Em declarações à Agência Ecclesia, o padre Mário de Sousa, sacerdote da Diocese do Algarve e coordenador da Comissão da Tradução da Bíblia para a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), refere que o Domingo da Palavra, instituído pelo Papa Francisco em 2019 e que se celebrará amanhã pela segunda vez, ajudará “não só redescobrir a Bíblia, mas, sobretudo, redescobrir na Bíblia a Palavra de Deus”.
O sacerdote destaca ser preciso “conhecer, entender, saber contextualizar” o texto bíblico. “A Bíblia foi escrita numa mentalidade muito diferente da nossa, numa cultura e numa época muito distante da dos nossos tempos”, prossegue.
O Domingo da Palavra foi instituído a 30 de setembro de 2019 pelo Papa Francisco e fixado para o III domingo do Tempo Comum, como momento especialmente dedicado à “reflexão e divulgação da Palavra de Deus”, nas comunidades católicas.
Em setembro de 2020, pelo 16.º centenário da morte de São Jerónimo, o Papa publicou uma carta apostólica sobre a Bíblia, ‘Sacrae Scripturae affectus’ (O afeto pela Sagrada Escritura), na qual questiona o desconhecimento de um texto fundamental do Cristianismo e da Cultura ocidental.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo
“Esse desconhecimento é preocupante e tem consequências a nível espiritual, do seguimento de Jesus. Como é que posso perceber o que Deus diz se não perceber o texto em si? Isso pode ter um efeito completamente inverso: querer que o texto diga aquilo que eu penso”, adverte o padre coordenador da Comissão da Tradução da Bíblia.
O sacerdote sustenta que as comunidades católicas devem viver “uma Palavra de Deus que é conhecida, porque só se for conhecida é que Deus pode falar através dela e iluminar cada momento da existência”.
Nesse sentido, o padre Mário de Sousa diz à Agência Ecclesia que o trabalho de tradução da Bíblia é um “desafio imenso” de conciliação entre a atualidade e a fidelidade ao texto original. “É um desafio imenso e a nossa maior dificuldade: fazer uma tradução em português escorreito, que seja entendível, quando proclamado, e que, por outro lado, conserve toda a riqueza metafórica, arqueológica, antropológica das línguas originais”, refere.
O especialista assinala que a tradução pedida pelos bispos católicos é, em primeiro lugar, para a Liturgia, com o intuito de ser “proclamada”.
“O esforço que está a ser feito é o de manter a fidelidade ao texto, para não perder toda a sua riqueza – porque, se a tradução for muito aberta, isso perde-se um pouco -, e, por outro lado, também não ser tão literalista que se perca a compreensibilidade”, observa.
O padre Mário de Sousa admite “isto não é fácil de conjugar, mas é possível”. “O trabalho que se está a fazer, neste sentido, vai ser levado a bom porto”, aponta.

A nova tradução da Bíblia em português já contou com a publicação dos quatro Evangelhos e dos Salmos, em edição experimenta. Neste momento, os trabalhos seguem “a bom ritmo”, com um corpo de tradutores que abarca mais de 40 biblistas. “É natural que cada tradutor o faça da sua maneira”, admite o coordenador, adiantando que os livros da Bíblia estão traduzidos quase na sua totalidade, faltando apenas alguns do Antigo Testamento.
As duas subcomissões científicas, do Antigo Testamento (46 livros, escritos antes do nascimento de Jesus Cristo) e do Novo Testamento (27 livros, dos Evangelhos às várias cartas dos primeiros apóstolos, concluindo-se com o Apocalipse) têm agora a tarefa de “harmonizar” as traduções de cada livro. “Não é uniformizar, mas harmonizar, para que a mesma palavra em Paulo apareça, nas diferentes cartas, sempre traduzida da mesma maneira, dentro do possível”, precisa o padre Mário de Sousa. “Isso leva muito tempo”, admite.
O trabalho quer permitir, “a quem não tem acesso às línguas originais – o hebraico, o grego, o aramaico -, que se possa perceber, pela tradução, quando se trata da mesma palavra, no original”. A primeira proposta feita às comunidades mereceu vários comentários, com pessoas a manifestar-se a respeito das mudanças, dado que estavam “habituadas a ler de outra maneira”, algo que o sacerdote considera que esse é um dado positivo. “É preciso que aquela palavra seja a Palavra de Deus e, para isso, tem de ser compreensível. Se não for compreensível, dificilmente se torna palavra, porque não permite a comunicação”, realça o coordenador da Comissão da Tradução da Bíblia para a CEP.
com Agência Ecclesia