É longa a história do ensino no Algarve. Estamos no ano de 1580, sob a ocupação dos Filipes de Espanha. Já a Companhia de Jesus fora constituída, a 15 de Agosto de 1534, na igreja de S. Dinis (Montmartre) Paris, e reconhecida pelo papa Pulo III, em Roma (1539). A Ordem Colegial dos Jejuítas chega a Faro, a 26 de Setembro de 1599. É bispo do Algarve, D. Fernão Martins Mascarenhas quem recebe Societas Jesu, determinando a instalação da Ordem fundada pelo espanhol Inácio de Loiola, na diocese do Algarve, no imóvel existente do teatro Lethes.

É necessário este apanhado, sintético, sobre o primeiro estabelecimento do ensino, aberto em Faro, 1605, pela Ordem dos Jesuítas. Sabemos das várias tentativas, da Igreja de Faro, para a criação de estudos superiores, que sempre fora negada, desde o reinado de D. Dinis, final do século XIII, ao início do século XVII, pelo Filipe I de Portugal. Ainda um novo Colégio dos Jesuítas se abre no Barlavento algarvio, em Portimão, em Março de 1707. O Colégio Maior de Santiago de Faro funcionou como escola de formação do clero algarvio, assim como preparativa para a classe superior no ingresso aos estudos superiores, no tempo, já regressado a Coimbra, desde o reinado de D. João III. Com extinção da Ordem dos Jesuítas, decretado por ordem do Marquês de Pombal, em 1759, será o fim do ensino jesuítico em Faro e Portimão, com graves repercussões no ensino no Algarve e formação do clero algarvio. Em fim do século XVIII inicia-se a construção do Seminário de S. José, em Faro. Em 1797, o bispo D. Francisco Gomes de Avelar abre o seminário a aulas públicas de Letras. Com a interrupção do ensino, no início do Liberalismo, em 1832 o ensino no Seminário é interrompido até 1856; continuando o ser ministrado nas dependências da residência de Verão, dos Bispos do Algarve, em S. Brás de Alportel.

Com a criação dos liceus nas capitais das províncias, por Decreto de 20/08/1844 de D. Maria II, o primeiro liceu chega ao Algarve à cidade de Faro, por Decreto de 14/02/1851, instalando-se inicialmente num anexo do edifício do Seminário de S. José. Nessa reforma do ensino, temos a Cartilha Maternal, novo método global de leitura, do pedagogo algarvio João de Deus (1876). No último quartel do século XIX, Faro conhece a primeira escola de artes e ofícios, a Escola Pedro Nunes, o primeiro e importante embrião de artistas locais, orientados pelos mestres Augusto Lyster Franco (desenho/pintura) e o austríaco Adolfo Hausmann (escultura), em que a cidade de Faro, hoje, se embeleza das mais belas cantarias e pintura. Eis a herança em transição para o século que se segue.

Estamos no século XX, há as metamorfoses naturais de um novo século Em 1908 o liceu transfere-se para a actual rua Manuel de Arriaga (actual escola Tomás Cabreira). Em 1911, o liceu de Faro passou a liceu central, ou seja, leccionar os 6.º e 7.º anos: Cursos de Ciências e Letras. No início de 40, o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco (Louletano) decreta a construção do novo e actual liceu que será inaugurado em 1948. Ainda temos a incompreensível escola superior que fora fundada em 1899 e que chegaria até 1919, como escola de preparação de professores e do ensino escolar. Com o encerramento desta escola há um hiato de 26 anos: 1919-1945, em que a formação de professores passa a ser efectuada em Lisboa. A partir de 1945 temos a Escola do Magistério Primário que se desactiva com o início da Universidade do Algarve (1984).
Outras escolas técnicas se criaram pelo Algarve de Barlavento a Sotavento durante o século XX.

UNIVERSIDADE DO ALGARVE – Já estudámos o sonho dos estudos superiores que vêm dos tempos de D. Dinis (século XIII) ao primeiro Filipe ocupante (finais do século XVI). E nunca realizáveis. Peguemos, então, no historial do século XX, a partir dos anos setenta, para a criação do Ensino Superior no Algarve; comecemos por uma conferência realizada no Círculo Cultural do Algarve, em Faro, a 14 de Abril de 1972, pronunciada pelo professor Joaquim Laginha Serafim, natural de Loulé, Catedrático de Engenharia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. O título: “Conceitos Para Uma Universidade”. Maurício Monteiro, natural de Messines, presidente da direcção da Casa do Algarve (Lisboa), apoia incondicional a criação dos Estudos Superiores no Algarve. É o pioneiro da acção, entregando uma petição ao Ministério da Educação Nacional, secundado por figuras de algarvios na política do Estado Novo, Professores Universitários, Homens da resistência, intelectuais, entre camadas da população. Nesse dia 14 de Abril de 72, o Círculo Cultural do Algarve, vigiado, mas não amedrontado, teve em Laginha Serafim, a palavra do técnico, voz considerada e respeitada, declarando: O Renascimento e a Reforma, como movimentos religiosos e filosóficos, tiveram uma grande e transcendente importância na transformação das Universidades europeias. Mesmo nos países católicos, não afectados pela Reforma, os efeitos do pensamento reformista trouxeram uma modificação dessas universidades, especialmente pelo trabalho dos Jesuítas. A influência dos humanistas, e do especial carácter que a Reforma assumiu na Alemanha, fez-se sentir bastante no seu futuro e no futuro deste país, no qual passaram a surgir alguns dos maiores filósofos e cientistas que a humanidade conheceu. Estávamos em 1972, Laginha Serafim exortava à exigência, pela urgência do ensino, em linguagem e métodos avançados: Quanto mais cedo os alunos aprenderem a lidar com os métodos mais aperfeiçoados, como os das matemáticas, ou os aparelhos mais complicados, como computadores, e a coordenar os conhecimentos mais transcendentes, como os da biologia ou da sociologia, mais cedo e melhores cientistas se formarão.

