Em 2018, na abertura do Sínodo dos Jovens, o Papa Francisco deixava bem claro aquele que considera ser o rumo, o caminho que toda a Igreja deve seguir. E quando se diz toda a Igreja, falamos de todos os batizados: desde aqueles que, por alguma razão, acabam por não viver a sua fé e até se sentem excluídos; àqueles que se sentam lá atrás na Igreja, em todas as missas dominicais; àqueles que exercem tarefas em movimentos ou na estrutura da Igreja, passando, naturalmente, pelo clero e religiosos. Todos, mas mesmo todos, são Igreja e essa ideia central e decisiva no pensamento do Santo Padre é o princípio deste caminho que começou a dar os primeiros passos, precisamente com o Sínodo dos Jovens, em outubro de 2018, tendo.se seguido o Sínodo da Amazónia, em outubro de 2019 e, agora, com o Sínodo de toda a Igreja, que terá o seu início assinalado no próximo dia 17 de outubro de 2021.
Vejamos aquilo que nos propôs nesse dia 3 de outubro de 2018, como ideias centrais para esta Igreja em caminho:
- «O Sínodo (…) é um momento de partilha», durante o qual todos são convidados a falar «com coragem e parresia, isto é, aliando liberdade, verdade e caridade». E acrescentou: «Só o diálogo nos pode fazer crescer. Uma crítica honesta e transparente é construtiva e ajuda, ao contrário das bisbilhotices inúteis, das murmurações, das ilações ou dos preconceitos». Se pensarmos em Jesus, caminho verdade e vida, não o vemos permanentemente em diálogo com os discípulos, com as multidões, com os fariseus? Como pode a Sua Igreja não ser uma instituição de diálogo?
- «O Sínodo deve ser um exercício de diálogo», esclarecia Francisco, reforçando: «o primeiro fruto deste diálogo é cada um abrir-se à novidade, estar pronto a mudar a sua opinião face àquilo que ouviu dos outros». Toca-nos a todos! Não pensamos o mesmo, não somos, como diz o povo português, “carneiros em rebanho”, que apenas seguem as indicações do clero, do pároco da nossa freguesia. Todos somos seres pensantes e devemos, pois, à semelhança das primeiras comunidades e no espírito do que nos foi pedido no Concílio Vaticano II, viver em diálogo, ou o próprio sentido de comunidade deixa de ter razão, sobretudo quando o centro da nossa comunidade é Deus, o Amor que Ele nos pediu que construíssemos e a colocação ao serviço dos irmãos dos Dons da Graça que todos recebemos.
- E se estamos a falar de diálogo, então o Sínodo é, em simultâneo, a «coragem de falar» e «a humildade de escutar». Dizia Francisco: «se [alguém] falar de algo que não gosto, ainda o devo ouvir melhor; pois cada um tem o direito de ser ouvido, como cada um tem o direito de falar».
- «O Sínodo é um exercício (…) de discernimento» e não «um slogan publicitário», «uma técnica organizativa, nem uma moda deste pontificado, mas um procedimento interior que se enraíza num ato de fé». O Sumo Pontífice pedia que este fosse «o método e, simultaneamente, o objetivo que nos propomos», acreditando que «Deus atua na história do mundo, nos acontecimentos da vida, nas pessoas que encontro e me falam. Por isso, somos chamados a colocar-nos à escuta daquilo que nos sugere o Espírito, segundo modalidades e direções muitas vezes imprevisíveis».
- Este exercício obriga a que «deixemos para trás preconceitos e estereótipos», que os vençamos, libertando «as nossas mentes e os nossos corações» para estarmos disponíveis a compreender e aceitar verdadeiramente o próximo, sem pensarmos que já sabemos «quem é» «e o que quer». Os preconceitos, para quem estuda comunicação como eu, correspondem a barreiras, ao que chamamos “ruído” e são um obstáculo, tantas vezes, intransponível, à vivencia total do Amor.
