1 – A propósito da liberdade, como direito fundamental de cada pessoa, vale a pena ter presente o conteúdo do artigo 18 da declaração da ONU, sobre os direitos humanos. Pode ler-se aí: «toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos». É grande a riqueza do conteúdo deste artigo. Em primeiro lugar reconhece-se a liberdade de pensamento. E tal reconhecimento deve levar-nos a respeitar todos e cada um dos homens e mulheres que pensam de um modo diferente do nosso. O que não quer dizer que estejamos de acordo com tudo: uma coisa é o respeito, a tolerância e o diálogo; outra coisa seria a concordância com tudo o que os outros pensam; em segundo lugar vem o reconhecimento da liberdade de consciência. Aqui, as coisas são ainda mais exigentes, porque ninguém pode levar-nos a agir contrariamente à nossa consciência nem nós podemos forçar a consciência alheia, seja naquilo que for; em terceiro lugar, vem a liberdade de religião. Neste aspecto, as coisas têm implicações sociais mais notórias. De facto, todos temos direito à conversão a uma religião, e ninguém tem o direito de nos impedir de o fazer; e todos temos liberdade para nos manifestarmos de acordo com a religião que professamos, seja a nível individual, seja colectivamente. Estamos perante uma doutrina inteiramente condizente com o Evangelho, segundo a qual ninguém poderá impedir a pessoa humana de ter e professar livremente a sua religião! Para onde vão, então, os fundamentalismos religiosos? E quem quererá encurralar-nos num espaço fechado, impedindo-nos de professar publicamente os actos de culto da religião que convictamente praticamos?

2 – Estamos perante uma doutrina profundamente cristã, com a qual devemos comprometer-nos, no meio deste mundo, onde muitos destes valores são postos em segundo plano, ou ignorados, ou até desprezados e contrariados.

A prova evidente de que esta matéria faz parte integrante da doutrina evangélica, que devemos escutar e viver, é a consonância entre a doutrina deste artigo e o que nos ensinou o Vaticano II sobre a matéria: «Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer» (DH.2).

Mais uma vez se torna evidente que escutar e viver a Palavra passa pela defesa de alguns valores próprios da dignidade humana, com especial relevo para a liberdade religiosa.

D. Manuel Madureira Dias
*bispo emérito do Algarve

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico