A 19 de Março de cada ano, celebramos o dia do pai. Trata-se de um dia que já está bastante comercializado, à semelhança de outras memórias e celebrações que vamos vivendo ao longo do ano, onde o comércio tem procurado obter lucros através das várias lembranças que vai produzindo, aliciando-nos depois a adquiri-las.
Nesta celebração, talvez seja descurado o verdadeiro motivo para a escolha da mesma neste dia. A 19 de Março, a Igreja celebra a Solenidade de São José, ele que, sendo pai de Jesus, é modelo para cada homem no exercício particular da sua paternidade que se quer consciente, equilibrada e responsável.
O Papa Francisco, na Carta Apostólica Patris Corde (Com Coração de Pai), escrita por ocasião do 150º aniversário da declaração de São José como Patrono Universal da Igreja, convoca um ano dedicado especialmente a São José, pois este ocupa um lugar central na vida de Jesus e da Igreja.
Festejar este dia deve ser especial para os filhos, e sobretudo para os pais, na medida em que se trata de uma oportunidade para reverem a vivência da sua paternidade aos olhos deste “homem justo” (Mt 1, 19) que fez da sua vida e existência, um lugar do cumprimento da vontade de Deus (cf. Lc 2, 22.27.29). José, homem dos sonhos, que preferiu trabalhar e viver de forma discreta e silenciosa, é uma figura modelar e provocadora, num tempo que se pauta por uma imensa onda comunicacional, vazia de conteúdo.
Francisco, nesta Carta Apostólica, atribui 7 títulos, ou características, a São José. De modo breve, perpassarei cada um deles, tentando retirar um ou outro apelo que os pais hodiernos são convidados a aceitar e acolher, especialmente na relação com os seus filhos.
1. Pai amado
São José, é em primeiro lugar um pai amado, na medida em que a sua grandeza, “consiste no facto de ter sido esposo de Maria e o pai de Jesus”, exercendo esta paternidade com sacrifícios, lutas e dores, para que nada faltasse aos seus. A sua entrega e abnegação em favor da família, é um facto desde cedo reconhecido pelos cristãos, que deve ser merecedor da atenção de qualquer pai, porque o reconhecimento dos filhos para com os pais, acontecerá na proporção da entrega que estes têm para com eles. Esse reconhecimento é um excelente barómetro da qualidade do trato paternal de que são alvo, e deve merecer a melhor reflexão de qualquer pai.
2. Pai na ternura
Sendo homem do silêncio, e tendo-se pautado por uma vida discreta e simples, José foi um pai ternurento e carinhoso. Creio que nos fará bastante bem imaginar este homem, não só como um humilde carpinteiro (cf. Mt 13, 55), mas como pai que também teve medo de ter uma criança nos braços, como qualquer pai do nosso tempo. José, certamente embalou Jesus, aconchegou-o no seu regaço, brincou com ele, contou-lhe histórias e ensinou-o a não ter medo, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para que crescesse “em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).
Numa sociedade extremamente patriarcal, em que o cuidado da casa e dos filhos era praticamente da exclusiva responsabilidade da mulher, São José pode ser olhado como aquele que, acolhendo os sonhos de Deus, renunciou a uma presença passiva na educação e no cuidado de Jesus, revelando-nos a importância do carinho e do afecto dos pais para com os seus filhos, pois “a ternura é a melhor forma para tocar o que há de mais frágil em nós”, como refere Francisco.
3. Pai na sabedoria
Este homem é visto como guardião dos sonhos de Deus, porque, através deles, entendeu o que o Senhor queria da sua vida. Basta recordarmos a angústia que certamente sentiu com a gravidez de Maria, algo naturalmente incompreensível ao seu entendimento. Ainda assim, não querendo difamá-la, decide que a abandonará secretamente (cf. Mt 1, 19). Todavia, é através de um sonho que lhe chega a mensagem de Deus, por um anjo, pedindo-lhe que não tema receber Maria por esposa, porque aquilo que está a acontecer é obra do Altíssimo (cf. Mt 1, 20-21). “Com a obediência, superou o seu drama e salvou Maria”, escreve o Papa.
Quantos pais não vivem dramas profundos na sua vida? Quanta angústia banha as suas histórias, fazendo-os pensar em desistir, porque lhes faltam forças, e se sentem a trilhar um caminho inglório e infrutífero?
Que todos os pais, olhando o exemplo do pai de Jesus, possam acolher na sua vida os sonhos de Deus, sendo-lhes submissos, porque esse testemunho fará com que cada filho compreenda o significado da verdadeira submissão a seus pais, tal como Jesus era submisso a Maria e a José (cf. Lc 2, 51).
