Havia cerca de 23 anos que a procissão de São Gonçalo de Lagos não saía à rua naquela cidade. Realizou-se na passada sexta-feira para regozijo de muitos lacobrigenses, após a celebração da eucaristia presidida por um conterrâneo seu.

No Dia do Município, o cónego José Pedro Martins, natural de Lagos, presidiu à missa em honra do patrono daquela cidade, à qual se seguiu a procissão, uma iniciativa retomada por ideia do chefe José Rios, do agrupamento local do Corpo Nacional de Escutas (CNE), conforme explicou o pároco, padre Abílio Almeida.

No final da bênção da dezena de embarcações que acompanhou a procissão até ao porto de pesca, o sacerdote mostrou-se confiante de que aquela iniciativa tenha ganho agora impulso para manter o ritmo anual de realização.

Antes, na eucaristia ao ar livre a que presidiu no Jardim da Constituição, junto à porta e nicho do patrono, o cónego José Pedro Martins considerou que o jovem Gonçalo, pescador e natural de Lagos, “foi a resposta de Deus ao contexto do seu tempo”, numa altura em que a “cidade conhece um certo desenvolvimento económico mas, paradoxalmente, também uma certa degradação na moral e nos costumes”. “Um contexto que se encontra com algum paralelo nos nossos tempos”, acrescentou, considerando que “nos vazios do seu tempo”, Gonçalo “descobriu apelos de entrega para que os carecidos de tudo pudessem ter a vida com sentido”.

“Gonçalo era um inconformado no estreitado círculo do seu ambiente, aspirava por outros horizontes, sentia-se vocacionado, chamado, a uma vida com outro sentido”, afirmou, lembrando que, tal como os pescadores a quem Jesus fez apóstolos, “também ele, Gonçalo, seduzido, se deixou seduzir”. “Semelhantemente àqueles pescadores de então do mar da Galileia, também Jesus um dia aqui o veio a encontrar, no mar da baía de Lagos, e disse-lhe como aos discípulos de então: «vem comigo e farei de ti pescador de homens»”, comparou, acrescentando que Gonçalo também “deixou as redes, o barco, o pai e os companheiros e seguiu Jesus”.

O sacerdote destacou que aquele “momento inesperado, mas interiormente desejado”, “aconteceu num dia que só ele e o Senhor conheceram”. “Há sempre um dia para as grandes decisões. Gonçalo teve-o, como cada um de nós também é chamado a ter, só que, muitas vezes, adiamo-lo. Falta-nos a coragem”, prosseguiu, lembrando que Gonçalo “confiou plenamente” e seguiu Cristo. “Tinha um coração sensível, inconformado, propenso a entrega humilde e generosa”, considerou, lembrando que o pescador “sabia que há mais alegria em dar do que em receber”. “Era um homem que tinha a inteligência do coração como toda a sua vida futura o veio a demonstrar”, completou, evidenciando que uma das caraterísticas de São Gonçalo foi “a humildade na disponibilidade”.

Lembrando que todos são “chamados à santidade, cada um na sua condição”, o cónego José Pedro Martins salientou que “Gonçalo não se deixou envolver nas fáceis e passageiras propostas de uma vida com o futuro das medidas humanas”, mas “soube ser cristão” e “preferir a medida de Cristo”.

O sacerdote contou que “muitas outras mais vocações floresceram” naquela terra “na esteira de Gonçalo”, “nascido a poucos metros” daquele lugar e “batizado na igreja da Senhora da Graça”, que também ali fora edificada quando ainda existia a atual igreja de Santa Maria.

A eucaristia, na qual esteve presente uma relíquia de São Gonçalo, ficaria ainda marcada pela oferta à paróquia de Santa Maria de Lagos de um quadro pela paróquia de São Jorge, mártir, de Palos de la Frontera, município espanhol na pronvíncia de Huelva (Andaluzia) que está geminado com Lagos há 25 anos. Aquela comunidade, também ligada ao mar, participou na celebrações com uma delegação de cerca de 70 pessoas, presidida pelo seu pároco, o padre Wiesław Marek Susz (polaco), popularmente conhecido como padre Marcos, e por representantes da Real Sociedad Palósfila Pinzoniana, uma associação de defesa da história e da cultura locais.

O quadro, entregue pelos presidentes daquela associação e da irmandade patronal ao padre Abílio Almeida, é composto por uma fotografia do papa João Paulo II durante a coroação que fez à imagem de Santa Maria da Arrábida, virgem dos milagres, como mãe de Espanha e da América, aquando da sua visita a Palos de la Frontera há 25 anos.

Após a eucaristia, animada também pelo cante andaluz de Palos de la Frontera alternado com o do coro da paróquia local, o cortejo litúrgico, que já tinha vindo desde a igreja de Santa Maria, seguiu animado pela Banda da Sociedade Filarmónica 1º de Maio de Lagos pela Avenida dos Descobrimentos até ao porto, passando pela ponte pedonal da marina.

O dia de feriado municipal teve ainda continuidade com a sessão solene à tarde, no Centro Cultural de Lagos, na qual foram homenageadas 10 personalidades com a entrega de medalhas de mérito municipal (grau ouro e prata).

São Gonçalo nasceu em Lagos no ano de 1360. Adotou o sobrenome de Lagos por costume da época entre os frades e entrou no convento dos “agostinho gracianos”, nome vulgarmente dado, naquele tempo, aos frades da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho que viviam no convento de Nossa Senhora da Graça, em Lisboa.

Depois de ordenado foi pároco na Lourinhã, Lisboa, Santarém e Torres Vedras, onde veio a falecer no dia 15 de outubro de 1422. Desde esta data, Gonçalo foi aclamado como santo, tendo sido venerado pela população. No entanto, sendo beatificado pelo papa Pio VI em 1778, não chegou até hoje a ser canonizado.

A 27 de outubro celebra-se então a memória facultativa do beato Gonçalo de Lagos, obrigatória na Diocese do Algarve e no Patriarcado de Lisboa.