O Setor da Pastoral Familiar da Diocese do Algarve promoveu a realização de um ‘Encontro de Famílias’ como “momento de reflexão em plena Quaresma”. A iniciativa teve lugar na manhã do passado sábado, 25 de março, no Centro Paroquial de Loulé com a participação de 13 casais.
A reflexão decorreu em dois tempos. Num primeiro, o cónego Mário de Sousa abordou o tema “A Bíblia como instrumento de unidade na família”. “A Bíblia só pode ser um instrumento de unidade na família quando nela descobrimos a presença de Deus na sua vida e no seu projeto”, começou por advertir o sacerdote, exortando os casais a “descobrir na Bíblia o projeto de Deus sobre a família” para poderem “ter na Bíblia um instrumento enquanto palavra de Deus para a unidade da família”.

O biblista explicou que, a partir de Jesus, “as relações pessoais, até familiares, tornam-se relativas”. “A relação de Jesus com os seus discípulos é que é a relação absoluta. As outras estão relacionadas a esta”, sublinhou, explicando que “a família de sangue é redimensionada” por esta “outra realidade” e posta “em relação com Jesus”. “A minha família é importante, mas não é um valor absoluto. O único valor absoluto é Deus”, reforçou, acrescentando ser “no grande mistério do amor de Cristo pela sua Igreja que todas as relações pessoais são imersas, inclusivamente a relação familiar”.
“Os esposos, os pais e os filhos, estabelecem uma ligação que encontra a sua verdadeira fonte não já no instinto natural, não apenas naquele projeto que é comum a toda a criação, mas na profunda união a Jesus que se estabelece pelo Batismo”, prosseguiu, explicando que “como comunidade de discípulos, a família é convidada a amar-se ao jeito e à maneira de Jesus”, ou seja, “como Cristo amou a Igreja”.
O cónego Mário de Sousa disse ainda que a família cristã, que “encontra o seu modelo na relação de Cristo com a Igreja”, “é a concretização primeira e mais evidente da Igreja”. “Não se trata de uma família que se torna cristã, mas de cristãos que se tornam família. A família aparece assim como uma concretização da família mais alargada dos filhos de Deus, de uma vida nova cujo modelo é Cristo”, distinguiu.

O orador advertiu que o verdadeiro “amor é gostar do outro apesar das suas debilidades, é ter um coração capaz de acolher o outro apesar das suas fraquezas”. “E este é o grande distintivo de uma família cristã: amar como Ele amou. É amar apesar das misérias e doar-se, apesar das dificuldades, porque se ama. Então, não se trata de um amor meramente humano, mas de um dom de Deus. E, por isso é que precisamos da graça dele”, completou, explicando que o sacramento do Matrimónio é pedido para que Deus dê aos cônjuges a “graça de viver como Ele”. “Casar no Senhor significa viver a relação com o outro a partir de Cristo que nos liga na fé. É esta relação na fé que conforma e dá conteúdo e vida à nossa relação de casal”, completou.
“É muito complicado quando um noivo casa para ser feliz. Quando eu caso para eu ser feliz, no centro da relação estou eu e com muita facilidade o outro é um instrumento ao serviço do meu projeto. Isto é utilizar o outro para que eu atinja os meus objetivos.
Ora, o amor é gostar tanto de ti que tudo farei para que tu sejas feliz. Quem é pai e a mãe percebe isto. E se é uma aliança, uma relação, é das duas partes e não é apenas de uma.
Então, eu não vou andar uma vida toda a tentar mudar-te a ti, mas, porque te amo, vou tentar mudar-me a mim. O grande drama é quando andamos uma vida inteira a tentar mudar o outro. Isto não é amor. Eu vou é tentar mudar-me para poder ser digno do amor que tu me tens. Isto é o amor cristão”.
O cónego Mário de Sousa disse ainda que para que Deus possa ter lugar na família “é importante dar-lhe espaço para que Ele possa «falar»”. “É importante que nas famílias cada vez cresça mais o hábito de nos sentarmos como os discípulos de então aos pés do mestre que nos continua a falar, de nos habituarmos a abrir (…) a Bíblia que temos em casa e descobrir nela essa palavra, sempre antiga e sempre nova, do Senhor que se nos dirige e nos habituarmos a rezar em conjunto, sobretudo escutando Deus que fala através daquela palavra e também através daqueles que a partilham”, defendeu, referindo a importância de a família habituar-se a “falar sobre o Evangelho”, conversando depois da Eucaristia sobre o que é que Deus lhe disse através das leituras escutadas.

Num segundo tempo, o cónego Carlos de Aquino refletiu sobre o tema “A família ao ritmo da liturgia”, lembrando que a santidade “é a vocação primeira, última e fundamental da família e da vida cristã”.
“A liturgia tem sempre como objetivo primeiro e como finalidade primeira e última a santificação dos homens e a glorificação de Deus. Resta cada um perguntar-se a si mesmo se quando vamos celebrar a fé nos tornamos mais santos e se saímos mais santificados daquele momento.
Deveríamos celebrar de tal modo que, naquele encontro, nos sentíssemos a tocar a verdade plena do céu. Falta-nos trazer esta dimensão da eternidade às nossas celebrações”
O sacerdote sublinhou que “a liturgia é fundamentalmente a celebração festiva da salvação em Jesus Cristo, realizada em família no corpo do Senhor ressuscitado que é a Igreja”.
O liturgista deixou um conjunto de desafios à vida cristã, mas sobretudo à vida de família, como indicações “oportunas e significativas” para a pastoral familiar na dimensão celebrativa e litúrgica que “poderiam e deveriam ser valorizadas” e “até mais assumidas e vividas” entre os cristãos. “Se quereis ser fecundos como famílias cristãs precisamos da liturgia, da oração e do oferecimento de si que é a caridade”, começou por referir, exortando à “participação progressiva de todos os membros da família cristã na Eucaristia e noutros sacramentos, em particular nos da iniciação cristã dos filhos”.
Citando o Papa São João Paulo II, lembrou que “as diretivas conciliares abriram a nova possibilidade também à família cristã ao inclui-la entre os grupos aos quais se recomenda a celebração comunitária do ofício divino que é a liturgia das horas”. “Assim, está também ao cuidado da família celebrar, mesmo em casa e de forma adaptada aos seus membros, tempos e festividades do ano litúrgico. Para preparar e prolongar em casa o culto celebrado na igreja, a família cristã recorre à oração privada”, continuou, dando como exemplo a recitação do rosário.
Mencionando também o Papa Francisco, destacou que “a oração em família é um meio privilegiado para exprimir e reforçar a fé pascal”. “Podem encontrar-se alguns minutos cada dia para estar unidos na presença do Senhor vivo, rezar, dar-lhe graças. As várias expressões da piedade popular também são tesouro de espiritualidade para muitas famílias. O caminho comunitário de oração atinge o seu ponto culminante ao participarem juntos na Eucaristia”, prosseguiu.

Por fim, considerou que “só uma autêntica espiritualidade familiar, alicerçada e robustecida pela escuta da palavra, pela oração comum e pela participação na liturgia garantirá a verdade e fecundidade da comunhão, da fidelidade, da vida, da fé e do amor no seio de uma família cristã”.
A terminar, deixou “algumas perspetivas no âmbito do ano litúrgico que podem ser valorizadas” como “a participação na Eucaristia dominical”, considerando ser preciso “um grande trabalho pastoral familiar (paroquial também), para envolver as famílias enquanto famílias na própria celebração e na valorização de alguns momentos da celebração”. A celebração de momentos onde se pode “valorizar a Eucaristia dominicalmente celebrada” como “nascimentos, batismos, comunhão solene, confirmação, matrimónio e até a própria morte”, foram alguns dos exemplos que deu, assim como, para a “vivência do ano litúrgico como itinerário da vida cristã também em ritos domésticos”, a realização de “vias-sacras, a leitura da paixão, a celebração do Domingo de Ramos, a Via Lucis, a bênção anual da família, a novena de pentecostes, a valorização na Quaresma do tempo da misericórdia, a coroa de advento e a árvore de Natal, o presépio, a novena de Natal, o Dia da Sagrada Família, a liturgia das horas, a celebração de sacramentos, a adoração eucarística e a celebração dos sacramentais, sobretudo as bênçãos, a valorização de dias comemorativos e acontecimentos especiais, expressões de popularidade popular e momentos de oração familiar”.