Sempre achei que vivemos numa sociedade que não abraça o velho, o doente e o frágil. Tudo é construído e orientado para o sucesso: na escola, nas relações, na vida. Sucesso que quer dizer êxito, resultados, produtividade e objetivos conquistados. Tudo orientado para o 100% e para o bem-estar pessoal. As notas na escola têm de ser as melhores, os amigos, os mais capacitados e bem formados, o futuro, bem pensado e os riscos, super, mega, hiper calculados. Para proteger, acautelar, providenciar. Não há risco, não há aventura, não há a tentação do desconhecido e arrojo, também só, em doses milimetricamente pensadas… As fragilidades não se partilham, os períodos de sombra e treva que assolam de vez em quando os nossos espíritos não se comentam, a não ser de forma q.b., a doença tem pruridos em se expor e da morte então, nem se fala, como se fosse um tabu inexpugnável e um assunto melindroso, sombrio e, por isso, a evitar.
Disto há relatos, evidências e um ar-que-se-respira que comprova. Não serei pioneira nesta análise. Aquela ideia antiga de se falar na morte aos miúdos, com a naturalidade adaptada à sua idade e com a verdade e tom que não tiram a dor, mas que a situam; aquela ideia sabida de outras culturas de se terem os velhos integrados e acarinhados/protegidos, numa mistura de gerações que enriquece e enternece também; aquela noção de que a velhice deve ser integrada nas vidas, nas famílias, nas sociedades, dando àquele conceito de “ageing in place” um cariz de quase obrigatoriedade; tudo isso (ainda) não existe da forma plena que deveria.
Tenho vivido por estes dias em confronto direto com a fragilidade da velhice e da doença, perto de mim. Uma velhice abençoada, mas uma doença que fragiliza e limita. Procuro retornar para mim própria o sentido disso tudo que sei em teoria e que acredito em conceito. Procuro aplicar na prática, tudo, acolhendo, integrando, amparando, em atos partilhados com outros membros da família mais direta. Procuro experimentar, em cada situação trazida de fragilidade, de doença e de dependência, a sensação de “e se fosse eu”, ou “e quando for eu?”, para humanizar a questão, para resignificá-la, para lhe dar sentido e propósito. Procuro… Num interpelo que tento repetir, dando à circunstância, um propósito. Tem de ser…
Somos um país de velhos. Também não sou (só) eu que digo isto. Não sei que velha serei, ou se chegarei sequer a velha (também já disse isto). O que sei é que a velhice dos outros, pode ser uma oportunidade gigantesca de nos humanizarmos e de crescermos, em afeto, ternura e cuidado. De facto, se calhar estará tudo pensado. Só temos é que perceber.