Há algum tempo que ando a reflectir, "com os meus botões", sobre a importância e a influência que a nossa vida privada pode, ou deve, ter na nossa vida pública e profissional. O que deve estar em causa na avaliação da vida profissional de cada ser humano? É somente a sua competência profissional, independentemente do que é a sua vida privada, ou de quais são os seus comportamentos e atitudes fora do seu local de trabalho? Ou, pelo contrário, uma pessoa que exerce uma determinada função ou profissão não pode ter determinados tipos de conduta impróprios na sua vida privada, caso contrário deve demitir-se? Estou a abordar este tema por duas notícias, de âmbito nacional e internacional, que têm abalado a actualidade do país e do mundo onde vivemos.

Primeiro é o caso de Dominique Strauss-Kahn, um filho da elite judia franco-tunisina, que colecciona diplomas (é licenciado em Comércio, Ciências Políticas, Direito e Economia) e títulos (professor universitário, ex-ministro da Indústria, antigo ministro da Economia e director do FMI), considerado tanto por admiradores como por rivais um gestor brilhante e um colosso político, mas também um homem agrilhoado a um incontrolável apetite sexual. O economista francês foi detido a bordo de um avião da Air France, em Nova Iorque, que estava prestes a levantar voo, após ter sido acusado de atacar sexualmente uma funcionária do hotel Sofitel, em Manhattan, onde estava hospedado. Se é culpado ou não, não faço a mais pequena ideia. O que pergunto é, se essa acusação deve ter ou não influência não forma como este senhor é avaliado pelas funções que desempenha profissionalmente e para quais parece que é altamente competente.

Um segundo caso surgiu em Portugal quando uma procuradora, que foi apanhada pela Polícia Municipal de Cascais a conduzir em contramão e com uma taxa de alcoolemia de 3,08g/l, na segunda-feira à noite, foi sujeita um inquérito – crime, que está neste momento no Tribunal da Relação de Lisboa. Será que uma procuradora do ministério público não devia ter outro tipo de comportamento devido à função que exerce na sociedade e na justiça portuguesa? Ou, pelo contrário, a ninguém diz respeito o que determinada procuradora do magistério público faz depois do horário de expediente, independentemente de estar alcoolizada e de conduzir em contra-mão nas ruas de Cascais?

Será que a competência de alguém pode ser posta em causa pelos acontecimentos e atitudes que cada um toma na sua vida privada? Devo dizer que, apesar de andar a reflectir sobre este dilema, ainda não tenho uma opinião definitiva sobre o assunto. No entanto, uma coisa é certa, se os comportamentos impróprios da vida privada não existissem, o problema não se punha. Como diz o povo, "cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém".

Para além disso, esta discussão é, claramente, influenciada pela envolvente cultural dos povos. Veja-se no primeiro exemplo que dei o diferente comportamento e atitude tomada pelos americanos e pelos franceses. Duas sociedades não muito distantes no desenvolvimento económico e tecnológico dos seus países, mas completamente diferentes nos aspectos socioculturais. E nós, portugueses, estamos mais próximos dos americanos ou dos franceses? Deixo à vossa consideração!

Miguel Neto

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico