Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O encontro de doentes oncológicos realizado no passado sábado na igreja de Cabanas de Tavira procurou ajudar aquelas pessoas a entenderem o “sentido cristão” para o sofrimento e para a morte.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Promovida pelas paróquias da Conceição de Tavira, da Luz de Tavira e de Santo Estêvão, a iniciativa, com alguns momentos de emoção para muitos dos presentes, contou com cerca de 30 participantes, entre doentes, familiares e outras pessoas que já passaram pela doença. Após a oração da manhã na igreja, o encontro prosseguiu numa sala anexa com a reflexão do pároco das paróquias organizadoras, que se referiu ao tema “Sofrimento e Espiritualidade”.

O padre Rafael Rocha disse que tem sido confrontado com “dois tipos” de reação ao sofrimento: “aquelas pessoas que crescem com ele, encontram-se consigo próprias e, muitas vezes, aceitam-no e passam a suportá-lo de uma forma diferente” e “aquelas pessoas que entram numa negação total e que não querem aceitar”. O sacerdote advertiu que este segundo modo de reagir “é bem pior” porque “o sofrimento será muito maior” e considerou que um dos seus sintomas se manifesta pelo “medo de aparecer e de dar a cara”. Uma das doentes presentes confirmou que desafiou outras à participação, mas muitas não querem expor-se e assumir a doença.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O pároco apontou então à “outra forma de olhar para o sofrimento”, “com olhos de fé”. “Para quem acredita em Deus, para quem O procura e para quem O quer sentir, olhar para o sofrimento olhando para a cruz de Jesus já lhe começa a dar algum significado”, afirmou, acrescentando que se for oferecido “como uma oração”, o “sofrimento pode começar a ganhar sentido”.

Nesse sentido, exortou a que se reze, garantindo que o “sofrimento pode ser uma bela oração pelos males do mundo”.

O sacerdote aludiu ainda à importância da espiritualidade em contexto de doença. “O espírito é o principal. Se o meu íntimo estiver em relação com Deus e tranquilo, eu suporto o sofrimento de forma diferente”, observou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O padre Rafael Rocha testemunhou ainda que a morte do seu pai se deveu a doença oncológica. “Quando se apercebeu que tinha semanas de vida se tivesse optado pela eutanásia, caso ela fosse permitida, nunca teria tido tempo para esse encontro com Deus e para reparar aquilo que estava mal na sua vida”, afirmou, realçando que “Deus é um Pai de braços abertos”. “Ele não quer que soframos. Mas se temos de sofrer, pela nossa condição, podeis ter a certeza de que Ele está sempre ao pé de nós, a sofrer connosco e disposto a ajudar-nos a caminhar”, concluiu.

A jornada contou ainda com a reflexão do cónego Manuel Rodrigues que também faz parte da equipa sacerdotal naquelas paróquias. O sacerdote referiu-se ao tema “A Morte”, considerando-a “um amanhecer”. “Para falar da morte, temos que falar da vida. A morte é um acontecimento que será entendido conforme nós vivermos a nossa vida”, assegurou, percorrendo a reflexão de alguns filósofos e pensadores sobre o tema, de Sócrates a Santo Agostinho, passando por Epicuro, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche. “Houve grandes filósofos que refletiram sobre a morte, mas o interessante, o que há de comum neles é a vida”, destacou, lembrando que, para além da física, “há outras mortes”. “Eu vou morrendo na medida em que realizo coisas que me destroem”, constatou, advertindo para a “morte do ser”, “a morte ôntica”. “Essa é que é a morte de que nos veio salvar Jesus Cristo”, sustentou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O sacerdote apresentou o pensamento e o entendimento cristão da morte, diferenciando-o do das restantes religiões. Nesse sentido, considerou-a uma “viagem tão suave e tão bela que é um nascimento”. “Vamos entendendo a morte como um adormecer para depois acordar”, sustentou, acrescentando que “Jesus veio aclarar isto tudo de uma forma muito mais profunda”. “Veio dizer-nos que, no fundo, a morte está vencida e a vida continua. A morte não destrói a vida”, prosseguiu, sublinhando que a vida “está garantida na vida nova no Espírito em Deus”.

O sacerdote evidenciou assim que “a «morte cristã» possui um sentido positivo”. “É bem possível pensar na morte de maneira bastante saudável. Não se trata de uma cega prestação de culto à morte ou de dar-lhe uma projeção maior do que ela realmente possui. Se o facto de pensar seriamente na morte nos ajudasse a encarar a vida com olhos menos materiais, um excelente movimento já teria sido realizado em nós. O grande problema é que ainda somos muito terrenos”, afirmou.

O cónego Manuel Rodrigues considerou que “entender o sentido cristão para a morte é aprender a valorizar a própria vida”. “Leva-nos a extrair uma direção valiosa para a nossa vida e depois a dar sentido para a morte. A morte tem sentido conforme eu vivo a minha vida intensamente, com aquilo que ela tem de bom”, afirmou, testemunhando que o sofrimento pode alterar “o rumo da vida de uma pessoa”. “Tenho muitas experiências dessas, pessoas que até dão graças a Deus pelo momento de sofrimento porque foi ocasião propícia para o encontro [com Deus e consigo mesmas]”, contou.

“A vida é o primeiro dom que o Senhor nos concedeu. Vamos vivê-la com esperança, confiança e alegria e não faltará a força para vencermos as dificuldades da doença”, reforçou, apelando também ao cuidado com a saúde. “Devemos cuidar da nossa saúde. É uma obrigação nossa”, realçou, explicando tratar-se de uma exigência “moral muito séria”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O encontro contou ainda com a intervenção do diácono António Moitinho que também partilhou a perda do pai, aos 17 anos, devido também a doença oncológica. “Foi um momento complicado e que me revoltou”, contou, explicando que, mais tarde, o “encontro com Deus” foi uma ajuda no processo de aceitação e de retoma da vida normal. “Isso também foi uma coisa muito importante nesta caminhada rumo ao sacerdócio”, acrescentou.

Ao Folha do Domingo, o padre Rafael Rocha explicou que a iniciativa do encontro partiu de uma doente. “Em conversação surgiu esta ideia de experimentar-se a fazer um encontro de doentes oncológicos e familiares”, contou, considerando importante que a iniciativa tenha continuidade anualmente. “Pode ser algo que se torna atrativo para as pessoas, este convívio e esta partilha sobre a doença, sobre sentimentos e sobre a forma de encarar”, sustentou.