Mais uma vez, agora e sempre, as palavras. Que são correia de transmissão de sentimentos e de descoberta, meio de comunicação de ideias e de ideais, partilha de conhecimento e de projetos, de sonhos e de realidades. Muitas vezes, partilha de Beleza. Como diz o teólogo Tolentino Mendonça num dos seus textos a que deu o título de A Igreja precisa de um virar de página, “a Beleza integra o património último que dá substância à própria Fé. Sem a Beleza, a experiência cristã permanece incompleta, porque Deus é Beleza, esplendor, glória”. E, depois de se referir aos riscos de um cristianismo “articulado rotineiramente entre convicções e práticas”, reparte connosco esta belíssima estrofe de fé: “O cristianismo é também sobressalto de infinito, paixão pelo absoluto, estremecimento e epifania que nos transcendem, inexplicável insurreição que profeticamente nos levanta”.

Perante a Beleza de Deus, refletida desta maneira no coração dos homens, apetece ajoelhar e dizer com as palavras da poetisa brasileira Adélia Prado: “Meu Deus, me dá a mão, me cura de ser grande. Ó meu Deus, meu pai, meu pai”.
Este desejo de ser “pequenino”, agarrado à mão do pai, este medo de ser “grande”, pedindo ao pai que “não nos deixe cair e nos livre do mal” é mais uma das coisas belas e íntimas do Pai Nosso. A verdade é que vou sempre descobrindo maravilhas nesta oração. Novidades. Caminhos. Abismos de profundidade e de exaltação. Simone Well diz que “é impossível pronunciá-la (a oração do Pater), uma vez que seja, e trazendo a cada palavra a plenitude da atenção, sem que uma mudança, talvez infinitesimal mas real, se opere na alma”. E repito: Ó meu Deus, meu pai, meu pai! E acrescento, ao jeito de Mateus (Mt. 6,11) “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, ou ao jeito de Lucas (Lc. 11, 3): “Dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência.”

Talvez pela novidade da forma prefiro deter-me na versão de Lucas. Mas não só pela novidade – muito especialmente pela profundidade e abrangência da expressão “pão da nossa subsistência”.

A palavra “pão”, quase me atrevo a dizer que está demasiado gasta, por demasiado conotada com o pão da mesa, o alimento do corpo. Se dermos a esta palavra “a plenitude da atenção”, opera-se na nossa alma a tal mudança que traz consigo um quase infinito de outras necessidades, de outras carências, de outras fomes. Em primeiro lugar (e ainda antes do pão da mesa), pedimos o pão eucarístico, que alimenta a todos por dentro, coração e mente, e transborda em alturas de espiritualidade e de êxtase. O Salmo 65 que, entre muitos outros louvores, amassa a providência divina com estes dois pães, justifica a nossa prece e estimula a nossa fome, dizendo: “Tu escutas a nossa oração, seremos saciados com os bens da tua casa no teu santo templo. Cuidaste da terra e fazes brotar o trigo. Por onde passas brota a abundância, vicejam as pastagens do deserto, os campos cobrem-se de rebanhos. Tudo aclama e grita de alegria”.

Mas o pão da nossa subsistência, o pão nosso de cada dia, é também e sobretudo, o pão que sopra do Espírito, o sopro do Senhor que dá a Vida, que é Deus de Luz e de Amor. É o dom da sabedoria das coisas de Deus, o pão da paz e da alegria, da serenidade, do amor e do bem, o pão da confiança absoluta e total no amor e na misericórdia de Deus, mas também do nosso amor por Ele e por todos e por tudo que nos rodeia. Eu sei lá?! É o pão de tudo por que a nossa alma anseia e de que o nosso espírito se alimenta. É o pão da Beleza de Deus. E da sua Luz.

Só cada um de nós sabe, especificamente, do pão que precisa para a sua subsistência. Da quantidade e variedade desse pão. Muito embora “o Pai Celeste saiba bem que temos necessidade de tudo isto” (Mt. 6, 32), foi o Filho que nos ensinou a pedir o pão nosso de todos os dias, o Pão da Vida. E a pedi-lo em abundância.

Silva Carriço