Os algarvios foram sacudidos pela intervenção do cientista de projecção internacional. Logo o semanário “Correio do Sul” que avança em apoio a partir da lição de Faro. A 27 de Abril / 72, ou seja 13 dias depois, o semanário farense, de Mário Lyster Franco, vinha em primeira página, com título: “UNIVERSIDADE DO ALGARVE – Uma grande organização internacional aplaude com entusiasmo a ideia da sua criação”. O cientista espanhol e Presidente da INTERNATIONAL COMMISSION ON LARGE DAMS, José Toran, faz publicar, no semanário farense, uma comunicação, em que transcrevemos o último parágrafo: “À volta” del medio milenio de la real configuración
del Mundo, la Universidad del Algarve podería ser el estímulo para una nueva espiritualidad.

A cidade mexe: alunos e professores (alguns) do Liceu, desfilam na rua de Santo António acima. Governador Civil e Presidente da Câmara de Faro, dão o apoio ao movimento. O Ministro da Educação, Veiga Simão promete qualquer coisa… que nunca chega a concretizar-se.

Após o 25 de Abril de 1974, outras vozes se levantaram: A 3 de Junho de 1977 o “Jornal do Algarve” publica uma entrevista que o professor Pinheiro e Rosa me concede, sobre a importância da Biblioteca Municipal de Faro, em apoio aos futuros estudos superiores no Algarve. A partir de então, António Barão, o director do Jornal do Algarve, aceita a minha opinião para a criação de um “Dossier Universidade do Algarve”. Faço um breve “intervalo” na minha vida de professor na Europa, e meto-me à investigação. Soube que 600 estudantes trabalhadores que frequentavam o Centro de Apoio ao Ensino Universitário, a funcionar em Faro, nos cursos de História e Sociologia e esperam que a Universidade chegue. A 13 de Janeiro de 1978 inicia-se o “Dossier Universidade do Algarve”: Será um longo percurso iniciado de Janeiro de 78 a 23 de Outubro de 1986. Foram muitas as entrevistas, muitas as opiniões, imensos comentários; quantas dúvidas, partindo para um fim a alcançar: O Deputado José Vitorino, apresentara, na oportunidade, um Projecto de Lei, tendo em vista a criação do Ensino Universitário do Algarve. Mas nem tudo são rosas no recente Parlamento Português. Há espinhos políticos e partidários. Depois de um consenso difícil, a Assembleia da República cria a Universidade do Algarve, por unanimidade. Palácio de S. Bento. A 26 de Janeiro de 1979 publicávamos no J.A.: A Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a criação da U.A. Uma Comissão Instaladora deverá tomar posse, três meses depois da publicação da Lei, no Diário da República. Se algum deputado ponderou que o projecto inicial, apresentado pelo PSD, era incoerente, razão seja dada à Assembleia que soube limar e adaptá-lo às realidades das nossas necessidades (…) Seja como for, a U.A. é uma realidade do ponto de vista jurídico. Já não é uma promessa, uma ilusão (…) Pois agora são as verbas que faltam! Iremos saber e perguntar às pessoas das disponibilidades financeiras. Pois agora faltam professores, perguntaremos onde se possam encontrar. Pois agora faltam instalações, como será? Alunos sabemos que estão, há séculos, esperando!

Fomos escutando, dialogando com o responsável da Comissão Instaladora. Sempre atencioso, sempre pronto, sempre lutador. Tivemos sempre diálogos de entendimentos, eu e o professor Gomes Guerreiro, nas várias entrevistas que me foi concedendo. A 30 de Setembro de 1982, a mais de três anos da criação da U.A.., Manuel Gomes Guerreiro, já designado Reitor da U.A. está de mãos vazias. As suas declarações produzidas num pequeno espaço da Assembleia Distrital (a sua “Reitoria”) são de um navegador sem leme… Afirmando: Seria bom que a A.R. Tomasse sempre a defesa, por unanimidade, dos anseios do Povo português (…) A Universidade do Algarve propõe-se numa primeira fase aumentar o conhecimento nos domínios ligados à valorização e dignificação do homem (…) O Parlamento cometeu uma “heresia” ao criar, pela primeira vez, um ensino universitário, que também não foi bem visto pelo executivo. Era um desabafo, por mim, entendido.

Finalmente, a 20 de Março de 1984 teve lugar, em espaço provisório (sem instalações para se dar o início das aulas; sem definição de nada), a capela do convento de Nossa Senhora da Assunção, actual museu municipal, foi o destino à cerimónia solene de abertura do primeiro ano lectivo da Universidade do Algarve. Estiveram presentes, o Presidente da República, general Ramalho Eanes, o Bispo do Algarve, reitor Manuel Gomes Guerreiro, entre outros convidados. À noite, o teatro Lethes abriu as portas centenárias para um momento cultural.

P.S. Pelo acontecimento do ensino universitário esperado desde séculos, para o Algarve, consideramos este capítulo n.º 8, “O Ensino – Século XX”, que a “Folha do Domingo” tem vindo a publicar, um tratamento singular. A criação da Universidade do Algarve, o acontecimento do séc. XX.

Teodomiro Neto

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico