(coisas de pais e de mães…)
Encontrei-o numa fila no supermercado. Cumprimentei-o e fez-me as perguntas circunstanciais do costume, após o que, começou a “desfiar um rosário” de queixas sobre a filha, que eu também conheço. Estava prestes a desistir, dizia-me. A vida que ela levava era disruptiva, errática, irresponsável, recheada de episódios de incumprimentos, irresponsabilidades, ouvidos moucos às orientações dos Pais. Isso, a par do tempo que passava e da mudança que não se via, causava um grande sofrimento aos Pais e ele, cansado dos reparos, das sugestões não acolhidas, da indolência persistente, já tinha atingido o limite das estratégias a propor e já percebera que tinha de recuar, desligar-se um pouco, não estar tão envolvido emocionalmente. Tentar isto, pelo menos para preservar a sua própria sanidade mental. Mas continuava a falar dela, repetidamente, como se o coração, rápido, lhe ditasse as palavras que a boca proferia e como se a razão pragmática, ficasse por bocadinhos arrumada na gaveta e falassem agora, só a emoção e o amor de pai. Ao mesmo tempo, ia pedindo desculpa pelo eventual incómodo que pudesse estar a causar e pelo tempo que me tomava, embora dissesse que o desabafo lhe fazia bem e que já percebera que não devia ter vergonha de falar. Reforcei isso, pois percebi aquele duelo, naquele momento, entre razão e coração, nas palavras daquele pai. Disse-lhe que não tinha que ter vergonha. Os filhos são nossos, mas a vida é deles e então a “posse” que deles possamos achar ter, é muito, muito relativa, quase nula. Não nos pertencem, sobretudo em idades já (quase) adultas. E acredito mesmo, como já disse também por aqui, que chega uma altura em que temos de desligar (diria…) e deixá-los ir.
Aquele pai fez tudo bem. Sei que não desistiu da filha e, embora ele afirme que sim com (suposta) convicção, pressinto que nunca o fará. A sua natureza de pai fará com que tenha sempre dentro de si, emoção quando falar dela. Mas terá também sempre, a razão, como ponto de equilíbrio, que definirá limites para si próprio e lhe dará pistas para se resguardar e não anular. E eu, sinceramente, acho que este pai, mesmo sem saber, está certíssimo. Não lhe disse ali, mas pensei e senti…