Em Outubro do ano transacto, levantei algumas questões e mostrei desagrado com a atitude passiva da Igreja Católica em Portugal, no que diz respeito às medidas tomadas (à data, a falta delas) para escrutinar e combater ferozmente os abusos sexuais de menores.

Existem declarações de pessoas ligadas à PJ, como na altura mencionei, que acusam a Igreja de tentar camuflar e esconder estes casos, algo que me deixou consternado. Este incómodo aumentou significativamente, quando um prelado admitiu um levantamento retrospectivo dos casos de abuso sexual de menores, desde que o mesmo não fosse circunscrito à Igreja Católica. Por mais que queira entender o que queria dizer, foi infeliz, dando a entender que a Igreja só avançaria sob condição, ou seja, se outras instituições tomassem a dianteira, algo totalmente errado, pois esse exemplo, deve vir da Igreja.

Nesse mesmo texto de Outubro do ano passado, disse desconhecer o que estaria a Igreja portuguesa a fazer, porém, também disse que: «(…) oxalá anuncie em breve dados e medidas concretas. E como seria bom que uma dessas medidas fosse a criação de uma comissão séria e independente (…)».

Mais tarde, a 11 de Novembro, foi anunciada a criação de uma comissão para fazer o estudo destes casos. O primeiro passo estava dado, apesar de existirem muitas desconfianças em torno da mesma. Entretanto, aguardavam-se novidades acerca da dita comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht. Tivemo-las no passado dia 10 de Janeiro.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, ganhou mais corpo e voz. É constituída por 5 pessoas (Pedro Strecht, Ana Nunes de Almeida, Daniel Sampaio, Álvaro Laborinho Lúcio e Filipa Tavares) e tem o seu sítio na internet (www.darvozaosilencio.org) onde é possível encontrar inúmeras formas de comunicação com estes especialistas. Os meios estão ao dispor de qualquer pessoa, e este trabalho merece o reconhecimento de todos nós.

Assim, esta comissão está disponível desde o passado dia 11, para receber testemunhos de situações ocorridas entre 1950 e 2022, na tentativa de poder reparar, dentro do que é possível, claro, as marcas destes actos repugnantes, com a certeza de que todas as denúncias recebidas, se constituírem crimes ainda não prescritos, serão encaminhadas de imediato para as autoridades competentes, como referiu o Pedro Strecht.

Os próximos tempos não serão fáceis para a Igreja portuguesa. Surgirão muitos ou poucos casos? Não sabemos. Porém, é sabido que existem ódios de estimação para com a instituição em si, personificados em pessoas concretas, havendo aqui um espaço apetitoso para a calúnia e para as falsas acusações. E sabe-se que nesta matéria, uma vez lançado o boato ou a acusação acerca da conduta de alguém, mesmo que a pessoa seja inocente, não se livra mais da “fama”, o que é absolutamente condenável.

Este é certamente o início de uma purificação necessária, que se deseja feita com seriedade, equilíbrio e justiça, para que se apurem factos, e não se deixe espaço para rumores ou ressentimentos que possam mover falsas acusações.

A Igreja inicia assim um caminho importante, e os portugueses só lhe podem estar gratos por a mesma querer estar do lado certo da história, ao dar voz a quem eventualmente está em silêncio há anos.