É verdade que em todos os espaços digitais proliferam mensagens e discursos de ódio: são os que não gostam do político A ou B; os que falam mal da estrela de cinema ou do músico/cantor; são os que destilam veneno contra um determinado grupo social, ou contra as minorias étnicas, religiosas, refugiados, etc.; ou aqueles que falam dos que têm uma orientação sexual diferente.

O ser humano é prolifico na expressão de opiniões, que, na era digital, se tornaram mais facilmente acessíveis, mas sobretudo, mais facilmente difundidas e, tendo as redes digitais a dimensão de toda uma humanidade, as mensagens alcançam, por vezes, uma imensidão de públicos, que os autores nem sequer imaginam ou ponderam, quando as difundem.

Imaginemos: o que acontece, se os trabalhadores de qualquer empresa proferirem declarações contra os proprietários ou os responsáveis da mesma? E se um ministro de um governo ataca e questiona publicamente o seu primeiro-ministro, ou o seu presidente? O que acontece se um médico novato contesta as decisões do chefe da sua especialidade, ou o Diretor Clínico do seu serviço? Tudo isto, numa qualquer página do Facebook, ou do Instagram…

Se pararam para pensar e não tiveram dúvidas em extrair com rapidez conclusões, então vamos considerar que a Igreja Católica não fica de fora deste fenómeno. Na verdade, a sua hierarquia será um dos grupos profissionais e sociais que mais escreve discursos de contestação e, até, reveladores de ódio interno. No clero europeu e americano começam, por exemplo, a ser muitas a vozes que, sem filtros, contestam desde o Papa Francisco, a um simples bispo de uma diocese periférica. E isto acontece porquê?

Em primeiro lugar, porque há falta de concretização do debate interno. Fazem-se muitas reuniões, por vezes muitas discussões, mas para debater e falar daquilo que já está previamente decido, de acordo com as conveniências, pensamento e indicações de uns poucos. Ouve-se muito até se conseguir o consenso em relação àquilo que se quer e que, previamente, se pretendia atingir. Ou seja, com o tempo há um profundo desgaste daqueles que, supostamente, são chamados a emitir a sua opinião, porque se apercebem que ela é tudo menos necessária, quanto mais vinculativa.

Em segundo lugar, não há separação entra a vida privada do padre e a sua vocação e missão. Enquanto noutras atividades essenciais na sociedade, mesmo aquelas que requerem um espírito vocacional muito visível, como a medicina, ou a política, há necessariamente um espaço muito separado (out), para se viver com a família e os amigos. Mas com os padres isso não acontece, pois eles estão sempre imersos (in) na sua vida eclesial. Só falam de assuntos ligados à Igreja, não conseguem desligar-se dela e das suas dificuldades, são permanentemente questionados sobre os aspetos negativos e os problemas que ela atravessa. Os outros não veem com bons olhos que os sacerdotes possam abordar tudo (incluindo, as suas frustrações e as suas dificuldades), porque, quer queiramos quer não, estão permanentemente a ser avaliados e a ser vistos como padres. Vivem, assim, sem poder, quase nunca, exercer a sua condição humana, até mesmo junto das suas famílias de sangue, para quem sentem dever ser um modelo de comportamento e apaziguador de conflitos. Quando é que o Padre é um simples homem, em busca de Deus, sem ter uma carga institucional em cima?

Em terceiro lugar, esta presença de discursos de contestação também revela um problema de falta de Literacia Mediática na Igreja e, sobretudo, no Clero, cuja grande maioria não sabe viver no ambiente digital. Olha para este espaço de vida – porque o é, com tudo o que há de bom e mau, também no ambiente físico! – como ferramenta, através da qual pode divulgar e anunciar as suas atividades de sempre, da forma como sempre fez no ambiente físico e com o estilo comunicacional de sempre. A maioria do clero posiciona-se no ambiente digital como o faz no físico e tem dificuldade em perceber as características constituintes dele, como a não hierarquização (que permite que todos estejam ao mesmo nível e possam dizer tudo, com a mesma amplitude) e o facto de todos sermos simultaneamente emissores/recetores (ou mais corretamente, produtores/consumidores). Revelam dificuldade em lidar com o contraditório, que no ambiente físico muitas vezes é inexistente, mas que no ambiente digital é permanente e ao alcance de todos. Não sabem diversificar a comunicação consoante os públicos e consoante as plataformas, porque nas suas paróquias e comunidades, quando falam é para todos e todos ouvem, sem questionar.

Por isso, importa, neste momento em que tanto falamos do envolvimento dos cristãos, do processo sinodal, da necessidade de participação, refletir sobre estas questões. Devemos considerar, com grande enfase, a importância que tem a Literacia Mediática e o desenvolvimento de competências neste âmbito. Quem compreende e sabe ser e estar em todos os ambientes, também sabe evitar as armadilhas que eles podem trazer. E a Igreja, que pretende ser uma voz no deserto, estar entre os homens, em todos os continentes, incluindo o digital, deve acompanhar a construção do nosso quotidiano, investindo na formação dos seus membros (clero e leigos), no respeito pela diversidade, no respeito pelo próximo, dando permanentemente sinal de Cristo Ressuscitado, fonte de luz, caminho, verdade e vida.