Quando entramos numa Igreja, para participar numa Eucaristia, quase que apostava que pelo menos 70% das pessoas que estão no seu interior são mulheres. Quando pensamos nos serviços realizados nas paróquias, como a catequese, por exemplo, volto a pensar que a percentagem é, igualmente, bastante superior à dos homens. Coros paroquiais, serviços socio caritativos, grupos de jovens: a análise seria muito parecida.

Na verdade, não fugiríamos muito do que acontece genericamente em Portugal e no resto do mundo. Vejamos: dados dos últimos Censos (INE, PORDATA, 2021, última atualização: 2022-06-28) dizem que temos uma população total de 10.344.802 pessoas, sendo que esta se divide em 4.921.170 homens e 5.423.632 mulheres. Ainda se verificam, como também é do conhecimento geral, muitas situações de desigualdade e, sim, falo de desigualdade, porque sendo homens e mulheres seres com características distintas, são ambos seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, logo, com direitos iguais. Deveriam, claro, ter oportunidades iguais ao longo das suas vidas, para se realizarem humana, social, académica e profissionalmente. Até porque, a definição de igualdade que prevalece e que vai beber à Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU, a 10 de dezembro de 1948, afirma: «todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos» (artº. 1) e «todos têm direito a todos os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer tipo, como raça, cor, sexo, idioma, religião (…) nascimento ou outra condição» (artº. 2).

Assim, «a igualdade de género significa igualdade de direitos, de liberdades, de oportunidades, de escolhas, de participação, de reconhecimento e de valorização de mulheres e homens, em todos os domínios da sociedade e é reconhecida hoje como essencial para o processo de desenvolvimento sustentável, democrático e à formulação de políticas de desenvolvimento nacional eficazes», como afirma a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género/Unidade de Apoio à Estratégia e Planeamento (2021, pág. 9). Reforço que falo de igualdade de género, pelo que não interpretem as minhas palavras como integrando uma qualquer teoria de género, que nem se quer sei o que é e me parece duvidoso que exista.

O Papa Francisco, a 7 de fevereiro de 2015, numa comunicação dirigida ao à Plenário do Dicastério da Cultura, centralizado no tema “As culturas femininas: igualdade e diferença”, sintetizava todas estas ideias, afirmando ser tempo de que as mulheres «se sintam não hóspedes, mas plenamente partícipes das várias esferas da vida social e eclesial», sendo, na sua opinião, urgente «oferecer espaços às mulheres na vida da Igreja», favorecendo «uma presença mais ampla e incisiva nas comunidades». Ou seja, pôr em evidencia aquilo que há muito está escondido: o lado feminino da Igreja.

Primeiras testemunhas da ressurreição, dão à Igreja, como também considera o Papa, um rosto feminino, de esposa e de mãe (28 de julho de 2013, Conferência de Imprensa aos Jornalistas no Voo Papal) e, todavia, falta olhar para esse rosto feminino da Igreja, fazendo uma “teologia da mulher”, que tantos temem e castram, relegando mais de metade da população católica crente para funções, que o Santo Padre considerou deslizam «para um papel de servidão» (discurso de 16 de maio de 2016, à União Internacional das Superioras Gerais). É comum, aliás, ouvir nas homilias, por esse pais fora e não assim tão longe, que as mulheres se devem resignar a uma condição de ser inferior no casamento, no trabalho, em todos os âmbitos da sua vida social, aceitando como algo normal e justo, aquilo que não tem sequer qualificação: nenhum ser humano deve ser desvalorizado, contentar-se com a violência, seja ela de que natureza for, nem, tão pouco, ser convencido de que não tem capacidades para além das que, tradicional e infelizmente, lhe foram conferidas por séculos de imposição de uma visão masculina do mundo.

Francisco, que para os críticos importa salientar, também faz o Magistério da Igreja, trabalha paciente e paulatinamente para incluir, para afastar qualquer tipo de marginalização, buscando, no Mandamento do Amor (aquele que foi enfatizado no Evangelho de há uns dias, na parábola do Bom Samaritano), que não faz aceção de pessoas, trazer para o seio da Igreja os talentos que Deus distribuiu ao Seu povo, independentemente do sexo, idade, nacionalidade, condição económica.

Criou uma Comissão que trabalha sobre o diaconato das mulheres; tem vindo a escolhê-las para escrever as meditações da Via-Sacra da Semana Santa, entre elas a teóloga Anne-Marie Pellettier; neste momento, o “número dois” da governação do Vaticano é uma mulher, a Irmã Raffaella Petrini; nomeou a Irmã Alessandra Smerilli para secretária interina do Dicastério para o Desenvolvimento Humano, que lida com questões de justiça e paz; Nathalie Becquart é a atual subsecretária do Sínodo dos Bispos, que prepara o grande evento de 2023; Linda Ghisoni e Gabriella Gambino, ambas subsecretárias no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; a professora Emilce Cuda, secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina; Nataša Govekar, diretora da Direção teológica-pastoral do Dicastério para a Comunicação; Barbara Jatta, a primeira diretora dos Museus do Vaticano e Cristiane Murray, vice-diretora da Sala de Imprensa do Vaticano. E, por estes dias, o Dicastério dos Bispos, estrutura da Cúria Romana que acompanha a escolha dos Bispos, viu nomeadas duas freiras e uma leiga, quando era exclusivamente composto por homens. São Raffaella Petrini, Yvonne Reungoat e Maria Lia Zervino.

São uma gota de água num oceano imenso, onde elas e todos os leigos precisam de ter um papel mais ativo e mais valorizado, num universo onde é indispensável que as questões verdadeiramente importantes e que se prendem com a dignidade humana, o respeito ao próximo e o reconhecimento de quem este é, devem sobrepor-se a gongorismos sobre trajes sacerdotais, falta de aceitação do ecumenismo, anacronismos litúrgicos, que desconsideram o último, grande e determinante Concílio da Igreja, o Vaticano II e tantas outras “pequenezes” que apenas enfarruscam o rosto deste grande Corpo, que todos desejamos que cresça, em espírito, sabedoria e a graça (Lucas 2:40), à imagem de Cristo, sua Cabeça e Rei.

Por mim, palmas sentidas: que estas irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo nos ajudem a ter uma Igreja onde os Bispos, doravante escolhidos, sejam verdadeiramente a imagem de Cristo, capazes de escutar, integrar e tratar como iguais a TODOS os Filhos amados Dele.

PS – Aos críticos habituais: não vou mudar. Sou profundamente crente na Misericórdia de Deus e foi isso e continua a ser, aquilo que me fez escolher o caminho do sacerdócio. Se Deus não fosse Amor total e completo, qual seria o sentido da vida? E, assim sendo, é esse o princípio pelo qual procuro nortear a minha, cada vez mais, humildemente pedindo que possa ser uma pessoa merecedora da Sua Graça.

Referências:
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género/Unidade de Apoio à Estratégia e Planeamento (2021). Igualdade de Género em Portugal: Boletim Estatístico 2021, Lisboa: CIG, https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2021/11/2021_11_16_BE_VFINAL_web.pdf.

INE, PORDATA (2021). População residente segundo os Censos: total e por sexo. Quantas pessoas existem, homens ou mulheres?, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. https://www.pordata.pt/Portugal/Popula%C3%A7%C3%A3o+residente+segundo+os+Censos+total+e+por+sexo-1.