Quando iniciámos esta temática” Comunidade Judaica de Faro”, não entrámos nos séculos pretéritos dessa comunidade, ficámos, simplesmente, na última leva ou seja, com o fim do sistema absolutista português e o início do liberalismo, meio século XIX. Não quero deixar o registo desses homens de altos negociantes, em que William Shakespeare bem deixou registado no seu The merchant of Venice “Mercador de Veneza”, último quartel do século XVI, no que quantos cristãos novos ou cripto-judeus o mercador Jacob Tirado, falecido em Roterdão no século XVII, entre outros, exerceram essa profissão de comércio. Teve o Algarve, durante séculos, por intermédio dos mercadores judaicos, importante intercâmbio comercial, que chegou até à primeira guerra mundial (1914-1918), sendo o chamado comércio dos sabores, sendo o figo uma das sete espécies com as quais Eretz Israel foi abençoada. Sobre o figo se dizia: Cada fruta tem defeitos, mas no figo tudo se pode comer. Assim como os Árabes sentenciavam que o figo é um manjar dos deuses.

Para chegarmos à importância económica do figo algarvio por todas as partes da Europa, em que os judeus, depois os ingleses, holandeses, russos, italianos, entre outras comunidades se instalaram pelo Algarve, sobretudo Faro, nesse comércio que trouxe o último reduto dos judeus até Faro, de 1830/1930. Um século em comunidades que se foram reduzindo, abandonando a sua apregoada Pequena Jerusalém.

Mas se há memória de figura judaica por Faro, foi Samuel Gacon, que no último quartel do século XV, introduziu a primeira tipografia, produzindo o primeiro livro em Portugal, o Pentateuco(1), na judiaria de Faro, 30 de Junho de 1487. Trabalho que apresentaremos em tempo oportuno, pela simbologia do acontecimento nacional.

Regressando ao tempo do clã judaico de Faro, séculos XIX/XX, família culta, onde a mulher judaica teve uma atitude cosmopolita de referência, assim como uma actividade artística destacada, tendo os palcos dos Teatros de Faro: Lethes, Teatro 1.º de Dezembro, Teatro Circo e teatros desmontáveis, como o Bijou-Théâtre, Salão Elite, Salão High-Life, Teatro Chalet D. Amélia. Neste último temos o registo em programa pela Typographia Rua do Albergue, 17 e 19 – Faro, na quarta-feira, 23 de Março de 1898: Grande Récita Dedicada à Colónia Israelita de Faro, a Ópera Cómica em 3 actos “O Boccacio”. É um cartaz de luxo de 50x22cms, em letras douradas, em que a actriz cantora Elvira Roque foi a grande atracção do sarau judaico.

As judias de Faro deslumbraram em beleza e seduções. As suas casas requintadas eram palcos de saraus de canto e de declamações e de música. Rachei Amram, mulher culta das grandes famílias judias de Faro, emprestava a sua voz para espectáculos de beneficência, pelo teatro Lethes. Rachel enchia a cidade de beleza. Mulher generosa, cultivou a solidariedade sem disso se fazer notar, num tempo sem leis de apoio à sociedade carente.

O poeta António Ramos Rosa dedica às judias de Faro, de Portugal, um dos seus emblemáticos poemas:

“Laura abre agora janelas para a antiguidade pura

onde o pão não fermenta onde a luz se guarda
ela ama o azul suave ou o lilás as cores da serenidade
e consagra o mistério do espírito que ascendeu
à pureza de um espaço de serena liberdade.” (2)

500 anos andaram os judeus de Faro pelo mundo. As autoridades régia e religiosa assim o determinaram. Por volta de 1830 vieram os chamados, Levy, Bensliman, Abecassis, Abraham, Sequerra, Amram, etc. Vieram de Rabat, de Fez, de Meknés, de Gibraltar, de Tanger, da Europa. Vieram de todas as bandas onde os deixaram fixar-se, por séculos. Todos vieram cultos e ricos. Falavam as suas línguas e as dos outros. A inglesa era o falar universal e dos negócios. Logo que aqui chegaram criaram sinagogas paras as suas distinções: de ricos e dos menos. Enriqueciam-se e protegiam-se. Construíram casas de luxo e posição. Quanto às sinagogas desaparecidas, sabemos onde existiram.

O dr. Justino Bivar Weinholtz retratou-os: No século XIX a colónia hebraica de Faro, pelo número e categoria dos seus membros tão importante que mantinha duas sinagogas e um cemitério privado. A vida social farense influenciada e condicionada, até certo ponto, pelas festas mundanas que transitavam para a sexta-feira, porque o brilho dessas reuniões vinha das famílias judaicas que não podiam assistir nas noites de sábado, como estava estabelecido nos hábitos burgueses da sociedade da época. (3)

Os antigos cemitérios de Faro foram durante séculos no interior dos templos ou nos adros das igrejas. Seriam extintos, conforme o decreto lei de 28-9-1844 que passariam a construir-se lugares próprios para o descanso dos mortos Assim temos o Cemitério da Esperança de Faro, mandado construir pela Câmara Municipal de Faro. Foi aberto ao culto dos mortos, no ano de 1864.

A comunidade judaica entra em negociações para que se construa o seu próprio cemitério, em terreno comprado num terreno baldio nos arredores desta cidade, no sítio do Vale dos Cães, venda que fazem os excelentíssimos Luis Filipe Pereira do Cadaval e sua mulher D. Maria José de Sousa Barros Campeso, a José Sicasú Moysé Sequerra e Samuel Amaram, negociantes eubreus e moradores nesta cidade de Faro, pela quantia de setenta e dois mil réis metal. Escritura de compra do terreno para o Cemitério Israelita de Faro a 29 de Dezembro de 1851. Secretaria Notarial de Faro, segundo Cartório a cargo do Notário Licenciado Januário Severiano Daniel dos Reis(4).

Assim se continuou pela diferença destes cidadãos farenses do século XIX, em dois cemitérios distintos: o primeiro no Alto da S.ª da Esperança (os cristãos), o outro no Vale dos Cães (os Judeus).

106 foram os enterramentos registados. O primeiro foi Joseph Toledano e o último de Abraham Ruah.

“Falecido Abraão Amarham, em Faro, no dia 23 de Novembro de 1918, pela pneumónica, perda que todos sentiram, pois nunca mais a importante colónia hebraica da capital algarvia registou sombra de fastígio que mantivera até então”. Conforme se regista na “Algarviana”, de Mário Lyster Franco.

Desde 1978 que o cemitério judaico de Faro é monumento nacional.

Teodomiro Neto

1) “Do Pentateuco ao Grito Claro” – Edição Anais M. Faro – T. Neto. 2001/02
2) “Mulheres de Faro” – T. Neto Edição 2003
3) “Judeus de Faro” Justino Bivar – Algarviana
4) “Cemitério Israelita de Faro” – Alberto Iria – Edição Anais M. Faro 1985