- Um desses obstáculos ao diálogo, nascido, precisamente dos estereótipos que aplicamos, é o «flagelo do clericalismo». Não existe «um grupo que possui todas as respostas e já não precisa de escutar e aprender mais nada, ou então finge escutar». Todos somos chamados à escuta e à participação! Não podemos achar (e eu, que sou padre, tenho obrigatoriamente que fazer esta reflexão) que somos “donos da verdade” e que sabemos mais que qualquer leigo! Pelo contrário: devemos ouvir, acolher, compreender, estar ao lado, fazer o caminho, como nos é pedido e proposto. Não foi esse o rosto que Jesus nos revelou, sentado ao lado da Samaritana, escutando as dúvidas dos discípulos, acolhendo Zaqueu, conversando com Marta?!… Lado a lado, é assim que se faz o caminho; não em níveis diferentes, como se caminhássemos, qual homem do circo, sobre umas andas, que nos colocam acima do irmão que vai ao nosso lado. Somos todos feitos da mesma carne e da mesma matéria e em nada melhores. Há dias, o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, dizia, numa entrevista à Renascença: «Uma Igreja simplesmente hierárquica não vai funcionar»; «Eu sou bispo, mas não sou eu só que penso, não sou eu só que rezo, que faço ligações e relações. Isto tem de ser feito e partilhado com todos os cristãos, porque se não, se for só eu e um grupinho à minha volta, empobrecemos a Igreja». Tudo dito!
- O Sínodo é, pois, «sinal duma Igreja à escuta e em caminho» e, não de uma «Igreja com deficit de escuta», que não se «deixa interpelar pelas solicitações daqueles que encontra» e «tem uma resposta pré-confecionada sempre pronta», permanecendo «fechada à novidade, fechada às surpresas de Deus, e não poderá ser credível». Temos de abrir, mais que portas, corações e mentalidades, despertando-os para a realidade que está à nossa volta, que é concreta e inegável e que precisamos de saber compreender!
Caros amigos e amigas, meus irmãos em Cristo: provavelmente corremos o risco de ser mono temáticos nos próximos nos dois meses, mas na verdade, o desafio é colocar a vivencia da vida cristã, nas nossas paroquias e vigararias, centrada num único e decisivo objetivo: a participação no sínodo e na sinodalidade. Esta é uma oportunidade única de auscultação e discernimento comunitários, não só de todos católicos, mas de todos os cristãos (e até não cristãos) sobre a Igreja de Deus. Não é um evento de momento, que apela à religiosidade mais espetacular, mas que tantas vezes é superficial, bacoca, não converte a vida à luz do Evangelho e se confunde, invariavelmente, com superstição.
O Sínodo é uma corrida de fundo, onde todos devem ter voz e ser escutados; onde todos podem responder a perguntas e refletir; onde não se deve apenas ter a visão dos padres e as suas respostas pré-escritas e fechadas; onde as periferias, tantas vezes referidas por Francisco, devem ser ouvidas! O Sínodo é um verdadeiro sinal de que somos uma comunidade, que se questiona, que se aceita, que se reconstrói e que sabe valorizar-se e afirmar-se positivamente no mundo! Por isso, participe! É esse o mote, que soa a publicidade, mas que não o é. É a voz de Deus a pedir-nos que vivamos, clara, responsável e objetivamente, a Fé.
Se não tem outra forma de participar, faça-o individualmente, enviando a sua participação à Secretaria-geral do Sínodo (email: synodus@synod.va), a partir das questões que vai encontrar neste documento: https://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/wp-content/uploads/3-Sinodo_2021-2023_Vademecum.pdf (ver ponto 5.3 e Apêndice B, em particular). E não se esqueça: se não participar não terá a oportunidade de se fazer ouvir e de contribuir para a construção da Igreja que deseja, da Igreja que todos desejamos possa ser, cada vez mais, uma imagem mais perfeita de Deus.