4. Pai no acolhimento
José acolhe os sonhos e os desejos de Deus, acolhendo e cuidando de Maria e de Jesus. Ele não coloca condições. Somente confia.
Na vida de um pai há muita coisa que parece não fazer sentido, tal como na vida de qualquer um de nós. Os pormenores e as seguranças escapam-nos e o desânimo torna-se no principal companheiro. Ao invés, temos José, que nas palavras de Francisco, “deixa de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais misterioso que possa parecer a seus olhos, acolhe-o, assume-o com responsabilidade e reconcilia-se com a própria história”, pois “a vida espiritual que José nos mostra não é um caminho que explica, mas um caminho que acolhe”.
Aos pais de ontem, de hoje, e de amanhã, é-lhes pedido acolhimento. Que acolham as suas limitações e fracassos, para melhor conseguirem acolher as fragilidades dos seus filhos e da sua família, numa atitude de segurança e resistência, que integra e reconhece no quotidiano, os seus limites, não procurando desculpas para os mesmos, mas aceitando que fazem parte da sua condição humana.
5. Pai com coragem criativa
Este é talvez um dos aspectos nunca antes destacados em São José. Francisco realça esta dimensão criativa que “vem ao de cima sobretudo quando se encontram [a família de Nazaré] em dificuldades”. Perante as mesmas, José não se acabrunhou nem se deixou dominar pelo medo que os vários obstáculos possivelmente lhe trouxeram. Ele reagiu e arranjou forma de encontrar soluções para as dificuldades. Foi esta a sua criatividade maior, tentando proporcionar uma vida digna à sua família.
O exemplo que nos deixa, e que deixa concretamente a cada pai, é o de não desanimar nem se esconder perante as dificuldades, tendo audácia para “transformar um problema numa oportunidade”, vendo aí um motivo para ir mais além, e não para recuar ou desistir. Quanta criatividade é necessária na educação dos filhos? Os pais bem o sabem.
6. Pai trabalhador
José exerceu o ofício de carpinteiro, e desse modo, garantia o sustento da família, tendo também ensinado esse ofício a Jesus. “Com ele, Jesus aprendeu o valor, a dignidade e a alegria do que significa comer o pão fruto do próprio trabalho”.
Num tempo em que o desemprego continua a ser um flagelo, são necessárias políticas que garantam trabalho a todos, para que, cada família viva dignamente com o que mais necessita.
Olhando fixamente a figura de José, que cada pai, no meio dos dissabores laborais, seja capaz de mesmo assim, agradecer o facto de ter uma fonte de rendimento que ajuda no sustento familiar, passando aos filhos um testemunho de esforço e entrega que o trabalho nos deve merecer.
7. Pai na sombra
São José é pai na sombra, na medida em que “é para Jesus, a sombra na terra do Pai celeste”, tendo a missão de O guardar, proteger e educar. Esta é a função de um pai, que deve viver na retaguarda, dando protagonismo aos filhos, aconselhando-os, tentando mostrar-lhes que podem estar a entrar em caminhos tortuosos, mas, não caindo nunca na tentação de querer decidir por eles. De modo paradoxal, devem fazer-se presentes, enquanto estão escondidos, na sombra, cuidando com amor e afinco dos filhos, bem como das suas lutas, incertezas, escolhas, sucessos e desilusões.
“Ser pai significa introduzir o filho na experiência da vida, na realidade. Não segurá-lo nem prendê-lo, nem subjugá-lo, mas torná-lo capaz de opções, de liberdade, de partir”. Francisco, ao escrever estas palavras, faz luz sobre um conceito quase sempre lido de forma redutora – a castidade. Sendo José o “castíssimo” esposo de Maria, o Papa recorda-nos que essa castidade vai muito além da questão moral ou sexual, porque “a castidade é a liberdade da posse em todos os campos da vida. Um amor só é verdadeiramente tal, quando é casto. O amor que quer possuir acaba sempre por se tornar perigoso: prende, sufoca, torna infeliz”.
Há um profundo convite à castidade das nossas relações, de modo particular, na relação pai-filho, na medida em que, só este amor, permitirá respeitar a liberdade integral dos filhos, não querendo os pais decidir a vida por eles. Optam por estar na sombra, tal como Deus faz connosco, porém, estão sempre prontos para os levantar das quedas, tratar-lhes as feridas e incentivá-los a caminhar.
Que o dia do pai tenha de facto um sabor especial, e ganhe um novo significado, ao tomarmos consciência de que se encontra alicerçado no dia em que celebramos São José, modelo e guia de paternidade humanizante e afectuosa.
Feliz dia a todos os pais, de modo particular ao meu.
Adriano Batista
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia