(para todos os meus amigos enfermeiros e muitos outros que trabalham em contextos de vulnerabilidade, como os hospitais….)

Olhei para ele e chorava compulsivamente. Não se ouvia, mas o peito arfava largo, em trejeitos de choro e lágrimas, grossas, corriam bochechas abaixo. Aproximei-me e falei-lhe baixinho, enquanto lhe pegava na mão. Tentei não usar um tom condescendente, como aquele que se usa com os velhinhos, quando estão doentes, como se fossem bebés com pouco entendimento. Lembro-me que enquanto lhe falava, uma sinapse do meu cérebro tentava lembrar-me disso, para que adocicasse o tom, mas não o infantilizasse. E percebi que assentia ao que lhe dizia e me apertava a mão. Foi assim um género de conforto pequenino o que lhe dei ali… Naquele momento, eu visitante de outro doente da mesma enfermaria, bati de frente com a solidão daquele homem, lúcido, mas doente grave numa cama de hospital. Percebi que chorava porque estava só, porque sentia medo, porque estava exposto ao desconsolo e desconforto da doença. Percebi que nesta expressão forte de vulnerabilidade, onde nos confrontamos com o desconhecido e com o que assusta, com a dor e com o desconforto, somos todos iguais e choramos, de peito a arfar largo e com lágrimas grossas a cair, como se voltássemos ao colo da mãe e nos fechássemos em conchinha, receosos do que está para lá.

E eu, sempre resistente a visitas prolongadas no hospital, sempre a achar que os doentes, expostos à dor, ao desconforto, às mazelas não bonitas da sua doença se cansam connosco sempre lá, tive que condescender que sim, as visitas podem ser, em muitos casos, uma fonte importante de conforto e de companhia e podem também, em tantos outros, esbater a negrura de estar só e só acompanhado pela doença que, de repente, dominou. Senti que a minha presença ali, de visitante, esbateu por segundos alguma solidão e isso fez-me muito bem. Senti o coração a inchar como o tal balão de feira em que ele, o coração, se transforma às vezes, sobretudo quando é contexto e espaço de coisas bonitas a acontecer.

Acho que há muito a fazer nos ambientes de hospital. Muito a melhorar no acompanhamento aos doentes, a aprimorar nas equipas já gastas e extenuadas por anos a fio de trabalho sem condições, mas também, muito a agradecer àqueles e àquelas que, membros dessas equipas, extenuados, cansados, mal pagos e pouco reconhecidos, são muitas vezes, a par de quem visita, os únicos pedaços de conforto de tantos e tantas que lá estão acompanhados, só, pela solidão.

Tenho a certeza que os seus corações, apesar da dureza do caminho, continuam a inchar…