiro e continua na mesma linha de divinizar”.
“Se a Criação já tem este objetivo de fazer o ser humano participar na plenitude de Deus, eu não posso olhar para o ser humano a não ser com outros olhos que não sejam os que veem que o homem é capaz de Deus. Logo, não posso deixar de promover a condição humana em todas as circunstâncias”, completou, lamentando a existência de uma “visão demasiado pessimista e negativa” dessa condição e a apresentação da Salvação “como uma coisa que há-de acontecer no fim dos tempos, lá longe”.
Evidenciando a necessidade de se “fazer outro itinerário” que não fique simplesmente reduzido à libertação do pecado porque é “muitíssimo mais do que isso”, Ambrosio aconselhou à apresentação da Salvação como uma proposta que confira à vida ainda “mais valor, mais intensidade e mais sabor” porque visa “levar a Humanidade àqueles horizontes com que Deus a sonhou”. “A fé é o condimento que apura o sabor da vida. Quanto melhor for esse sabor, tanto mais a fé operará «milagres» nessa vida”, concluiu.
Referência de Juan Ambrosio: