Passo à década de 40 do séc. XX. Uma segunda guerra mundial está iniciada. Carlos Porfírio, depois de uma nova e longa estadia em Paris, partindo para outras capitais europeias, regressa com a família: esposa, senhora da aristocracia francesa, uma parisiense, de nome Hélèna Laure de Conink e o filho desta, Lionel de Roulet. É o segundo casamento de Porfírio. Com a esposa Hélène e o jovem Lionel de Roulet, seu enteado, perseguidos pelo nazismo, desde a ocupação de Paris. A esposa e o enteado, pela situação de origem judaica, têm Porfírio um protector. Assim ele protege a sua família, regressando até Portugal. Segundo a imprensa da cidade: “O Algarve”, Outubro de 1939(1). Com a chegada da sua família, depois de um longo repouso, habitam a cidade de Faro, que adquire um cosmopolitismo dos novos e circunstanciais tempos. No ano seguinte, 1941, chega a Faro, a jovem Héléne de Beauvoir, noiva de Lionel de Roulet, que casam em Portugal, na Embaixada de França, em Lisboa, fixando residência em Faro. O semanário “Correio do Sul” publica a notícia que: “Mr. Lionel de Roulet, brilhante estudante da Sorbonne (acrescento, de filosofia e aluno de Jean Paul Sartre) inicia colaboração no “Correio do Sul”. É director do semanário, Álvaro de Lemos(2). Naturalmente, gente culta iria expandir, pela cidade, essa vontade absoluta do conhecimento e das culturas nos seus vários ramos. Os jovens parisienses têm Porfírio para lhes abrir as portas da sociedade farense, mas… em todos os cuidados necessários às suas situações de refugiados. De Roulet vinha incumbido em organizar a criação das Alliances Françaises, (Institutos franceses), sob as ordens de Georges Duhamel, em Portugal(3). Ainda, no mais secreto dos segredos, colaborador dos Aliados para uma Europa Livre. Conforme conversa tida na Alsácia (Goxwiller), em 1982. E nessa duplicidade, encontra aquela, que para nós, aqui, em Faro, foi mais notável e menos secreta, a contribuição cultural: seria um hoby à sua actividade de resistente político. Assim, Porfírio vai, na sombra, encaminhando o enteado para os projectos culturais da cidade. Notável, este aluno admirado do seu professor Sartre, cria em Faro vários pólos destacáveis: Funda o Círculo Cultural Camões – 1941 (que passaria a Algarve – 1943), na sua primeira residência, Praça Alexandre Herculano, n.º 17. Um ano depois organiza a revista cultural, que baptiza de “Afinidades”: um mundo, nos mais admirados colaboradores da cultura europeia. E se Roulet era o cérebro, os farenses foram os obreiros na concretização objectiva. De Roulet protege-se, dando a direcção da revista bilingue (português/francês) ao médico de Olhão, Francisco Fernandes Lopes. De Paris, e da resistência, chega-lhe a nata dos maiores nomes da intelectualidade francesa, em textos de Louis Aragon, Julles Supervielle, Maurice Zermatten, Tomaz Kim, Charles Oulmont, Antoine Saint-Exupéry, Paul Teyssier, Henri Laugier, Simone de Beauvoir, Jean Paul Sartre, Gide, André Malraux, André Breton, Jean Girendoux, Armand Guibert, entre outros. Logo a revista passa a ser produzida na Tipografia União. Armand Guibert, um dos primeiros estudiosos da obra de Fernando Pessoa, chega a Faro a 22 de Janeiro de 1942, chega-nos como pioneiro de todas as figuras da literatura, da música, da ciência. Já os Pequenos Cantores da Croix de Bois estão em Faro em organização do Círculo, para um concerto que ficou memorável.

É nessa segunda-feira de temperatura amena que o autor de Fernando Pessoa – Poètes d’Aujourd’hui- 1960, está em Faro para tratar da “Nova Poesia Francesa”. Deixa para trás os grandes nomes dos clássicos, como Bertrand, Gérard de Newal, mesmo os mais próximos, como Rimbaud ou Baudelaire. Guibert está no presente da França amordaçada, abandonando a poesia, que entre as duas guerras, caíra num excesso du vers français, libertando-a em Claudel, Superville, Milose, os jovens poetas afastados de Paris, exilados, actuando na resistência ou em campos de concentração nazis. A nova poesia está em Aragon, Breton, André Malraux, Henry de Montherlant, este importante dramaturgo francês, autor de La Reine Morte(4), “A Rainha Morta”, peça inspirada nos amores trágicos de Pedro e Inês, estreada em Paris, na Comedie Française, em 1942, sob a administração de Jean – Louis Vaudoyer, com criações de Madeleine Renaud (Inês) e J. Bertheau (Pedro), que apostou em fazer representar “Os amores de Pedro e Inês”, em tempo de ocupação. Lembro que a peça de Montherlant foi representada no campo de concentração de Wistznitz, a poucos quilómetros de Leipzig, à revelia dos guardas nazis. Foi no Natal de 1942, os alemães permitiram que nós representássemos uma festa de Natal; no apoio da Cruz Vermelha. Iniciámos o projecto, recriando o crime da jovem princesa portuguesa que, por amor, fora passada pelos punhais”(5). Sobre as represálias em Wistznitz, faço silêncio. Muitos portugueses irão participar nas publicações de “Afinidades”, de entre eles, Cardoso Pires, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Fidelino de Figueiredo, Adolfo Casai Monteiro, João Gaspar Simões, Francisco Fernandes Lopes, etc. Em 1943 abre, na rua Conselheiro Bívar, n.º 91, o Círculo Cultural do Algarve, substituindo “Camões”. As portas da popular rua do “Chiado” abrem-se à cultura nacional e internacional. O mundo exilado vem a Faro para falar no C.C.A. Tomo nota de uma figura: o ensaísta, poeta e professor Armand Guibert. Este académico haveria de comunicar, nos anos cinquenta, com a obra de Fernando Pessoa e introduzi-la por toda a Europa. Em Faro, Guibert rompe com a tradicional poesia, que fora o farol de França. Está com a nova palavra de Aragon, pelo Norte d’África, nos acampamentos de prisioneiros na Alemanha, nos livros revistas literárias, onde o facho libertador do espírito ilumina, nessa hora de incerteza, as consciências perturbadas do mundo prisioneiro e sofredor. Guibert evoca no C.C.A a figura de Patrice de la Tour du Pin, prisioneiro na Silésia (polónia ocupada). Depois da conferência sobre “La Nouvelle Poesie Française”. Faro receberá a prata da casa, desde Vergilio Ferreira, a 7/03/1943, que debaterá “Sobre o humorismo de Eça de Queirós”, numa apresentação de Hernani Cidade. De seguida vem Otto Diehl, a 13 /03/1943 em “Albert Durer e a Paisagem”. A 4/04/1943 Alberto Uva, pronuncia-se sobre o teatro simbolista de Carlos Selvagem. Simone de Beauvoir faz duas passagens por Faro, em 1942 e 1944, quando passou pelo C.C.A, como dezenas de figuras do pensamento europeu; Simone vem iniciar, aqui, a escrita do seu “Mandarim”. Em 1982 haveríamos de conversar sobre as suas estadias por Faro, no prazer de um porto, no restaurante La Coupole, 102 – Boulevard du Montparnasse – Paris. Com a queda do nazismo hitlariano, os franceses de Faro, Hélène de Beauvoir e Lionel de Roulet, partiram para a sua cidade libertada, deixando saudades e reconhecimentos. A imprensa citadina veio em agradecimento, Maio/45, ao casal de Roulet: Por tudo quanto fizeram pela cidade de Faro. “O Algarve”, Maio de 1945. Carlos Porfírio e esposa ficaram, pela eternidade das suas vidas, por Faro. Ambos repousam no Cemitério da Esperança. Mas as vozes não se silenciaram no C.C.A. com a partida dos exilados. A Música não faltou, desde Maria Campina, triunfante em Salzburg, a grande pianista que em 1949 passou pelo mundo. Fernando Lopes Graça, nas suas “Canções Heróicas”, Francine Benoit, mostrando, pelo piano, Stravinsky. Etc, etc Ainda o C.C.A. foi galeria das exposições de pintura, desde Hélène de Beauvoir, Augusto Lyster Franco, Carlos Porfírio, ao popular Sidónio, entre tantas figuras da pintura. Europeia. Não poderia, neste breve calendário, suportar centenas de conferencistas, de artistas, que vieram de todas as partes do mundo: Ingleses, Americanos, etc, etc até Faro, nos anos que se seguiram, até ao 25 de Abril de 1974.

Teodomiro Neto
O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

1) "O Algarve" Semanário farense, fundado em 1908.
2) "Correio do Sul" – Semanário farense, fundado em 1920.
3) L’ Alliance Française" Maurice Bruézière. Edição – Paris 1983.
4) " La Reine Morte" – Edição – 1947 – Henry Millon de Montherlant – Academia Francesa
5) " Quand nos Prisionniers Jouaient la Reine Morte" – Roger Jeanne – Edição 1971 – L’Imprimeirie Floch